
Mesa de Debates – “Da ‘ideologia de gênero’ à ‘cura gay’ – Laicidade, Gênero e Sexualidade na Psicologia”
Com o tema “Da ‘ideologia de gênero’ à ‘cura gay’ – Laicidade, Gênero e Sexualidade na Psicologia”, ocorreu a segunda mesa de debates da 13ª Mostra Regional de Práticas em Psicologia, na manhã de 4 de julho, na Universidade Veiga de Almeida da Tijuca. O auditório lotado e a interação com o público foi a marca do debate, que trouxe esse tema tão caro à Psicologia na atualidade. A mediação ficou a cargo de Maiara Fafini (CRP 05/43721), psicóloga, travesti, especialista em Direitos Humanos e membra da Comissão de Direitos Humanos do CRP-RJ e da ALERJ.
Amana Mattos (CRP 05/32089), psicóloga, mestre e doutora em Psicologia, professora do Instituto de Psicologia da UERJ, e vice-coordenadora do GT de Psicologia, Políticas e Sexualidade da ANPEPP, abriu o debate, fazendo um histórico de como o termo “ideologia de gênero” foi cunhado.
“Esse cenário não se desenhou da noite para o dia. Desde a década de 1990, tem havido um grande investimento do alto escalão da Igreja Católica na produção deste interdito a toda discussão que pretenda desnaturalizar hierarquias sexuais e de gênero. Então, já na primeira década dos anos 2000, todos esses esforços se concentraram contra o que hoje se chama ideologia de gênero. Termo que tem funcionado como um poderoso mote de mobilização da sociedade civil em torno da defesa da moral e da família heterossexual e nuclear. No cenário político brasileiro, na segunda década dos anos 2000, o combate à ideologia de gênero foi encampado por grupos ultraconservadores, que têm promovido ataques aos direitos sexuais e reprodutivos de mulheres e da população LGBTI”, explicou a psicóloga.
“Esses movimentos ultraconservadores, como o ‘Escola sem Partido’, tem se colocado contra as questões de gênero, como escolha individual, e contra os professores que eles chamam de ‘doutrinadores’. A combinação dessa dupla e contraditória acusação contra os estudos de gênero e sexualidade, condensado no truque da ‘ideologia de gênero’, resulta num emaranhado de afirmações que tem assombrado mães e pais e promovido discursos de ódio contra qualquer debate que questione narrativas moralizantes”, problematizou ela.
Dario Córdova Posada (CRP 05/15372), psicólogo, mestre em Psicossociologia de Comunidade e Ecologia Social que atua no Centro de Referência de Promoção da Cidadania LGBT – Programa Rio Sem Homofobia, abordou o trabalho da (o) psicóloga (o) no âmbito das políticas públicas de Assistência Social. “Quem trabalha nas políticas públicas vai receber demandas desses sujeitos e é preciso que essa vulnerabilidade relacionada às questões de gênero fique visível para o Estado. Também é preciso pensar no acolhimento que fazemos qual o conceito de família e de família vulnerável. O diferente não é doença”, problematizou Dario.
“Sob a influência da fenomenologia, nós, como profissionais da Psicologia, procuremos elementos da Filosofia como a temporalidade e historicidade para orientar os atendimentos. Esses elementos da fenomenologia são essenciais para pensar o sujeito em constante movimento, nunca está completo. Existe o embate entre o mundo normativo e a possibilidade de escolha. A temporalidade nos auxilia a entender a nossa existência pertencendo à dimensão do tempo, assim com uma consciência de tempo vivido, da construção da experiência de estar no mundo e a consequente possibilidade de existência. Quando podemos ‘historicizar’ o corpo para entender identidade de gênero podemos criar o protagonismo. Então, pensar no serviço público talvez não seja só pensar em protocolos, mas sim em criar um espaço de potencialidades”, defendeu ele.
Encerando a mesa, Héder Bello (CRP 05/51594), psicólogo clínico, pesquisador pela USP (Grupo Relapso – Religião, Laço Social e Psicanálise) e assessor da Comissão de Direitos Humanos do CFP, contextualizou social e economicamente as condições que colaboraram para criar o neofundamentalismo que produz tantos ataques as identidades de gênero LGBTI. Segundo ele, “conseguimos produzir enfrentamentos e resistências diante todas as ameaças fundamentalistas e todos os procedimentos de cura gay ao longo desses anos desde que a Resolução 001/99 do CFP orienta psicólogas e psicólogos a não tratarem as orientações sexuais não heteronormativas como patologias”.
“A Resolução 001/99 sofre ataques há 20 anos. Por que essa resolução sofre tantos ataques? Porque falar de cura gay é falar de neofundamentalismo, falar de cura gay é falar de saúde mental, falar de cura gay é falar da história da Psicologia, é falar de um contexto social muito mais complexo do que somente programas e orientações que tentam encaixar as pessoas de forma cisheteronormativa”, ponderou Bello. “Enquanto o liberalismo cria o Estado mínimo, o neoliberalismo criou um Estado de Exceção, ou seja, o Estado protege e produz bem-estar apenas para alguns e não para todos. Esse Estado de Exceção amplia uma vulnerabilidade na população e é aí que a religião entra. Onde não tem Estado, tem Igreja. Portanto, o neoliberalismo produz o neofundamentalismo”, contextualizou.