Vinte e três pessoas foram condenadas esta semana por sua participação nas manifestações de 2013 e 2014 no Rio de Janeiro. A sentença única que as condenou poderia – como está sendo por muitas entidades, juristas e ativistas – ser considerada como injusta e excessiva. Entretanto, é mais, muito mais que um possível equívoco jurídico.
Como psicólogas (os), buscamos entender a formação das demandas, sua vinculação com os elementos que compõem a conjuntura em que se manifestam e quando nos deparamos com afirmações expressas naquela sentença, atribuindo ao conjunto dos réus uma “personalidade distorcida” e, como evidência ou consequência o “desrespeito aos poderes constituídos”, somos obrigados a desenvolver uma compreensão do significado destas afirmações.
A sentença usa como exemplo o movimento denominado “Ocupa Cabral”, que se deu em torno da residência do então governador, contra quem aquelas manifestações se davam e o enfrentamento das forças policiais como evidências de conduta antissocial e, parece abstrair por completo o noticiário sobre a desmedida violência e arbitrariedades policiais, os desmandos dos poderes políticos e o número de milhares de pessoas que se manifestavam naquele período.
Como profissionais da Saúde, poderíamos classificar este descolamento da realidade, mas não. Essa forma de “fazer a justiça”, onde inicialmente se estabelece aquela “personalidade distorcida”, ou seja, o que o sujeito é, para depois coletar fatos que apenas comprovariam a inicial, tem um sentido claro, ideológico e político: trata-se de afirmar que o desafio, a desobediência e o enfrentamento aos poderes constituídos, sejam quais forem e como se desempenhem, é ilegítimo, imoral e, principalmente, criminoso.
Dessa forma, o que está sendo condenado, salvo melhor juízo, é o próprio ato de protestar e, mais profundamente, o direito de se manifestar. Não há como não estabelecer uma linha direta com o período da ditadura, quando o poder judiciário se permitiu subjugar em grande parte pelo poder constituído pelo arbítrio e ilegalidade.
Não temos dúvidas de que o Brasil é marcado por profundas desigualdades sociais, de direitos e oportunidades entre a maioria da população e outras parcelas da sociedade. Portanto, é justo, legítimo e, deve ser legal, o livre e democrático direito de manifestação daqueles que não encontram outros meios de enfrentar as injustiças. Não haverá mordaça judiciária que seja capaz de silenciar a população.