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Nota da Comissão Regional de Direitos Humanos do CRP-RJ sobre o Dia Internacional do Orgulho LGBT


Data de Publicação: 28 de junho de 2015


O CRP-RJ vem neste dia 28 de junho de 2015 relembrar e reconhecer as lutas de todas as pessoas LGBT na conquista e garantia de sua visibilidade, cidadania e direitos.

A data que comemoramos e visibilizamos nesse mês relembra os 46 anos de articulação política organizada por pessoas que foram e são perseguidas por causa das suas vivências e práticas diversas no que diz respeito à orientação sexual e à identidade de gênero. No dia 28 de junho 1969, conflitos violentos entre a polícia e pessoas lésbicas, gays, bissexuais e transgêneras se iniciaram na cidade de Nova Iorque (EUA), no bar Stonewall Inn e nas ruas vizinhas, durando vários dias. Esses eventos, nomeados de “Rebelião de Stonewall”, serviram de catalisadores para os movimentos modernos em defesa dos direitos sociais e civis LGBT, pois foi a primeira vez em que um grande número de pessoas LGBT se juntaram para resistir às opressões sociais e aos maus tratos da polícia. A partir dessa data, um movimento civil organizado foi crescendo em vários países e regiões, e o movimento LGBT consolidou sua representatividade na luta por igualdade e liberdade individuais e pela garantia de direitos sociais e civis.

A diversidade sexual e de gênero é muita vezes vista de forma negativa por representar práticas, vivências e performances sexuais e de gênero diferentes dos padrões heterossexual e cisgênero (nota 1) dominantes e estabelecidos como norma. Tal visão negativista levou à produção de saberes e práticas profissionais e institucionais que tinham por finalidade controlar, submeter e extinguir essas vivências definidas como deploráveis e pervertidas. Órgãos de representatividade da saúde que delimitavam e instituíam as condições sobre saúde e doença (como é o caso dos manuais DSM, elaborado pela American Psychiatric Association – APA, e o CID – elaborado pela OMS Organização Mundial de Saúde – OMS), categorizaram essas vivências como sendo doenças, patologias que precisavam ser tratadas. Essa realidade levou a discursos de negação, opressão e supressão da diversidade humana e da capacidade constante que a vida possui de se diferenciar e se pluralizar.

A partir de muitas lutas diante dessa realidade, o movimento LGBT conquistou muitos avanços. Hoje em dia, podemos ver demonstrações de afeto por pessoas LGBT, seja na rua, na mídia, nas telenovelas, em campanhas publicitárias. Embora essas iniciativas não garantam direitos elas dão visibilidade a esse grupo e mostram que a diversidade sexual está cada vez mais reconhecida e assumida na nossa sociedade, mesmo que ainda com muitas ressalvas. No âmbito dos direitos, podemos citar como avanços o uso do Nome Social por pessoas travestis e transexuais em escolas, faculdades e na administração pública; o casamento entre pessoas do mesmo sexo (nota 2); e a adoção de crianças. Essas ações, por mais incipientes que ainda sejam, são frutos desse combate do movimento social e de pessoas engajadas nessa luta.

No contexto brasileiro, infelizmente temos vivenciado alguns retrocessos com a assunção nos últimos anos de partidos políticos conservadores, fundamentalistas e reacionários, com propostas duvidosas e questionáveis quanto à laicidade do Estado, e com iniciativas de cunho segregador e que destituem direitos até então conquistados pelas pessoas LGBT. Na Nota “Onda de Conservadorismo e Violência Institucionalizada 30 Anos Após o Término da Ditadura Militar” o CRP-RJ já havia se posicionado sobre atitudes de caráter fundamentalista que têm se espalhado pelo país, e que também ameaçam e retiram conquistas no campo da diversidade sexual e de gênero. Para citar apenas alguns exemplos, em 2011 tivemos a retirada do material educativo para combate à LGBTfobia das escolas do país; a diminuição de campanhas preventivas contra a AIDS e o consequente aumento da incidência de HIV em jovens gays – campanhas nas quais o Brasil já foi modelo e referência internacional – e o retorno do perigoso “vírus ideológico” do estigma, preconceito e discriminação que retomou conceitos ultrapassados, como o de “grupos de riscos”, que há muito já tinham dado lugar a novas formas de entendimento e trato com essa questão. Um exemplo mais recente de retrocesso foi a retirada do termo gênero dos currículos escolares, como forma de acabar de maneira radical qualquer discussão sobre esse tema nas escolas (clique aqui para ler o “Manifesto pela igualdade de gênero na educação: por uma escola democrática, inclusiva e sem censuras”, do qual a CRDH do CRP/RJ também é signatária).

Uma dessas ameaças se dirige especificamente à Psicologia brasileira: é a do insistente empenho em se curar o que não é doença, como é o caso das reiteradas ameaças à anulação da Resolução CFP 001/99 – que “Estabelece normas de atuação para os psicólogos em relação à questão da Orientação Sexual”, na tentativa de se utilizar do saber psicológico para corroborar uma prática não científica, classificatória e extremamente preconceituosa e discriminatória, a chamada “cura gay”.

A intolerância com as questões das diversidades sexual e de gênero bebem na fonte comum de outras intolerâncias, como temos visto recentemente na agressão a seguidoras/es de religiões não hegemônicas e na campanha massiva para a redução da maioridade penal. Essa fonte comum tem por objetivo a gestão do desejo e do querer; a produção de normalidades, de patologização da diversidade da vida e o cerceamento das liberdades individuais e coletivas básicas a qualquer cidadã(o).

Nessa conjuntura, a atuação da(o) psicóloga(o) é fundamental para a diminuição dos preconceitos, estigmas, redução de discriminações, opressões e exclusões sofridas pelas pessoas LGBT. Como ressalta nosso Código de Ética Profissional, a(o) psicóloga(o) deve ter uma relação com a sociedade, a profissão, as entidades profissionais e a ciência, de modo a demandar contínua reflexão sobre o contexto social e institucional que vivenciamos diante dessa realidade. Cabe também à(ao) psicóloga(o) abrir espaço para a discussão dos limites e interseções relativos aos direitos individuais e coletivos, assim como estimular reflexões que considerem a profissão como um todo e não em suas práticas particulares; a(o) psicóloga(o) tem em seu trabalho e atuação um dever e compromisso éticos com a promoção, garantia e defesa dos direitos e liberdades individuais, da dignidade, da igualdade e da integridade do ser humano, apoiada(o) nos valores que embasam a Declaração Universal dos Direitos Humanos; deve também trabalhar visando a promoção da saúde e a qualidade de vida das pessoas e das coletividades, contribuindo para a eliminação de quaisquer formas de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, atuando assim com responsabilidade social, analisando crítica e historicamente a realidade política, econômica, social e cultural, considerando as relações de poder nos contextos em que atua e os impactos dessas relações sobre as suas atividades profissionais, posicionando-se de forma crítica.

Temos em nossa profissão a possibilidade de atuação enquanto agentes sociais e podemos ver e nos posicionar de maneira crítica diante desses fatos e atuarmos de modo a colaborar com a mudança dessa realidade para promover todas as formas múltiplas e plurais de existência, garantindo sua plena vivência e suas garantias básicas de igualdade e equidade no convívio em nossa sociedade.

 

Nota 1 – Cisgênera: pessoa cuja identidade de gênero (homem ou mulher) é determinada a partir do sexo biológico de seu nascimento, de modo a definir uma conduta individual e coletiva específica de um papel e performance de gênero (ações, atividades, lugares e não-lugares, formas de ser homem e mulher) impostos por normas heterocentradas, que designam especificidades de ser e existir para todas as pessoas em nossa sociedade. Já as pessoas que transgridem, transvertem e transbordam essa norma são consideradas transgêneras (travestis, mulheres e homens transexuais, e pessoas que não se colocam nem se definem em nenhuma dessas identidades, e/ou gêneros, e /ou denominações etc.)

Nota 2 – O reconhecimento de casamento entre pessoas do mesmo sexo no Brasil como entidade familiar foi declarado possível pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 5 de maio de 2011, proposta pela Procuradoria Geral da República, assim como pela Resolução nº 175, de 14 de maio de 2013, do Conselho Nacional de Justiça, que obriga os cartórios a realizarem a cerimônia. No Estado do Rio de Janeiro, dentre outros, todo ano é realizado um grande casamento coletivo pela parceria do programa estadual Rio Sem Homofobia com o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.

 

Junho de 2015