O CRP-RJ Subsede Baixada Fluminense realizou no dia 24 de março (6ª feira), das 17h às 21h, no município de Mesquita, a 24ª edição da Rodas e Encontros com o tema “Amoladores de faca na trincheira do feminino”. O evento deu continuidade às atividades desenvolvidas pela Comissão Gestora em comemoração ao Dia Internacional da Mulher, no dia 08 de março.
A Roda contou com o apoio da Escola Municipal Rotariano Arthur Silva em Mesquita, da Rede Jovem Rio Mais (RJR+) e da ABIA (Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS) e iniciou com a exibição do vídeo de animação com amúsica de Chico Buarque: Gení e o Zeppelin.
Mônica Sampaio (CRP 05/44523), psicóloga conselheira e coordenadora do CRP-RJ Subsede Baixada Fluminense, agradeceu a acolhida e mobilização do evento, pontuando que temas como esse, da Diversidade Sexual e Expressão de Gênero, precisam ser amplamente debatidos com psicólogos que estão na ponta atendendo nos equipamentos do SUAS, SUS, EDUCAÇÃO, dentre outros.
A coordenadora pedagógica da Escola, a Profa. Fernanda Vaz dos Santos Colaro, deu as boas-vindas ao CRP-RJ e ao público presente e se colocou à disposição para futuras parcerias. O Subsecretário de Assistência Social Fernandes Moraes, representando a prefeitura de Mesquita, e se disse feliz com a escolha do município ressaltando a importância do evento e a pertinência do tema, além de declarar que Mesquita está de portas abertas para futuros debates.
Abrindo as falas, Tiago Santos (CRP 05/47737), psicólogo, gay, militante em HIV/AIDS, Diversidade Sexual e Agricultura Camponesa, argumentou que, em uma sociedade machista e falocêntrica (“culto ao pênis”), tudo o que é entendido como feminino sofre opressão. “Muitas vezes de modo sutil, através de expressões populares como ‘homem não chora’ e ‘isto é coisa de mulherzinha’”, disse. Utilizando dados do Ministério da Saúde, complementou: “Os homens se matam mais que as mulheres por usarem métodos mais fatais na tentativa de suicídio, visto que o fato de permanecerem vivos os colocaria em situação de ‘fragilidade’. E ser frágil é coisa de mulherzinha! Assim, o machismo, com suas ‘amolações de facas’, mata até os homens”.
Em seguida, Maiara Fafini(CRP 05/43721), psicóloga e colaboradora do CRP-RJ, fez uma correlação entre a música de Chico Buarque “Geni e o Zepelim” – de 1978, anos da Ditadura Militar – com o golpe jurídico-político-midiático que vivemos hoje. Alertou ainda que o debate sobre a violência contra a mulher não pode se separar da situação político-econômica atual.
“O discurso de mulher ‘bela, recatada e do lar’ como o modelo ideal de mulher, ou a ideia de que a única importância da mulher é na economia doméstica, pode levar a um retrocesso conservador que vai contra todo protagonismo da mulher nos mais diversos setores da sociedade”. Ressaltou também o perigo do ajuste fiscal, que tem por objetivo retirar direitos das trabalhadoras/es: precarização da previdência, terceirização generalizada e cortes na saúde e na educação durante vinte anos, por exemplo, além do desmonte de grandes empresas brasileiras de óleo, gás, construção civil e setor alimentício.
É preciso combater os tradicionais amoladores de faca, mas sem os delírios de guerra que contaminam os donos do poder, acrescentou Maiara. “Um combate necessário, mas sempre acompanhado da nova doçura. Como a dormência das sementes, o curso dos rios e o ir-e-vir das ondas no mar: movimentos necessários e ativos, mas que possuem seu próprio ritmo, que obedecem a uma outra lógica que não a do ‘desenvolvimentismo’ ou do mando positivista da ‘ordem e progresso’. Obedecem a uma lógica com seu próprio tempo”, concluiu.
Por último, Carolina Motta, (CRP 05/43388), psicóloga, especialista em Gênero e Sexualidade CLAM/UERJ, mestranda em Psicologia/UFF, problematizou porque é engraçado para parte da população chamar alguém com termos pejorativos relativos à orientação sexual e expressão de gênero? “O que isso quer dizer da pessoa a quem nos referimos? O que a orientação sexual e expressão de gênero dizem sobre as pessoas? Os termos pejorativos sobre a questão da sexualidade e gênero só se tornam instrumentos de ofensa porque carregam em si vários sentidos que foram construídos socialmente”, criticou.
Esses temas, segundo ela, são verdadeiros amoladores de faca pois reforçam essas ideias como uma marca da alma das pessoas. Ela citou exemplos apontados pelo filósofo Michael Foucault, em A História da Sexualidade, sobre a sodomia, que remetem a esses estigmas. “Desse modo a sexualidade e a expressão de gênero antecede pessoas lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais, de modo pejorativo, criando uma hierarquia social de vidas, por causa do estigma a partir da orientação sexual e expressão de gênero. A experiência de pessoas LGBT são únicas, porque somos múltiplos e nenhuma ciência ou religião é maior do que a experiência singular de cada vida. Em mais de quatro anos atuando como psicóloga nessa área criei uma profunda admiração pela diversidade humana, e por todos aqueles que marginalizados na nossa sociedade conseguem apesar de tudo afirmar a vida”, finalizou.
O debate foi aberto ao público para ampliar a participação. Numa sociedade altamente machista/patriarcal, aquele que foge ao estereótipo do machão já é visto como ruim, criticou o participante Lazzaro. Por isso muitos homens subjugam as mulheres como “sexo frágil” ou seres inferiores, criticou. “Ao contrário, vemos os gays que não são mulheres e fogem do que acreditam ser o padrão de vida e comportamento. Precisamos reagir em meio a isso tudo. Infelizmente, sempre precisaremos seguir um padrão para sermos aceitos e aceitas. Uma das grandes trincheiras no meio LGBT é a clandestinidade que faz com que gays procurem seus guetos em busca de sexo, muitas vezes sem segurança”, disse.
Para a psicóloga conselheira Viviane Martins (CRP 05/32170), integrante da Comissão Gestora do CRP-RJ Subsede Baixada, o assunto diversidade sexual ainda é carregado de discriminação e retaliações. “A começar, dentro da própria família, que ainda hoje expulsa seus filhos de casa por expressar o diferente do dito ‘padrão da sociedade’ em sua sexualidade. A igreja, pode também reprimir e muitas delas também excluem a diversidade. Continuando nas escolas, um campo de sofrimento e ‘bullying’ para a criança ou adolescente. Também muitos dos educadoresreproduzem a opressão da família, da igreja e da sociedade, no trato à diversidade sexual”, afirmou.
O teórico médico alemão, Wilhelm Reich, no livro “A Função do Orgasmo”, que aborda os “Problemas econômico-sexuais da energia biológica”, foi lembrado por Vanda Vasconcelos, CRP05/6065, colaboradora do CRP-RJ na Comissão Gestora da Subsede. “Um dos motivos para o adoecimento da sociedade é a repressão à sexualidade, seja ela heteroou homossexual. Em particular a repressão para com a sexualidade das mulheres, historicamente oprimidas pela sociedade machista e patriarcal. Sendo esse um dos motivos que Reich denomina propagação da ‘peste emocional’ na sociedade ao longo dos anos, devendo ser combatida em todos os espaços de convivência”, disse.
Ocorreram diversas falas retratando vivências permeadas de exclusão, repressão e retaliações relacionadas ao tema do evento. A expectativa é que mais eventos com a temática Diversidade Sexual e Expressões de Gênero ocorram com o mesmo sucesso na região para retirar o assunto da invisibilidade e resistir aos atuais desmontes nos direitos sociais.
As coberturas das atividades desenvolvidas pelo CRP-RJ na Baixada estão disponíveis em nosso site pelo link: www.crprj.org.br/site/category/baixada/.