17 e 18 de maio – respectivamente, o Dia Nacional de Combate à Homofobia, Lesbofobia, Transfobia e Bifobia e o Dia Nacional da Luta Antimanicomial – marcam pugnas importantes e, lamentavelmente, ainda necessárias, mesmo na segunda década do terceiro milênio. Ameaças, agressões e espancamentos de pessoas LGBTs têm ocorrido em locais públicos, em bares e restaurantes para intimidar e coibir a presença e a livre expressão de afeto dessa população. Os avanços conseguidos pela Reforma Psiquiátrica correm sérios riscos de retrocesso com a regulamentação das Comunidades Terapêuticas, estabelecida fora do âmbito e das diretrizes do Ministério da Saúde.
Trinta anos depois do término do arbítrio, estamos vendo ressurgir, mesmo dentro de um regime supostamente democrático, uma onda de conservadorismo, violência institucionalizada e intolerância para com alguns grupos. A proposta de redução da maioridade penal e a anunciada revisão do chamado estatuto do desarmamento são graves indicativos do momento retrógrado em que vivemos.
No primeiro dia de abril, o CRP-RJ apoiou e participou de mais uma edição da Medalha Chico Mendes de Resistência, outorgada pelo Grupo Tortura Nunca Mais – RJ para descomemorar a instalação de um dos períodos mais reacionários e violentos do país – a ditadura civil-militar (1964 – 1985) e premiar os resistentes do passado e do presente.
No mês de março, em duas notas publicadas (clique aqui e veja a íntegra da nota 1 e da nota 2), o Conselho posicionou-se sobre a violência do Estado contra a população negra e moradora das comunidades precarizadas pela negligência do poder público. Quem mora nesses espaços ocupados militarmente, longe de experimentar as prerrogativas de um Estado Democrático de Direitos e a prometida pacificação, vive o pesadelo de um quase Estado de exceção. Posteriormente, o assassinato de um jovem de 10 anos, morador do Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, mostrou o recrudescimento da violência patrocinada pelo Estado.
Fora dos espaços “guetificados” pelo Estado, e embora de forma não-militarizada, a violência institucionalizada também se faz presente em uma série de ameaças às históricas conquistas e às Políticas Públicas vigentes – como as tentativas atuais de continuidade do desmonte da educação e da saúde públicas e a precarização dos vínculos com consequente diminuição dos direitos trabalhistas já conquistados – como as propostas em curso na Câmara de terceirização em massa.
Igualmente preocupante é a produção de polarização da sociedade brasileira em eixos antagônicos, com a difusão de opiniões simplistas e frouxamente fundamentadas sobre temas complexos, orquestrada por certos setores majoritários politicamente e amplificadas pela grande mídia, criando um cenário propício para a propagação de um fundamentalismo que, se instalado, poderia romper de vez a já fina camada de democracia, em lugar da esperada continuidade e aperfeiçoamento do processo de redemocratização de nosso país. Inexoravelmente, tal funesto panorama levaria ao aumento da intolerância com pessoas e grupos minorizados politicamente – com recrudescimento das velhas (e produção de novas) exclusões e marginalizações econômico-sociais e políticas. Como exemplos, podemos citar o anteprojeto de lei que visa tornar crime hediondo a transmissão do HIV – podendo vir a criminalizar as pessoas portadoras do vírus (veja a Nota do Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS-UNAIDS) –, os ataques e destruição de espaços tradicionais das religiões de matriz africana e indígena – o que ameaça o Estado laico no qual todas as pessoas podem se manifestar livremente conforme suas crenças ou não crenças, e disseminação de grupos paramilitares, “justiceiros” e até grupos de extermínio (veja a Nota do CRP RJ sobre o assunto).
É nesse cenário complexo e preocupante que o fazer da(o) psicóloga(o) e a formação das(os) estudantes de Psicologia se encontram imersos. Assim, sabedores de que nossa atuação nunca é neutra politicamente, ressaltamos a importância da psicologia e de nossa atuação, como profissionais de saúde mental, no cuidado de si e do outro. Profissionais e estudantes de psicologia – enquanto atores e agentes sociais – podem colaborar para o debate crítico de tais injustiças e contribuir para promover a saúde mental das vítimas sociais dessas marginalizações.
Como preconizam os Princípios Básicos de nosso Código de Ética: “a(o) psicóloga(o) contribuirá para a eliminação de quaisquer formas de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão e baseará seu trabalho no respeito e na promoção da liberdade, da dignidade, da igualdade e da integridade do ser humano, apoiado nos valores que embasam a Declaração Universal dos Direitos Humanos.”
Maio de 2015