Com participação de psicólogas (os), pesquisadores e estudantes do campo da Assistência Social de todos os estados da Região Sudeste, o Rio de Janeiro sediou, nos dias 7 e 8 de junho, a Etapa Sudeste da I Mostra Nacional de Práticas em Psicologia no SUAS. O evento teve uma programação repleta de mesas de debates, oficinas e apresentações de trabalhos nas modalidades “Relato de Experiência” e “Relato de Pesquisa”.
A I Mostra Nacional de Práticas em Psicologia no SUAS acontecerá no dia 19 de julho em Brasília, sendo precedida por cinco etapas regionais. Entre os objetivos do evento estão o compartilhamento, a reflexão e a construção de experiências, saberes e práticas sobre a presença da Psicologia na Política Pública de Assistência Social.

Da esq. para dir.: Juliana Buonono, Célia Zenaide, Juliana gomes e Beatriz Bambrilla
A conselheira do Conselho Federal de Psicologia e integrante da Comissão Nacional de Assistência Social do CFP, Célia Zenaide, iniciou a mesa de abertura afirmando: “É com muito prazer que componho esta mesa. Sou do estado de São Paulo e também sou trabalhadora do SUAS, da média complexidade, e é desse lugar que venho dialogar sobre as nossas práticas”.
“A Mostra vem no intuito, desde sua idealização, de pensar a Psicologia nas políticas públicas, uma Psicologia que não é aquela que aprendemos, por vezes, na faculdade”, disse ela, acrescentando que a atuação nas políticas públicas demanda “um fazer muito peculiar sobre o qual, muitas vezes, não dialogamos”.
Juliana Gomes da Silva, conselheira-coordenadora da Comissão de Psicologia e Assistência Social do CRP-RJ, iniciou sua fala ressaltando ter sido “transformada depois da política pública”. Segundo ela, a realização da etapa Sudeste do evento no Rio de Janeiro é importante “num momento em que a cidade é palco de muitas histórias ruins, como o caso do cantor assassinado com 80 tiros, da crescente violência do Estado e do próprio desmonte do SUAS”.
“Em 2016, tivemos o desmonte da Secretaria de Estado de Assistência Social e Direitos Humanos (SEASDH)”, lembrou a conselheira, explicando que, com isso, aumentou o processo de precarização dessa política pública e do trabalho desenvolvido pelas (os) profissionais. “A cidade do Rio de Janeiro não tem concurso público há anos: cerca de 90% dos psicólogos são terceirizados, precarizados. Não temos conseguido caminhar da maneira que gostaríamos com a organização dos trabalhadores para mudarmos essa realidade do Rio de Janeiro”, finalizou.
Beatriz Borges Brambilla, conselheira do CRP de São Paulo, reforçou que “hoje, nós temos um número de psicólogas na Assistência que é quase comparado ao número de psicólogas na Saúde. Eu acho que esta é uma discussão muito importante para nós: como efetivamente temos construído, a partir da Psicologia, um espaço de potência no âmbito da Assistência Social”.
“Há um projeto ético-político para a nossa atuação. Afirmar a Psicologia no SUAS é a possibilidade de afirmar o espaço da subjetividade e da potência da singularidade, mas também a potência da territorialidade do que é coletivo, do que é comum em processos de transformação”, defendeu.
Encerrando a mesa de abertura, Juliana Brunono, conselheira do CRP do Espírito Santo, destacou a importância de eventos como a Mostra de Práticas. “Esses espaços são fundamentais para os trabalhadores e trabalhadoras, porque, neles, conseguimos pensar a nossa prática e discuti-la, e isso é uma forma de nos articularmos e sermos resistência”.
“Esse é um ano de conferência – ou não, ainda não sabemos. Mas estamos tendo tanto desmonte nos espaços de mobilização e Controle Social que um evento como esse nós temos que reforçar e reconhecer sua importância”, defendeu.
MESA DE DEBATES
Dando continuidade ao evento, aconteceu a mesa “A interlocução do SUAS: Multiplicidade de práticas nas diversidades territoriais do Sudeste”. A primeira fala foi de Luciene Alves Miguez Naiff, professora da UFRuralRJ, mestre e doutora em Psicologia Social pela UERJ e pós-doutora em Psicologia Social pela Universidade de Lisboa, que tratou da representação social da Psicologia.

Da esdq. para dir.: Juliana Brunono, Betriz Brambilla, Luciene Naiff e Verônica Oliveira
“A sociedade entende o psicólogo como alguém que vai fazer um trabalho terapêutico, que vai tratar um tipo de sofrimento psíquico. Precisamos romper com isso e mostrar que não é somente isso que a Psicologia pode fazer. Mas percebemos também pouco conhecimento para atuação em outras áreas, em especial para as equipes psicossociais que hoje compõem uma série de espaços como o SUS, o SUAS, o Conselho Tutelar, o Ministério Públicos, etc”, disse ela.
Segundo ela, “no campo das políticas públicas, especialmente do SUAS, o fazer psicológico tornou-se imprescindível, pois entende-se a relação sujeito e sua subjetividade como inseparáveis do seu mundo social”. Conforme lembrou ainda, “a partir da complexidade dos fenômenos sociais, que representam a realidade do trabalho no SUAS, depara-se com a fragilidade da proteção social, a violação de direitos, a precarização dos modos de existência e o sofrimento psíquico como produtos desses processos, sendo necessário situar possibilidades de intervenção da Psicologia”.
Luciene Naiff sublinhou também a importância de a atuação da (o) psicóloga (o) estar voltada para a análise do contexto em que as demandas surgem. “Cada contexto tem determinadas condições sociais, econômicas, políticas e culturais que são próprias, interagem com a produção de conhecimento e criam singularidade. É preciso atuar fazendo esse intercâmbio com o contexto, que é um pilar importante na atuação do psicólogo na Assistência”, afirmou.
Verônica Stefania Alves de Oliveira, psicóloga, pós-graduada em gestão pública pelo Instituto Federal do Espírito Santo e servidora pública efetiva do município de Colatina (ES), compartilhou suas experiências de atuação nos três níveis de complexidade do SUAS e no Fórum de Trabalhadores do SUAS.
“Quando comecei a trabalhar no CREAS, percebei que chegava um monte de casos que não entendíamos porque estavam lá, mas estavam. Por exemplo, a juíza mandava tratamento psicológico nas determinações: ‘solicito que coloque a criança em tratamento psicológico por um ano enviando relatório mensal’. Diante disso, batia aquela inquietação: ‘É isso o que é o CREAS?’. Então tivemos de ler mais sobre o que é o CREAS, debater seu papel, ir a encontros com outros profissionais. E aí, aos poucos, fomos mudando um pouco essa configuração do que é o CREAS”, contou.
A psicóloga destacou também outras dificuldades enfrentadas no trabalho nesse campo. “A rotatividade de profissionais é muito grande, o que dificulta o trabalho. Temos a questão da precarização dos vínculos, as terceirizações, e também a questão do pertencimento do psicólogo na política pública e que temos de trabalhar na graduação porque, se não trabalharmos isso na graduação, será muito difícil conseguir esse pertencimento depois”, explicou ela, destacando, ainda, que o atendimento clínico individualizado não cabe nos moldes da atuação psi nas políticas públicas.
Encerrando a mesa, Beatriz Borges Brambilla, mestre em Psicologia da Saúde, doutoranda em Psicologia Social e conselheira do CRP-SP, problematizou a própria política de Assistência Social. “Eu começo questionando o próprio objetivo ou objeto da política de Assistência. Aí, pensamos: afinal, o que significa construir uma política social no campo da Assistência Social? Tenho certeza de que todas nós aqui estamos falando de garantia de direitos, de mínimos sociais, mas eu continuo com a pergunta: para que uma política de Assistência? Como fazemos uma Psicologia na Assistência? Qual a Psicologia que construímos quando construímos ações no âmbito da Assistência?”.
“Quero considerar que nós temos uma tradição paternalista, coreonelista, assistencialista e do primeiro damismo como ação pública de controle da vida das pessoas pobres, com a institucionalidade da lógica da guerra contra a disciplina que culpabiliza as pessoas em situação de pobreza, culpabiliza também o não desenvolvimento do país e o coloca na conta dos pobres”, analisou a conselheira do CRP-SP.
“Caminhamos passos muito largos para a institucionalização do SUAS, mas, talvez, tenhamos caminhado um pouco distante das pessoas, mais do que isso, distante do Estado, quando pensamos em disputas na questão do orçamento público”, argumentou ela, defendendo que é preciso “compreender de maneira analítica os elementos objetivos e subjetivos que compõem ao mesmo tempo um fenômeno complexo que é a desigualdade social e a pobreza e as suas formas de atenção às retrações da questão social”.
A noite de abertura da Etapa Sudeste da I Mostra Nacional de Práticas em Psicologia no SUAS foi encerrada com uma intervenção proposta pela Comissão de Psicologia e Assistência Social do CRP-RJ, na qual problematizaram-se os estigmas e inverdades relacionadas aos usuários do SUAS e também foi feita a defesa dessa política como universal: “O SUAS é meu, é eu, é nosso”, defenderam ao final da intervenção.