No dia 20 de julho, o primeiro debate a ocupar o auditório da Universidade Veiga de Almeida (UVA), na Tijuca, foi “Mulheres Psicólogas: Diversidade e Resistência”. Mediada por Cíntia Carvalho (CRP 05/40996), conselheira do CRP-RJ, a mesa de debates trouxe as palestrantes Maria Luiza Rovaris (CRP 05/47085), psicóloga, mestre e doutoranda em Psicologia; Márcia Badaró (CRP 05/2027), psicóloga aposentada da Secretaria de Administração Penitenciária do RJ (SEAP) e conselheira do Conselho Federal de Psicologia; e Maiara Fafini (CRP 05/43721), psicóloga colaboradora do CRP-RJ na Comissão Regional de Direitos Humanos e travesti.
Inicialmente, a mediadora faz uma breve, porém contundente, fala na qual lembra que “falar sobre gênero e feminilidades é de extrema importância, principalmente num país como o Brasil que é o 5º colocado no ranking mundial em feminicídio e que sofreu um golpe no qual uma presidente mulher foi deposta”.
Maria Luiza Rovaris pautou sua fala sobre a Psicologia a partir das questões relacionadas ao feminismo, ou aos feminismos, conforme a própria psicóloga problematiza. Falar em feminismo é falar em vários feminismos que surgiram em diferentes momentos históricos, em diferentes lugares, com diferentes contextos, que envolvem diferentes movimentos sociais”.
Segundo ela, “quase 90% dos psicólogos são mulheres, ou seja, são psicólogas. E temos que nos voltar para as questões das feminilidades também, pois não há como se voltar ao cuidado de outros sem antes ter um olhar e um cuidar de si. Temos que saber quantas de nós são mulheres? Quantas de nós são mulheres trans? Quantas de nós são mulheres negras? Como está a formação em Psicologia, se contempla estas questões, se contempla e nos traz a conhecer as pensadoras da Psicologia. A nossa formação ainda privilegia os autores homens clássicos, que são importantes, claro, mas não nos falam da nossa realidade e das nossas questões”.
A psicóloga ponderou ainda sobre o caráter de coletividade dos feminismos ao fazer uma citação de Carol Hanish, “o pessoal é político”, e lembrou que, na Psicologia, a prática também produz conhecimento. “Uma Psicologia da libertação só partirá de uma libertação da Psicologia, quando trouxermos à luz questões ligadas ao gênero, à feminilidade, aos contextos socio-econômicos específicos do nosso país. Se não conseguimos fazer isso, por enquanto, na graduação, que possamos construir conhecimento a partir de nossas práticas e de nossas trocas coletivas”, finalizou.
Maiara Fafini pontuou sua satisfação e orgulho por compor uma mesa de debates feminina, reafirmando o lugar da mulher trans nesse contexto. A psicóloga remeteu à citação trazida por Maria Luiza “o pessoal é político” ao pontuar: “Às vezes, parece estranho já começar falando de política, de golpe, no meio de uma mesa feminina, mas tudo está perversamente interligado. O golpe que ainda estamos vivenciando nos leva a uma guinada mais conservadora que não nos acolhe de nenhuma forma. Que democracia frágil a nossa que com uma canetada acaba com uma série de direitos que precisaram de tanto tempo e tanto debates para se estabelecer”.
A psicóloga refletiu ainda: “Mas, antes que me acusem de partidarismo, eu sei que isso não é só no Brasil, mas está acontecendo na Venezuela, na Argentina, no Peru, na América Latina como um todo. E meu incômodo maior não é só a questão financeira que é importante sim. Essa reforma trabalhista não é só sobre isso. O meu maior incômodo é a questão da duração, é a questão do tempo, essa máquina, essa lógica de captura do ser humano, a captura do seu tempo. É a captura da nossa energia vital e da nossa capacidade de durar. Isso afasta a gente daquilo que a gente pode, nos prende à gravidade e nos tira a leveza. Isso nos rouba da nossa potência de acontecer. Eu já achava isso com oito horas de trabalho, imagina com 12”.
Por fim, Márcia Badaró trouxe sua experiência no campo prisional, especificamente sobre as mulheres em situação de cárcere, para problematizar como as questões de gênero estão sempre pautando as ações sociais e coletivas, de forma que é quase impossível dissociar o fato ocorrido com uma mulher da sua condição de mulher.
Badaró fez coro também sobre a produção de conhecimento pautada na prática, uma vez que a formação em Psicologia não prepara a profissional para determinados tipos de atuação, como a do Sistema Prisional, por exemplo. “No Rio de Janeiro temos 4.139 mulheres presas, o que representa cerca de 10% dos presos, sendo esse número maior que a média nacional. A maioria das mulheres presas são negras, com baixa escolaridade, jovens, entre 20 e 29 anos, são presas provisórias e foram detidas por envolvimento com tráfico de drogas. E digo que para lhe dar com essa realidade é preciso aprender muito na prática. A nossa formação não nos prepara pra isso. Trabalhar numa unidade prisional feminina é muito tocante, pois nesse espaço todas as mazelas e dores se tornam extremamente latentes”, lembrou Badaró.
E além das questões ligadas às mulheres, Badaró também trouxe sua experiência ligada ao universo LGBT dentro do Sistema Prisional. “Essa população, que era praticamente invisível dentro do Sistema Prisional, hoje pode ser encaminhada para as unidades prisionais femininas, onde existe um acolhimento melhor que não as coloca em situação de vulnerabilidade dentro do sistema”.
A psicóloga ressaltou também a urgência da composição de uma agenda pública que capacite todos os agentes públicos a lidar com as populações LGBT e femininas no sistema. “Aqui no Rio de Janeiro é de extrema importância que pautemos uma agenda pública que traga a questão da capacitação profissional pra todos os profissionais que atuam dentro do sistema prisional como psicólogos, policiais, médicos, assistentes sociais… porque todos nós desconhecemos essas particularidades e singularidades de toda população LGBT e precisamos ter respeito por isso. Nós estamos atendendo essas pessoas nesse quadro de total negligência de governo e não dá para ser psicólogo sem estar engajado, porque o sofrimento psíquico dessas pessoas nos bate à porta todos os dias”, finalizou.
Para assistir à íntegra desta palestra em vídeo, acesse: https://youtu.be/BCaTwuESPoo