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“A rua é um analisador da gente”, diz psicólogo no I Seminário de Psicologia e Políticas Públicas da Região Serrana


Data de Publicação: 16 de agosto de 2016


A partir da questão “Loucos: libertos ou violadores de direitos?”, tema da segunda mesa do evento, psicólogos abordam a atuação do psicólogo nas políticas públicas voltadas à população de rua e à Saúde Mental

 

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Os psicólogos Pedro Almeia, Érica Victório e Iacã Macerata, na mesa de debates “Loucos: libertos ou violadores de direitos?”

 

A segunda mesa temática do I Seminário de Psicologia e Políticas Públicas da Região Serrana encerrou a manhã do dia 30 de julho com debate sobre a questão “Loucos: libertos ou violadores de direitos?”, com palestras dos psicólogos Iacã Macerata, professor no curso de Psicologia da UFF de Rio das Ostras, e Érica Victório, coordenadora municipal de Saúde Mental do município de Carmo e mediação de Pedro Almeida, psicólogo, mestrando em Psicologia e Exclusão Social (UFF) e conselheiro no Conselho Municipal de Políticas Sobre Drogas em Petrópolis.

“A experiência do público tem a ver com a experiência coletiva que diz respeito à experiência concreta das pessoas”, disse Macerata, primeiro a palestrar. “A política pública só existe quando acontece. Ela não está no texto constitucional, não está na política de governo que alguma equipe de gestão fez. Ela existe quando está a serviço do público, e aí entendendo o público como uma instância descentralizada, mas que diz respeito à experiência de qualquer um. O público é essa instância inespecífica que diz respeito a todos nós, mas não especificamente a ninguém”, explicou.

Tendo atuado na política de Assistência Social e na política de Saúde voltada para pessoas em situação de rua, o psicólogo fez uma fala abrangente, mas voltou-se de forma mais enfática para questões relacionadas ao tema. Para ele, “a rua é um analisador da gente”.

São muitos os fatores que levam pessoas a irem para as ruas, e que não se trata de algo pontual, mas um “emaranhado de situações” que podem “fazer com que não seja mais suportável estar num lugar”, segundo Macerata, que também é doutor em Estudos da Subjetividade com ênfase em Clínica e Subjetividade pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e professor adjunto no curso de Psicologia da UFF de Rio das Ostras.

“Todos aqueles que perderam seus territórios, seus códigos, seus lugares sociais constituídos, acabam indo para a rua, a rua como um lugar de acolhimento universal, um lugar do exilado, um ‘fora’ [que é] dentro da cidade”, definiu ele, destacando que não se referia a “uma escolha”, mas a “algo que efetivamente acontece”.

O profissional de psicologia, segundo Macerata, está acostumado a olhar para a rua, “lugar que parece inabitável” – que ele chamou de “a terceira margem”, numa alusão à obra homônima de Guimarães Rosa – como “o lugar de sujeitos a quem falta algo”. “Isso casa com as internações, com as situações de sequestro de pessoas que moram nas ruas do Rio de Janeiro, que não vêm com o discurso de ‘limpar a cidade’, mas com o discurso do cuidado. O cuidado está sempre ligado ao problema do controle”, explana.

Ele defende que a dificuldade está em perceber que, na pessoa em situação de rua, “não falta nada, existe uma outra configuração” – e este é um outro sentido no qual “a psicologia está sendo chamada a atuar”.

O processo de desinstitucionalização da Saúde Mental em Carmo

Em sua apresentação, a psicóloga Érica Victório, especialista em Saúde Mental com Residência pela Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca da Fundação Oswaldo Cruz (ENSP/FIOCRUZ), abordou a política de Saúde Mental do município de Carmo (na Região Serrana do estado), da qual é coordenadora.

Ela introduziu sua palestra com a exibição de uma vídeo-reportagem sobre a situação do município, que é referência nacional na desinstitucionalização da Saúde Mental, traçando, em seguida, um histórico do processo. “Em 2001, o Teixeira Brandão recebeu uma visita técnica da Secretaria Estadual de Saúde para avaliar as condições técnicas e assistenciais, que, claro, se mostraram totalmente inadequadas, sendo necessária intervenção da gerência de Saúde Mental do estado”, introduziu.

“Realizou-se o senso clínico, constataram que a maior parte dos pacientes já não tinha mais referência familiar. Foi criado então o Conselho Técnico Administrativo, com a função de coordenar, supervisionar e fiscalizar o andamento do processo de reestruturação do Teixeira Brandão”, continuou.

Como o lugar era uma antiga fazenda de café, mantinha a estrutura de Casa Grande, distante dos pavilhões onde ficavam as enfermarias, segundo Victório, que mostrou fotos do local que era chamado de remonta, porque outrora servia como remonta da cavalaria – “as enfermarias realmente parecem baias”, disse, “bastante isoladas do resto da fazenda, o que me remete ao período escravocrata”. Cercado de muros altos, “como uma fortaleza”, a unidade chegou a abrigar 400 pessoas.

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Érica Victório, coordenadora municipal de Saúde Mental do município de Carmo

Mas o Conselho Técnico Administrativo durou apenas oito meses, sendo nomeado, pela Secretaria Estadual, um colegiado gestor, constituído por dez pessoas do estado, com as mesmas funções que deveria ter a cogestão entre estado e município. “Muito pouco se avançou, o trabalho ainda era muito interno no hospício, mas a relação no município ainda era muito dura. Em 2002, aí, sim, com a intervenção do Ministério Público, que abriu uma ação cível pública e construiu o termo de ajustamento de conduta, e aí, sim, começou-se a avançar nesse trabalho de cogestão entre o estado e o município”, relatou.

O Ministério Público, então, notificou a Secretaria Estadual de Saúde e a Prefeitura do Carmo a fazer o plano de reorientação da assistência dos pacientes do Hospital Teixeira Brandão – por isso, a psicóloga ressalta que a desinstitucionalização só foi possível após intervenção do Ministério Público. Em junho de 2003, a unidade foi descredenciada do Sistema Único de Saúde (SUS), dando início efetivamente ao processo de desinstitucionalização da Saúde Mental em Carmo. Encontravam-se internados, naquele período, 176 pacientes do sexo masculino.

Em 2004, foram implantadas as primeiras sete residências terapêuticas. Victório conta que houve diversos desafios no início – tentativas de interromper-se o processo, “vizinhança que cortava a água da residência terapêutica” e outros desgastes, afirmou a psicóloga. “Mas tinha o trabalhador de Saúde Mental à frente, tentando trabalhar todos esses embates”, completou.

“A implantação de 25 residências terapêuticas se deu ao longo de oito anos. Somente em 2012 nós conseguimos retirar as duas últimas residências terapêuticas que estavam dentro do território do hospício para a cidade. Hoje nós temos 21 residências terapêuticas, porque, ao longo desses anos, algumas pessoas foram morrendo, por serem pacientes já idosos, que ficaram, em média, 30 anos hospitalizados, e com doenças crônicas”, contou.

Em 2013, foi implantado o Núcleo Estadual de Saúde Mental, com o objetivo de substituir o Hospital Estadual Teixeira Brandão, sendo um núcleo de formação e capacitação. “Estamos desinstitucionalizando 35 pacientes do extinto hospital de Vargem Alegre, que hoje estão aqui, na Casa de Saúde Santa Mônica. Já inserimos 15 deles em residências terapêuticas, mais um está indo”, contou.

“Não que o Carmo esteja de portas abertas. Nós não queremos ser ‘a cidade dos loucos’; os loucos têm que estar em qualquer lugar, em qualquer território. Mas esses 35 pacientes foram para a Casa de Saúde Santa Mônica e, como é uma dívida do estado, e essas pessoas não têm mais residência familiar, o Carmo, junto com o estado, pôde negociar isso e abrir as portas para essas pessoas, uma vez que as condições de vida deles dentro do hospício não são nada dignas. Então estamos buscando dignidade para eles”, explicou, ela, ressaltando a importância de os pacientes terem “a chave de casa”.



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