Processos ditatoriais e subjetividades, medicalização e Psicologia no Esporte foram os temas das atividades promovidas pelo Conselho Regional de Psicologia do Rio de Janeiro no dia 21 de novembro, em São Paulo, durante o IV Congresso Brasileiro de Psicologia: Ciência e Profissão.
A primeira atividade teve a participação do conselheiro- tesoureiro do CRP-RJ, Alexandre Trzan Ávila (CRP 05/35809), na mesa “Conversando sobre os entrecruzamentos políticos, Psicologias e movimentos sociais: uma atitude crítica à medicalização da educação e da sociedade”.
A atividade contou com a participação também de Pedro Paulo Gastalho de Bicalho (CRP 05/26077), ex-conselheiro do CRP-RJ, ex- presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos do CFP e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Flávia Cristina Silveira Lemos, da Universidade Federal do Pará, Ariadne Benetom de Campos, da Unidade Básica de Saúde do Butatã (SP), Marilene Proença Rabello de Souza, da Universidade de São Paulo e Ana Carla Cividades Furlan Scarin, também da USP.
Os palestrantes trataram da relação entre medicalização e judicialização da saúde e enfatizaram suas experiências na militância contra os projetos de lei que visam a facilitar diagnósticos de TDAH e a disponibilização de medicamentos pelo Sistema Único de Saúde para crianças e adolescentes no âmbito da educação.
Segundo Alexandre, “o maior problema de uma sociedade que patologiza massivamente as expressões do humano é quando esta realidade passa a escamotear os problemas de ordem coletiva, política, social, econômica e cultural em questões biológicas e individuais. Esta situação mostra sua face mais cruel na educação, ao não tratar os problemas referentes ao processo educacional e, sim, focar na patologização de crianças e adolescentes, tornando, desta forma, as questões da educação em questões de saúde”.
O conselheiro do CRP-RJ alertou para “a proliferação de projetos de lei que visam a definir doentes e doenças, propondo formas de tratamento e determinando a disponibilização de medicamentos pelo SUS”. Ele defendeu ainda que “devemos buscar garantir um debate ampliado no qual os diversos posicionamentos tenham espaço, principalmente a sociedade, os movimentos sociais e a academia”.
Violência institucional e produção de subjetividades
Em paralelo, a presidente da Comissão Regional de Direitos Humanos do CRP-RJ, Janne Calhau Mourão (CRP 05/1608), integrou o simpósio “Processos Ditatoriais e Subjetividades”, coordenado pelo Conselho Regional de Psicologia de Santa Catarina, com falas da psicóloga Yara Maria Moreira de Faria Horke, do Conselho Regional de Psicologia de Santa Catarina, e também do psicólogo Pedro Paulo Gastalho de Bicalho, da UFRJ.
Yara iniciou sua fala descrevendo o cenário político que culminou com o golpe civil-militar de 1964. “Naquela época, havia um embate entre forças políticas, pois o crescimento econômico do país não beneficiava as camadas pobres da população. Havia uma pressão interna para que fossem feitas as reformas de que o país necessitava. O problema é que as classes dominantes não queriam ceder em favor das classes populares e essa tensão acabou favorecendo o golpe”.
Em seguida, Yara abordou sua experiência como militante na resistência à ditadura civil-militar brasileira e como vítima do terror de Estado que se deflagrou naquela época. “Quando falamos em repressão política, muitas pessoas associam logo à tortura e à violência física. Contudo, muitos militantes daquela época experimentaram a repressão não de forma física. Viver com outro nome, [na clandestinidade] com outra identidade, é muito difícil, muito doloroso. E as sequelas deixadas por todo esse aparato de violência são muitas, especialmente as dificuldades de memória e de reconstituir a nossa própria história”.
A seguir, a presidente da Comissão de Direitos Humanos do CRP-RJ falou a respeito da chamada Justiça Transicional ou de Transição, explicando que ela “tem por objetivo processar os perpetradores, revelar a verdade sobre crimes passados, fornecer reparações às vítimas, reformar as instituições perpetradoras de abuso e promover a reconciliação.”
Janne afirmou também que “pela ótica da Justiça de Transição, esse processo, no Brasil, começou em 1979, com a Lei da Anistia, seguida por uma série de medidas e leis, incluindo a Constituinte (1988), a volta das eleições diretas (1989), a Comissão de Mortos e Desaparecidos, a Comissão de Anistia, a Comissão Nacional da Verdade, entre outras”.
De acordo com Janne, o campo da Justiça Transicional foi ampliado na última década graças à expansão do debate sobre Direito Internacional por parte de organismos internacionais, e também ao processo de fortalecimento gradativo das democracias na América Latina, África e Ásia.
“A ditadura civil-militar brasileira produziu fortes efeitos sobre as subjetividades de milhões de brasileiros (esquecimento forçado). Por isso, nossa luta é para que essas memórias e a história dos ‘vencidos’, dos que militaram contra o regime ditatorial, sejam resgatadas, os assassinos sejam processados e que haja uma reparação do Estado a esses crimes, a qual não deve ser apenas financeira, mas, sobretudo, moral e psicológica”, finalizou.
“Quando falamos em processos ditatoriais, precisamos pensar sobre que ditadura estamos falando. Nós somos sobreviventes da ditadura, mas a ditadura também sobreviveu e permanece entre nós, estando presente em nossas formas de ver e pensar o mundo. Por isso, digo que a ditadura continua nos performando como sujeitos”, acentuou Pedro Paulo.
Em seguida, o professor da UFRJ destacou, dentro da lógica ditatorial contemporânea, “o medo como operador político eficaz que faz funcionar a polícia, o Estado e a nós mesmos na relação com o outro”.
Pedro Paulo citou ainda o processo de criminalização de determinadas parcelas da sociedade como expoente desse processo ditatorial. “O processo de criminalização é diferente do processo de incriminação judicial, pois ele se dá a partir de normas que não tipificadas sob a forma de lei, mas acabam institucionalizadas em dado momento sócio-histórico. E é nesse processo que temos de refletir sobre quem são os indivíduos criminalmente imputáveis e os criminalmente inimputáveis”.
Psicologia no Esporte
A última atividade do CRP-RJ no dia 21 de novembro no IV CBP foi a mesa redonda “A Psicologia e o esporte: os desafios dos Conselhos Regionais de Psicologia diante dos megaeventos esportivos”. Compuseram a mesa o conselheiro-secretário do CRP-RJ, Rodrigo Acioli Moura (CRP 05/33761), a colaboradora do CRP-BA Thaise Coutinho dos Santos e a conselheira do CRP-SP Camila de Freitas Teodoro.
Camila abordou as ações desenvolvidas pelo CRP-SP na área da Psicologia no Esporte, tais como: promoção de rodas de conversa em suas sede e subsede sobre o tema, organização da I Mostra Paulista de Psicologia do Esporte e o apoio dado ao III Congresso Brasileiro de Psicologia do Esporte, promovido pela Associação Brasileira de Psicologia do Esporte (ABRAPESP).
A conselheira do CRP-SP apontou também algumas problemáticas ao debate amplo sobre o tema, por exemplo: o número reduzido de profissionais de Psicologia interessadas (os) na temática e a ausência de uma agenda nacional do Sistema Conselhos para discutir essa prática.
Thaise iniciou sua fala tratando da Política Estadual de Esporte e Lazer da Bahia e da atuação do Conselho Estadual de Esporte e Lazer. Em seguida, citou as etapas de construção do Grupo de Trabalho de Psicologia do Esporte do CRP-BA, o qual coordena.
“Promovemos eventos sobre a Psicologia do Esporte em todas as nossas subsedes e percebemos que muitos profissionais desconhecem essa prática. Então, quando decidimos formar o GT, nosso primeiro desafio foi o recrutamento de psicólogos e estudantes para participar desse espaço”, afirmou.
Ainda segundo a colaboradora do CRP-BA, uma grande dificuldade em pautar esse debate na Bahia é o fato de que “somente uma universidade no estado inclui a Psicologia do Esporte na grade curricular da graduação e, além disso, poucos são os cursos de extensão ou pós-graduação disponíveis”.
O conselheiro-secretário do CRP-RJ, por sua vez, iniciou sua fala narrando sua experiência como atleta e também como profissional de Psicologia que atuou na área do Esporte. “Quando eu era atleta, nunca tive qualquer acesso à Psicologia. Já como estudante de Psicologia, constatei o quanto era difícil estagiar na área esportiva. Mais tarde, já formado, quando consegui espaço para atuar na área, começou o conflito, pois as diretorias dos clubes queriam obter somente resultado, enquanto eu queria levar saúde àqueles atletas”.
De acordo com Rodrigo, “havia, entre os profissionais de Psicologia que atuavam na área do Esporte no estado do Rio, uma grande desunião. Nós, do CRP-RJ, percebemos que a demanda desses psicólogos precisava de acolhimento e, com isso, nos reaproximamos desses profissionais. Hoje, no CRP-RJ, essa discussão acontece junto à Comissão Regional de Direitos Humanos, onde, além da prática do psicólogo na área esportiva, debatemos também as diversas violações de direitos em treinamentos e competições esportivas”.
“Em reuniões com esses profissionais do Rio de Janeiro”, acrescentou Rodrigo, “percebemos que grande parte de suas atuações estava voltada apenas para o esporte de auto-rendimento, especialmente o futebol, quando, na verdade, a inserção da Psicologia nesse espaço pode se dar também em outros aspectos, tais como reabilitação, socialização, direito ao lazer e promoção de saúde”.