Promovido a partir de uma parceria entre a Subsede do CRP-RJ na Baixada, o Centro de Direitos Humanos e a Defensoria Pública de Nova Iguaçu, o Seminário “Combate à Violência, Tráfico, Exploração e Abuso Sexual de Crianças e Adolescentes” aconteceu, no dia 28 de novembro, no auditório do Centro de Formação de Líderes (CENFOR), em Nova Iguaçu.
Com o objetivo de divulgar, articular e pensar ações estratégicas no combate à exploração sexual de crianças e adolescentes na região da Baixada, reforçando a importância da denúncia e despertando em todos os cidadãos o sentimento de proteção, a programação do evento trouxe cinco temas de debates para serem discutidos dentro da temática principal.
Ao iniciar o evento, a conselheira do CRP-RJ e presidente da Comissão Gestora da Baixada, Vanda Vasconcelos Moreira (CRP 05/6065), apresentou a mesa, agradecendo a presença dos participantes, e falou da importância da parceria feita com a Defensoria Pública e o Centro de Direitos Humanos/CDH para promover esse momento de diálogo e levantar questões e encaminhamentos de combate ao abuso, violência sexual e tráfico de crianças e adolescentes, uma questão ainda muito presente na Baixada.
“Precisamos promover esses diálogos entre as autoridades existentes na Baixada, pois, infelizmente, aqui, nós ouvimos a população dizer que os pedófilos andam de mãos dadas com as crianças e adolescentes pelas ruas. É necessário que haja uma solução eficiente que seja capaz de encorajar os adolescentes, desde a sua infância, familiares e a comunidade a denunciarem as violações sofridas”, comentou Vanda.
“Precisamos também fortalecer a rede de garantia de direitos sociais para a construção de Políticas Públicas eficientes, com convocação de profissionais por concursos públicos e melhorias na infraestrutura dos equipamentos do SUAS (Sistema Único da Assistência Social) e SUS (Sistema Único de Saúde)”, disse a conselheira do CRP-RJ.
Primeira mesa
O primeiro tema de debates foi “Violência, Tráfico, Exploração e Abuso Sexual – Vítimas traficantes e abusadores”, abordado por Ana Cláudia Peixoto, doutora em Psicologia e professora adjunta do Departamento de Psicologia da UFRRJ.
Ana Cláudia deu início à sua fala abordando o conceito de violência contra criança e adolescente, que, segundo ela, envolve não apenas atos de agressão ou abuso físico, sexual e psicológico, mas também a omissão de pais ou parentes, por exemplo, que tomam ciência de tais atos.
“A violência é um problema de saúde pública e, também, um fenômeno multicausal extremamente complexo, onde a complexidade é sua principal característica. Embora não seja um problema fácil de ser resolvido, acreditamos que é possível e estamos nesse espaço para promover essas mudanças”, afirmou.
Além disso, destacou a diferença entre abuso e exploração, que, embora sejam práticas didaticamente diferentes, se manifestam em conjunto. Falou ainda do perfil do abusador imposto pela sociedade, afirmando ser necessário “desmistificá-lo”.
“Existe uma cultura que é bem socializada em nosso país de que o acusador é um monstro, de que ele se apresenta de cara feia, é malvado, e isso não é verdade. Nós precisamos desmistificar o perfil desse abusador. A maior parte dos abusos intrafamiliares é cometida por pais, padrastos, tios ou pessoas que convivem diariamente com a criança. Precisamos desenvolver uma ação para diminuir esse paradigma social”.
Segunda mesa
O segundo tema tratou da “Real situação do tráfico, exploração e abuso sexual contra criança e adolescentes na Região Metropolitana do Rio de Janeiro” e teve participação de Eufrásia Maria Souza das Virgens, da Coordenadoria dos Direitos da Criança e do Adolescente (CDEDICA) da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro.
Eufrásia falou sobre os direitos explícitos na Constituição Federal de 1988 e destacou seu artigo nº 227: “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.
Após sua colocação, propôs “pensar no papel da Defensoria nesse Sistema de Garantia de Direitos para que as violações desses direitos não se perpetuem”. “Infelizmente”, acrescentou, “vemos o próprio Estado não cumprindo com seu papel legal na garantia desses direitos e essa é uma realidade que temos de lamentar”.
Eufrásia falou ainda do sistema socioeducativo que, muitas vezes, responsabiliza crianças e adolescentes pela prática do ato infracional sem uma política adequada de atendimento. “Muitas vezes, os juízes e promotores adotam como medida provisória submeter esses adolescentes a ficarem longe do ambiente pernicioso. Diante disso, questiono: depois de cumprir a medida, esse adolescente volta para onde? Ele vai ser alocado em outra realidade? E em relação e exploração sexual essa também é uma realidade muito triste, pois em algumas situações, a criança é afastada da família por alguma situação de violência que nem sempre é comprovada”.
Terceira mesa
Em seguida, o terceiro tema proposto foi “Estratégias de enfrentamento e combate ao tráfico e a violência sexual contra crianças e adolescentes”, ministrado por Alexandre Ferreira do Nascimento (CRP 05/33108), psicólogo e assessor de Projetos Estratégicos da Fundação para a Infância e Juventude (FIA), e Clayton da Silva Bezerra, delegado da Delegacia Especializada de Defesa Institucional da Polícia Federal/RJ.
Alexandre fez referência à perspectiva do atendimento a essas demandas e como o profissional deve intervir a partir da legislação que vem sendo aperfeiçoada durante as duas últimas décadas.
“Temos os Conselhos Tutelares, o Sistema Único de Assistência Social (SUAS), os CREAS, as delegacias, algumas delas que vêm se especializando no aspecto da responsabilização das crianças e adolescentes. Enfim, temos muitos dispositivos, mas precisamos entender como área da educação se prepara para atuar nesses casos. Grosso modo, temos um aparato institucional previsto na legislação e organizações governamentais pioneiras nessa atuação de enfrentamento a exploração sexual”, disse.
Alexandre abordou ainda a revitimização, processo pelo qual a criança é recorrentemente submetida a uma avaliação e a uma escuta, “que muitas vezes assume caráter de interrogatório ou inquirição”.
“Quando acontece uma situação de violação de direitos nessa perspectiva sexual, a gente percebe que o percurso dessa criança na rede é uma via crucis, onde a criança é ouvida várias vezes: na escola ou numa unidade de saúde, na delegacia e ainda os casos que são recomendados a serem encaminhados ao Conselho Tutelar”, criticou.
Clayton, por sua vez, defendeu a política de prevenção como uma das melhores estratégias para acabar com a violência sexual que é tão alarmante em nossa sociedade. Além disso, aponta que é necessário mudar a maneira com que muitas crianças e adolescentes são vistos ou recebidos, “pois o que a criança conta sobre o abuso sexual sofrido não é coisa da cabeça dela, como muitos julgam ser”.
“Muitas vezes a criança, quando é recebida e narra a situação de violência, ela recebe a seguinte frase: isso é coisa da sua cabeça! Não! Não se pode dizer isso, pois o que essa criança conta é a realidade que ela vive”, argumentou.
“Participação da sociedade civil no combate ao tráfico, exploração e abuso sexual de crianças e adolescentes” foi o tema do próximo debate, instigado por Maria Helena Zamora (CRP 05/21685), psicóloga, doutora em Psicologia e Professora da PUC/RJ.
Para Maria Helena, existe uma frequente vitimização por parte dos abusadores, que se apoiam no pensamento socialmente reproduzido de que os abusadores são sujeitos que, necessariamente, sofreram alguma espécie de violência quando crianças. A psicóloga questionou também o lugar que a Psicologia é chamada a ocupar nas políticas de Assistência Social, chamando atenção para as resistências e possíveis lutas nestes espaços.
“A vitimização ainda é presente quando pessoas que também foram abusadas sexualmente na infância reproduzem isso na vida adulta. Porém, o que é muito grave nisso é que muitos têm a consciência de que fizeram alguma coisa errada com a criança mas se apoiam e acreditam na ideia de que a criança ou adolescente teve, em algum momento, o interesse de se relacionar com eles”.
Última mesa
O quarto e último tema foi “Programa Nacional de Combate ao Tráfico e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes”, debatido por Dr.Marcus Maia, Delegado da Polícia Civil da Delegacia de Homicídio de Belford Roxo, única Seção de Descoberta e Paradeiro da Baixada.
Marcus defendeu a ideia de que sejam realizadas ações de prevenção de base, a começar pelas escolas. Diante disso, defendeu o trabalho de palestras educacionais feitas nesses espaços.
“É preciso educar desde a base, fazendo visitas às escolas e palestras de conscientização. Essas pequenas ações são importantes e vão além de medidas socioeducativas pois, se essas últimas não vierem acompanhadas de uma política humanística, de correção e de integração social, não será possível ressocializar essa criança e adolescente”.
Ao final das mesas, houve um debate com os participantes, que criticaram a omissão do Estado e a ineficiência do atendimento da rede socioassitencial no acolhimento às crianças e adolescentes vítimas das violências citadas. Profissionais abordaram, ainda, a situação de assédio moral das direções dos equipamentos de atendimento público (CRAS, CREAS, CAPS, entre outros).
Outros temas abordados no debate pelos participantes foram: a grande demanda de trabalho que não consegue ser encaminhada pelas equipes, que, por sua vez, contam com poucos assistentes sociais e psicólogos; e a precarização das relações de trabalho nesses equipamentos por conta da contratação temporária de profissionais, entre outros.
Ao final do evento, os participantes foram convidados a participar das reuniões do Fórum Grita Baixada e dos encontros sindicais que acontecem na subsede do CRP-RJ na Baixada pela abertura de concursos públicos paras psicólogos e assistentes sociais nas prefeituras da região.