O último debate do XI Seminário Regional de Psicologia e Direitos Humanos, que ocupou o auditório do CREMERJ, em Botafogo, no dia 29 de julho, foi a roda de conversa “Embates cotidianos e práticas de cuidado: possibilidades de intervenção”, mediada pela conselheira do CRP-RJ Andris Cardoso Tibúrcio (CRP 05/17427).
Os palestrantes foram Fabiane Vieira (CRP 05/28527), psicóloga no Centro de Promoção da Liberdade Religiosa, Carlos Vinicius Gomes de Melo, mestre em Psicologia pela Universidade Federal da Bahia e especialista em Psicoterapia Analítica pelo Instituto Junguiano da Bahia, Jaqueline Gomes de Jesus, professora de Psicologia do Instituto Federal do Rio de Janeiro (IFRJ), e Maria da Conceição Nascimento (CRP 05/26929), coordenadora do Eixo Psicologia e Diversidade Étnico-Racial da Comissão Regional de Direitos Humanos do CRP-RJ.
Jaqueline trouxe suas reflexões sobre xenofobia e a questão da intolerância à diversidade. Para tanto, ressaltou o significado de diversidade, que muitas vezes passa despercebido no senso comum.
“Diversidade é um conjunto de relações interpessoais e intergrupais, explícitas ou implícitas, em determinado sistema social, que são intermediadas pela relação entre as identidades sociais e a dominância, em relações de poder. A diversidade é um componente fundamental da identidade das pessoas: sabemos quem somos porque há pessoas diferentes de nós”, explicou.
“A questão dos estereótipos também é muito forte em nossa sociedade. Uma criança negra não inspira os mesmos cuidados e não possui a mesma representação que uma criança branca. Além disso, somos uma sociedade adultocêntrica, isto é, o ser humano ideal é adulto, homem, branco. Crianças, idosos, mulheres e negros estão fora desse ideal e sofrem a força do estereótipo”, analisou a professora do IFRJ.
Carlos Vinicius apresentou uma extensa pesquisa, da qual faz parte, sobre pessoas negras com deficiência. Segundo ele, a pesquisa trouxe amplo conhecimento sobre a dupla estigmatização que as pessoas negras com deficiência sofrem em nossa sociedade.
“Pessoas negras e com deficiência sofrem um duplo estigma, já que a aparência física tem papel preponderante na formação de estereótipos e estigmatizações. Percebemos pelos dados da pesquisa que a pobreza também é um grande motivador de vulnerabilidade na saúde, o que acaba por gerar um círculo vicioso, que resulta em deficiência muitas vezes. Não é por acaso que cerca de 70% dos deficientes estão em condições de pobreza”, explicou.
Ainda segundo ele, o principal objetivo dessa pesquisa foi “identificar as estratégias de enfrentamento que essas pessoas desenvolveram diante dessa dupla estigmatização: como esse público acredita que é percebido pela sociedade e como lida com a baixa autoestima que fica muito evidenciada e que pode, inclusive, levar à depressão”.
Fabiane centrou sua fala na questão da intolerância religiosa, traçando um cenário de como o princípio da laicidade é tratado no Brasil. “Temos uma lei que criminaliza o racismo e a intolerância religiosa e é interessante notar que existe ainda um racismo religioso, já que as religiões mais atacadas são as de matrizes africanas. E agora temos ainda um crescimento de casos de intolerância contra mulçumanos”, explicou.
“O fenômeno religioso é muito importante na formação da cultura brasileira e não pode ser negado. Por isso mesmo, o nosso trabalho, como psicólogos, deve ser sempre pautado no respeito aos Direitos Humanos para garantir uma prática eticamente embasada”, concluiu a psicóloga.
Maria da Conceição falou sobre racismo e seus efeitos na Saúde Mental dos sujeitos. “O Brasil é a maior população negra fora da África e ainda sofremos absurdamente com o racismo. Temos que refletir sobre os efeitos e atravessamentos que o racismo e suas práticas trazem para a vida de uma pessoa negra”.
“O silêncio e a negação do racismo no Brasil só mantêm e favorecem a desigualdade social que, aqui, tem viés racial”, defendeu Conceição. “Viver as situações de humilhação às quais uma pessoa negra é comumente exposta traz o sentimento de menos-valia. Nós, da Psicologia, temos que compreender e estudar esses mecanismos para lidar com os indivíduos adoecidos por essas práticas”.
Por fim, Andris, a mediadora da mesa, alertou para os altos índices de morte e violência contra a população negra no país. “Nós não somos todos iguais, não somos tratados de forma igual. Nós, negros, somos corpos matáveis, corpos que, se sumirem, ninguém se importa. Não podemos mais aceitar esse tipo de mentalidade”, criticou.