O Conselho Regional de Psicologia do Rio de Janeiro recebe com grande preocupação a notícia do decreto do governo federal de 22 de julho que reduz as vagas destinadas a representantes da sociedade civil no Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (CONAD). A medida exclui psicólogas (os), médicos e juristas, entre outros representantes de categorias profissionais, da composição do CONAD.
Criado em 2006, o CONAD tem, entre outras, a função de sugerir alterações e acompanhar a execução do plano nacional de políticas sobre álcool e outras drogas. Ele era composto por 31 representantes de quatro áreas: governo federal, conselhos estaduais sobre drogas, organizações, instituições e entidades da sociedade civil e profissionais.
A partir do decreto presidencial, foram excluídos os 13 assentos antes reservados para representantes da sociedade civil e especialistas. Isto é, perderam assento as (os) seguintes profissionais indicadas pelos seus respectivos conselhos de classe ou organização representativa: psicóloga (o), médica (o), jurista, assistente social, enfermeira (o), educadora (r), antropólogo, cientista e estudante.
Com isso, o CONAD passa a ter uma nova configuração, sendo composto por apenas 14 membros, 12 deles indicados diretamente pelo governo federal, e outros dois integrantes de conselho estadual e órgão estadual sobre drogas. Destaque para a entrada, como membro do conselho, do Ministério da Cidadania, cujo ministro é Osmar Terra, autor da lei 13.840/2019 (antigo PLC nº 37/2013).
Essa lei fortalece o financiamento público de Comunidades Terapêuticas, deturpa a política de redução de danos do uso problemático de drogas – política internacionalmente consagrada e cientificamente robusta em sua efetividade – e autoriza internações involuntárias por qualquer servidor público, possibilitando internações em massa sem propósito terapêutico como objetivo central.
A reconfiguração do CONAD trará impactos negativos sobre a Políticas de Álcool e Outras Drogas, já fragilizada em um cenário de progressivo desmonte da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) e retirada de recursos financeiros dos Centros de Atenção Psicossociais (CAPS) e demais serviços substitutivos em Saúde Mental.
Na avaliação do psicólogo Francisco Netto (CRP 05/38521), mestre e doutorando em Saúde Pública pela ENSP/Fiocruz, representante do CRP-RJ no Conselho Estadual de Política sobre Drogas do RJ e integrante da Plataforma Brasileira de Política de Drogas (PBPD), “o decreto extinguindo a participação de conselhos de profissão, cientistas, especialistas e organizações da sociedade civil é mais um passo rumo à ‘Idade Média’ das políticas públicas sobre drogas”.
“O decreto está na contramão dos avanços científicos, técnicos e éticos construídos global e nacionalmente nas últimas décadas. Implica em uma grotesca limitação do que deve ser a função de um conselho consultivo da sociedade junto ao governo. A relevância deste conselho deveria ser exatamente ouvir diversos seguimentos da sociedade para a construção de uma política de drogas integral, que precisa ser necessariamente transdisciplinar e intersetorial”, defende ele.
A psicóloga Victoria Antonieta Tapia Gutiérrez (CRP 05/20157), representante do CRP no CMPD (Conselho Municipal de Políticas sobre Drogas de Petrópolis), vice presidente do Conselho Municipal de Políticas Sobre Drogas (gestão 2018-2020) e presidente do Conselho Municipal de Políticas Sobre Drogas na gestão 2016-2018, evidencia que “ao retirar a representação dos conselhos profissionais esse decreto retira também o protagonismo dos usuários, eles não são vistos como sujeitos e sim como corpos que devem ser doutrinados. Fica claro que a intenção não é cuidar ou tratar e sim segregar e consequentemente, controlar. Coloca-se em prática uma política de exclusão e higienismo, que reflete o momento de falso moralismo que estamos vivendo, um retrocesso que desrespeita todas as conquistas de anos de luta, que foi sendo construída a muitas mãos com a participação dos profissionais e dos usuários e familiares.”
Vale destacar que o recente decreto não é um episódio isolado e integra um conjunto de medidas que vêm sendo tomadas pelo governo federal no sentido de restringir, progressivamente, a participação social nas instâncias de Controle Social, onde são planejadas, executadas e fiscalizadas as diversas políticas públicas. Em abril deste ano, por exemplo, foi assinado o decreto 9.759, que determinou a extinção, a partir de 28 de junho, de diversos conselhos, comissões, fóruns e outras denominações de colegiados da administração pública. No dia 13 de junho, no entanto, o Supremo Tribunal Federal concedeu uma liminar que limitou o alcance do decreto. Por se tratar de decisão de caráter provisório, os ministros do STF ainda deverão discutir o tema definitivamente, porém não há prazo fixado para que isso aconteça.