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Parte final do 12º Seminário de DH tem lançamento de livros e debates sobre gênero, racismo e encarceramento


Data de Publicação: 16 de agosto de 2019


IMG_9734“Relações Raciais, Gênero, e Interseccionalidades”​ foi o tema da primeira mesa de debates da parte da tarde do 12º Seminário, que teve mediação de Claudia Ferreira Pinto da Silva, psicóloga, membro do Eixo de Relações Raciais do CRP-RJ e membro da ANPSINEP e contou com três palestrantes convidadas.

Flávia Maria Cavallo, psicóloga educacional da Prefeitura Municipal de Paraty e membra fundadora do Coletivo Feminista M.A.R., abriu a mesa alertando para a importância da desconstrução de uma “lógica colonial que hierarquiza grupos humanos”, que ainda trás como “referência o homem branco”, para que se julgue as demais raças ou sexualidades como “diferentes”. Flávia salientou também que “a mulher branca, pela branquitude, ocupa lugares de privilégio, mas pelo sexo, não. Então, são posturas em que ela pode ser opressora e oprimida ao mesmo tempo” e compartilhou sua experiência.

“Isso fica muito claro também nas práticas dos agentes educacionais, na abordagem com as questões que acontecem com as meninas na escola (quando elas chegam). Eu já passei por situações, quando existia uma questão com uma menina branca e depois uma outra questão semelhante com uma menina negra ou quilombola, a atenção dispensada era diferente, se dava mais importância para o sofrimento da menina branca. Mesmo quando eu tentava articular com a rede, eu podia contar menos com a equipe escolar quando eram questões com meninas quilombolas. O discurso vinha assim: ‘é assim mesmo, nessa comunidade eles são mais agressivos mesmo’ ou ‘elas são mais sexuais mesmo’. Então é um discurso que estão muito presentes nas escolas”, evidenciou.

Em seguida, Ayana Sisi, psicóloga integrante do Grupo Preto de Psicologia Ìmárale que já atuou em Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), Programa de Mães Adolescentes (PMA) e Consultório na Rua (CnaR), afirmou sua posição e sua reinvidicação no Seminário de Psicologia nos Direitos Humanos.

“O que se vê hoje em dia são pessoas reivindicando direitos, mas para pessoas negras, a reivindicação não é apenas por direitos, mas uma reivindicação da nossa humanidade. O que eu estou fazendo aqui hoje é reivindicar a humanidade da mulher negra porque, senão, não teríamos motivos para estar falando de relações raciais e gêneros”, afirmou ela, questionando também: “Que mulher é essa? Que direitos que estão sendo violados? Ela é considerada humana?”.

Emocionada, Ayana Sisi relatou um ato de racismo, vivido durante seu trajeto para as aulas de mestrado. “Um dia, caminhando por Niterói, um homem branco começou a caminhar do meu lado perguntando se eu sabia se havia algum lugar para alugar por ali. Logo, começou a puxar assunto e ofereceu vagas de trabalho na empresa dele como auxiliar de serviços gerais. Recusei, disse que era psicóloga, que estava no mestrado e que se eu soubesse de alguém que precisasse, poderia indicar. Depois eu fiquei pensando, não desvalorizando o trabalho, mas o Brasil é o país que tem o maior número de domésticas e, sabemos que isso é um resquício do racismo, é uma atualização. Pensei em que imagem que aquele homem teve de mim, para chegar e imaginar que não existe nenhuma outra possibilidade para o meu corpo a não ser estar num lugar limpando o chão ou recolhendo lixo. Esse é o lugar em que o racismo nos reserva”, sublinhou.

Encerrando a mesa, Bruna Gabriela Monte, psicóloga, mulher preta, periférica, antirracista e Antimanicomial, levantou três questões que, segundo ela, a faz pensar para além da sua prática como psicóloga clínica. “A primeira pergunta, de Grada Kilomba, psicóloga e psicanalista, é: ‘Ao invés de se perguntar se é racista, o sujeito branco deveria se perguntar como é que ele consegue desmantelar o seu próprio racismo?’. A segunda é: ‘Quais práticas clínicas um sujeito branco pode ter referente a um cliente negro?’, essa segunda pergunta eu retiro do artigo ‘Manejo Clínico das Repercussões do Racismo entre Mulheres que se ‘Tornaram Negras’, da professora Jeane Saskya Campos Tavares e da Sayuri Miranda de Andrade Kuratani. A terceira pergunta é de um psicólogo do Rio, Lucas Veiga: ‘Será possível cuidar da saúde mental da população negra sem considerar singularidade do ser negro?’”, problematizou a palestrante.

Com um mestrado focado em desinstitucionalização, Bruna apresentou alguns dados sobre mulheres que cumprem medidas de segurança e destacou: “Se estamos pensando na desinstitucionalização da saúde mental nas medidas de seguranças, não é só tirar essas mulheres da instituição, majoritariamente mulheres negras. Estamos falando de tirar essas mulheres da instituição manicomial judiciária e coloca-las para exercer um cuidado no território. A desinstitucionalização também se refere a ter acesso a lazer, esporte, educação, trabalho, dentre outras coisas que possamos pensar nesse acesso”.

IMG_97313ª MESA

“Mulheres e Juventude Encarcerada” foi o tema da 3ª e última mesa de debates do evento, sob mediação de Vilma Diuana de Castro (CRP 05/7281), doutora em Ciências da Saúde pelo PPGBIOS/IMS/ UERJ, integrante do Grupo de Pesquisa Saúde nas Prisões da FIOCRUZ e psicóloga da SEAP por cerca de 30 anos.

A primeira fala da mesa foi de Marco Aurélio Rezende (CRP 05/27536), psicólogo assessor em Psicologia na Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro e psicólogo do Departamento Geral de Ações Socioeducativas (DEGASE). Ele abordou os diferentes vetores de violência que incidem no espaço da Socioeducação e problematizou a atuação da (o) psicóloga (o) na defesa dos Direitos Humanos dentro de uma “instituição total”, como o DEGASE, perpassada por diversas violações de direitos.

O psicólogo defendeu também que a atuação dentro desse espaço deve caminhar no sentido não de promover a “responsabilização penal do adolescente, mas um conceito de responsabilização vinculado à promoção de direitos, à educação, à saúde e à cidadania”. Ainda segundo afirmou, “o que o SINAPSE aponta não é que o adolescente deve se responsabilizar individualmente pelo ato infracional praticado. O SINASE aponta para uma ideia de corresponsabilização, em que o adolescente, o Estado, a família e a sociedade devem colaborar nesse processo de responsabilização coletiva”.

Tania Kolker, psicanalista, analista institucional, terapeuta do Núcleo de Atenção Psicossocial a Afetados pela Violência de Estado (NAPAVE) e autora do “Manual Saúde e Direitos Humanos nas Prisões”, narrou sua trajetória profissional dentro do Sistema Prisional e criticou a atuação de perícia nesse espaço a partir da realização do Exame Criminológico. A psicanalista também abordou os efeitos do encarceramento sobre a população privada de liberdade, especialmente as mulheres, e destacou que, na época em que atuava nesse sistema, “os espaços de privação de liberdade para as mulheres eram sempre mais restritivos do que os voltados para a população masculina”.

Tania Kolker encerrou sua fala explicando a atuação do NAPAVE, um projeto que, em dois anos e meio, já atendeu quase 300 pessoas, em especial mulheres cujos filhos foram assassinados por agentes do Estado. Ela criticou o atual contexto em que “jovens são presos, de forma aleatória e massiva, cada vez mais, num movimento voltado para atingir determinados territórios não necessariamente ligados a práticas infracionais, mas que são circunscritos e codificados pelo Estado como tal”.

Bruna Mozer, membro da Rede de Movimentos e Comunidades contra a Violência, encerrou a mesa fazendo um emocionante relato sobre sua trajetória como egressa do Sistema Penitenciário. Conforme contou, na época, ela era usuária de drogas e foi presa no bairro de São Cristóvão, acusada erroneamente por furto, tendo permanecido um ano e seis meses no Sistema Prisional. Ela também compartilhou a dor de ser mãe de um adolescente que cumpriu medida socioeducativa e foi assassinado por agentes de segurança pública durante uma operação policial na comunidade onde morava, na Zona Oeste do Rio de Janeiro.

IMG_9860LANÇAMENTO DE LIVROS

O 12º Seminário de Direitos Humanos foi encerrado com o lançamento de dois importantes livros: “O Trabalho da Psicologia na Socioeducação no Estado do Rio de Janeiro” e “Tentativas de Aniquilamento de Subjetividades LGBTIs”.

A primeira publicação foi organizada pelo Eixo de Socioeducação da Comissão de Direitos Humanos do CRP-RJ e teve seu lançamento oficial na 13ª Mostra Regional de Práticas em Psicologia, ocorrida em julho. O livro é o resultado dos debates travados pelas (os) psicólogas (os) que atuam na execução da medida socioeducativa durante um ciclo de eventos que aconteceu entre maio e agosto de 2018 por municípios de todas as regiões do estado e reuniu cerca de 250 profissionais.

Thaís Vargas Menezes (CRP 05/33228), psicóloga do DEGASE e integrante do Eixo de Socioeducação do CRP-RJ, falou um pouco sobre o processo coletivo de elaboração do livro. “Nós fizemos sete eventos descentralizados pelo estado do Rio para reunir o maior número possível de profissionais. Então, nós fizemos um livro que pudesse pontuar algumas discussões importantes trazidas pelos profissionais nesses eventos’, revelou.

O livro “Tentativas de Aniquilamento de Subjetividades LGBTIs”, foi publicado pelo Conselho Federal de Psicologia e apresenta um mosaico de histórias de pessoas lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e intersexuais (LGBTIs) que retratam os intensos sofrimentos ético-políticos e os processos de resistência decorrentes de diversas formas de violências, preconceitos, injustiças e exclusão.

Alexandre Nabor França (CRP 05/32345), conselheiro-coordenador do Eixo de Diversidade Sexual e de Gênero da CRDH, falou sobre a importância do livro para a quebra do preconceito. “Esse livro foi e é um resultado de toda uma gama histórica em que muitos psicólogos trabalharam contra o direito à diferença através de supostas práticas de cura para aquilo que não é doença”, defendeu.

Os psicólogos Maiara Fafini, colaboradora do CRP-RJ, Roberta Brasilino, assessora técnica do CRP-RJ, e Héder Bello, assessor técnico do CFP, que participaram do processo de produção do livro, destacaram falas de entrevistados presentes na publicação.

 



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