“Psicologia e Relações Raciais” foi o tema do 46º Cine Psi Baixada, que aconteceu no dia 28 de abril na Subsede do CRP-RJ em Nova Iguaçu com participação de profissionais e estudantes de Psicologia e de áreas afins.
Iniciando o evento, foram exibidos dois vídeos para instigar o debate. O primeiro foi um trecho de uma gravação do Programa “3 a 1” da TV Brasil, que discutiu o tema “Racismo Enraizado na Sociedade Brasileira” a partir da fala de três especialistas para debater as raízes do preconceito e a situação do negro no Brasil hoje.
O segundo vídeo foi o filme “Xadrez das Cores” (2004), dirigido por Marco Schiavon, que narra a história de uma senhora branca que fica sob a guarda de uma empregada doméstica negra. A idosa não disfarça seu racismo e utiliza o jogo de xadrez para humilhar a empregada, mas é justamente o jogo de xadrez que fará com que as personagens produzam reflexões que mudarão suas vidas.
Ao término dos vídeos, Jacqueline dos Santos Soares (CRP 05/41408), integrante da Comissão Gestora da Subsede Baixada e representante do CRP-RJ no Fórum Municipal dos Direitos da Criança e Adolescente de Duque de Caxias, chamou os debatedores para compor a mesa. Participaram Andris Cardoso Tibúrcio (CRP 05/17427), psicóloga, conselheira-presidente da Comissão de Saúde do CRP-RJ e integrante da Comissão dos Direitos Humanos do CRP-RJ, e Otair Fernandes de Oliveira, doutor em Ciências Sociais, professor na UFRRJ e coordenador do Laboratório de Estudos Afro-Brasileiros da UFRRJ – campus Nova Iguaçu.
Iniciando o debate, Otair pediu que os participantes compartilhassem suas impressões e reflexões sobre os vídeos. Uma psicóloga comentou que a primeira coisa a que os vídeos remeteram foi à questão do racismo muito associado ainda à divisão entre classes sociais. Uma estudante lembrou como o racismo é uma problemática atual, em que, embora muitos avanços tenham sido obtidos nos últimos anos, muito ainda resta para ser conquistado na erradicação desse mal que assola nossa sociedade.
Outra participante lembrou a questão da violência policial e institucional que massacra a população negra em várias esferas. Em seguida, Andris falou sobre a presença do racismo nos serviços de Saúde, onde atua. “É importante entender esse lugar do qual eu falo. E esse lugar não é fácil. Eu sou negra e atuo em serviços de Saúde. Quem está dentro desses serviços vê a diferença de acessos entre a população branca e a população negra”.
“Como profissionais de Psicologia”, acrescentou, “temos um incômodo da indiferença porque percebemos que a população negra ocupa um lugar de invisibilidade em nossa sociedade, principalmente em relação às políticas públicas, que não chegam a essa população. Por isso, pensar a questão da autoestima dos negros, uma população que historicamente tem seus direitos negados, é muito difícil”.
Jacqueline fez uma breve comentário, lembrando que as (os) psicólogas (os), independente de seus espaço de atuação, não podem “promover uma intervenção sem fazer esse recorte racial e histórico”.
Otair, por sua vez, enfatizou que “ninguém nasce racista; nós nos tornamos racistas no processo de socialização, no contato com nossos pares”. Ele destacou também que “Entender o processo sócio-histórico de construção do nosso país é fundamental para compreendermos como o racismo se propaga. A sociedade brasileira é altamente estratificada, desigual e racista e nós somos frutos desse processo”.
“É preciso entender também o que é ser negro nesse país, e essa identidade está altamente ligada a diversos processos de negação e silenciamento. Por isso, digo que a luta contra o racismo é também uma luta contra a ignorância”, finalizou.
Entrevista com Otair Fernandes de Oliveira
Durante o evento, o professor Otair concedeu ao CRP-RJ uma entrevista exclusiva em que falou um pouco mais sobre a situação do negro no Brasil e também sobre o LeAfro, Laboratório de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas da UFRRJ, que coordena.
Veja abaixo os principais trechos da entrevista:
Fale um pouco sobre sua militância e seu trabalho com a Comunidade Negra na Baixada.
Otair: Já fui do Movimento Negro durante a década de 1980 integrando diretamente o movimento com a participação popular para a Constituinte. Hoje, me considero um ativista intelectual, pois, como sou professor universitário, a minha militância está muito focada em nível da universidade através do LeAfro, que é um laboratório com pesquisadores negros e não-negros e tem como objeto de estudo essa questão da problemática ético-racial nas diferentes áreas de conhecimento. Pelo LeAfro, trabalhamos com a divulgação e disseminação de informações que visam a combater o racismo em suas diferentes dimensões e pautar a questão da educação nas relações étnico-raciais na formação principalmente dos professores sob a perspectiva da Lei 10.639, complementada com a Lei nº 11.245, que colocam a obrigatoriedade do ensino da história da África e da cultura afro-brasileira e indígena.
O LeAfro possui uma sede física?
Otair: O Laboratório funciona na sala dos professores do campus de Nova Iguaçu da UFRRJ, que é um campus novo, criado em 2005. Mas, agora, está sendo projetado um prédio para os cursos de pós-graduação e o LeAfro vai ter uma sala nesse prédio. Até porque nós também temos um curso de pós-graduação e atualmente estamos na terceira versão do curso da UniAfro, que é Política de Promoção de Igualdade Racial na Escola e cujo público-alvo são os professores da rede pública da Baixada Fluminense.
Qual a ação mais emblemática do LeAfro que o senhor queira destacar?
Otair: A partir da Lei nº 12.711, conhecida como Lei das Cotas, estamos, em conjunto com outros grupos do Movimento Negro, organizando uma comissão mista para levantar dados e acompanhar os alunos cotistas da UFRRJ de modo que tenham direito não apenas ao acesso à universidade como também à permanência nela. Outro trabalho importante que desenvolvemos são as Jornadas LeAfro, uma articulação entre diferentes grupos e movimentos da Baixada pautando a questão da afro-brasilidade em eventos e encontros. Trabalhamos ainda nas publicações que mantemos com os nossos alunos da pós-graduação visando à produção e disseminação de conhecimento sobre as diversas questões relacionadas à afro-brasilidade e às relações raciais.
Estamos agora também atuando em parceria com os terreiros da região da Baixada. Não sei se muitos têm conhecimento disto, mas a Baixada é a região brasileira com maior número de terreiros, superando a Bahia. Agora no dia 30 de maio, que é o Dia da Baixada, vamos levar a universidade a um importante terreiro aqui de Nova Iguaçu, desenvolvendo uma atividade social e cultural em relação à pratica da religiosidade afro-brasileira, pois o terreiro não é só um espaço da religiosidade, mas de resistência e luta da cultura de raiz africana. E, para nós, isso é muito significativo porque um dos problemas do racismo é justamente a ignorância.
Então, através do processo de colonização, o que conhecemos sobre o negro no Brasil? O que conhecemos sobre a África? O que conhecemos sobre os indígenas? Nós conhecemos aquilo construído através da visão do colonizador, a partir da visão eurocêntrica. Desmistificar essa visão é trazer à tona a história dessas culturas e desses grandes personagens que povoam a Baixada Fluminense.
Maio de 2015