auto_awesome

Noticias






“‘Escola sem partido’ ou educação sem liberdade?”, questionam professores em audiência sobre PL


Data de Publicação: 5 de julho de 2016


Na última quinta-feira (30/06), a Câmara Municipal do Rio de Janeiro, na Cinelândia, ficou lotada de professores, estudantes, profissionais da área de educação e outros interessados em debater o Projeto de Lei “Escola Sem Partido” (PL 867/2014), em audiência pública sobre o tema, convocada pela Comissão Especial de Políticas Públicas para Juventude da Câmara, presidida pelo vereador Reimont (PT).

Proposto pelo vereador Carlos Bolsonaro (PSC), o projeto foi colocado para votação em 2014 na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (ALERJ) e na Câmara Municipal dos Vereadores. Em 2015, parecer contrário ao PL foi emitido pela Comissão de Defesa dos Direitos Humanos da Câmara, presidida pelo vereador Jefferson Moura. “A escola é justamente o espaço adequado para o aluno conhecer e discutir diferentes posições, convicções, pensamentos e ideologias”, diz o documento.

“’Escola sem partido’ ou educação sem liberdade?”, questionou a psicóloga Giovanna Marafon (CRP 05/30781), professora da Faculdade de Educação da Baixada Fluminense (FEBF) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), enquanto discursava, ao lado de outros professores, na mesa em que o PL foi duramente criticado na audiência. A pergunta feita por Marafon é o título de um documento elaborado por um grupo de professores da UERJ que tem se mobilizado fortemente contra o referido PL, que pode ser lido aqui.

escola sem partido 1

Foto: Mirian Golçalves

Segundo a docente, a intenção do PL “Escola sem partido” é “neutralizar algumas forças políticas em detrimento de outras, neutralizar forças contestatórias, críticas, fruto de pesquisas e discussões contemporâneas em ciências humanas e sociais, nos estudos de gênero e sexualidade, de raça e etnia”, e para isso o mesmo “alega que tais discussões são privativas de algum partido político, ou seja, de quem se filia de modo partidário a alguma luta ou questão”.

“Discutir gêneros e sexualidades não tem como condição estar vinculado a um partido! Discutir gêneros nas escolas hoje é algo que acontece nas salas de aula, nos pátios, nas reuniões, onde as pessoas estão, onde as diferenças aparecem. Diferenças essas explicitadas por uma sociedade que produz desigualdade de gênero, violência contra a diversidade sexual, preconceitos, misoginia e LGBTIfobia”, explica Marafon,

“Apesar de mencionar a palavra ‘liberdade’ treze vezes, o PL ‘Escola sem partido’ é uma afronta à liberdade na escola e uma evidente tentativa de cercear o fazer docente no cotidiano escolar”, critica ela. “O PL localiza o entendimento de liberdade apenas no polo de quem aprende, como se estudantes fossem passivos diante de educadores que lhes ensinam. E, ainda, como se o aprender fosse contrário ao ensinar. Assim, professoras e professores não mais teriam liberdade de ensinar ou discutir algo que possa trazer questões à ‘educação moral’ dada pelas famílias”, completa.

PL viola diretrizes básicas do Plano Nacional de Educação, diz advogado

De acordo com o advogado Victor Comeira (OAB-RJ), o PL “é claramente inconstitucional porque a própria constituição prevê que a Educação tem que ser conduzida de forma a promover a cidadania, o respeito à diversidade, e a essência do PL ‘Escola Sem Partido’ vai totalmente contra isso”.

Ele afirma que o PL desrespeita diretrizes básicas do Plano Nacional de Educação, tais como: a “superação das desigualdades educacionais, com ênfase na promoção da cidadania e na erradicação de todas as formas de discriminação” (III); “formação para o trabalho e para a cidadania, com ênfase nos valores morais e éticos em que se fundamenta a sociedade” (V); “promoção humanística, científica, cultural e tecnológica do País” (VII) e “promoção dos princípios do respeito aos direitos humanos, à diversidade e à sustentabilidade socioambiental” (X).

Ao analisar alguns dos pontos que considera mais críticos no PL, em entrevista ao CRP-RJ, o advogado começa já pelo artigo 1º, que, em seu inciso VI, coloca que os pais teriam o “direito a que seus filhos menores não recebam a educação moral que venha a conflitar com suas próprias convicções”. Vê-se aí, segundo o advogado, “o desconhecimento total, de quem propõe o projeto, com relação à Educação, até por uma questão prática”

“Como ter uma aula montada, registrada, de acordo com a educação moral dos pais de cada aluno? É extremamente impraticável, além de que a Educação deve buscar o debate plural, e não a segregação. Com uma postura como essa, a gente vê talvez até a possibilidade de se criar nas escolas uma segregação de turmas por convicção moral. Ou seja, em vez de trazer a cidadania, o respeito às diferenças, aos valores diferentes, é o contrário: estaria se semeando a segregação”, critica.

“Profissionais de Psicologia têm um desafio enorme para construir referências de atuação que não sejam preconceituosas e discriminatórias”, diz psicóloga, em entrevista ao CRP-RJ

CRP-RJ: Qual a responsabilidade das (os) profissionais de Psicologia diante dessa questão?

escola sem partido 2

Foto: Mirian Golçalves

Giovanna Marafon: Uma forte responsabilidade que se coloca para a Psicologia é pensar as relações e os jogos de poder que se dão na política e nas instituições, concorrendo para a produção de subjetividades e modos de viver. A Psicologia comprometida com a afirmação dos Direitos Humanos e atenta ao seu compromisso social precisa observar as engrenagens produtoras de sofrimento psicossocial. Deparamo-nos cotidianamente com vários processos de exclusão social, muitas vezes interligados, tais como: sexismo, racismo, capacitismo, desigualdade de gênero, discriminação às orientações sexuais que divergem da heteronormatividade, transfobia. Os profissionais de Psicologia têm um desafio enorme para construir referências de atuação que não sejam preconceituosas e discriminatórias, agindo com ética para ultrapassar processos de assujeitamento e, nesse sentido, é necessário lutar por direitos fundamentais para todas/todos e qualquer um/a. Isso inclui debater e criticar o projeto “Escola sem partido”, que tenta se instalar no cotidiano escolar, onde também muitos profissionais da Psicologia atuam. Promover discussões, resistir para que esse projeto não seja aprovado, pois ele representa um grande retrocesso, o caminho para uma formação autoritária e sem liberdade. Contribuir com os estudos de psicologia e relações de gênero e com as reflexões que esse campo de pesquisa e atuação profissional, especialmente junto às políticas públicas, tem aportado nos últimos anos. Há, ainda, muito a ser feito!



escola-sem-partido-2-225x300.jpg
escola-sem-partido-300x225.jpg