‘As práticas psicológicas no SUAS e a interface com a Justiça: a proteção especial em debate’ foi o tema do último ‘Dialogando com o CRP-RJ’ realizado na quarta-feira, dia 24 de setembro, na sede do Conselho Regional de Psicologia do Rio de Janeiro. Mais de 60 profissionais e estudantes das áreas de serviço social e psicologia participaram da conversa.
A proposta desse debate foi o de colocar em análise não somente as práticas psicológicas nas políticas de Assistência Social em sua interface com a Justiça, mas judicialização de tais práticas, tendo como foco dessa problematização a proteção especial de crianças e jovens em situação de acolhimento institucional ou familiar, quando seus pais são diagnosticados como usuários de drogas e vivem nas ruas.
A psicóloga Eliana Olinda Alves, coordenadora da Comissão de Psicologia e Justiça do CRP-RJ, deu boas vindas aos presentes e ressaltou a importância destes encontros como forma de criar uma rede de trocas, de conversas, de conhecimento. Ainda destacou que esses encontros permitem um contato mais próximo com os profissionais da chamada rede de proteção à infância, facilitando conhecer o que produzem e reproduzem em suas práticas, as pressões que enfrentam nas instituições em que atuam.
O debate foi iniciado pela Assistente Social, Aline Peçanha Oliveira, Especialista em Saúde Mental e Trabalho Social (UFRJ), servidora da Prefeitura do Rio de Janeiro, atuando na Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social como Diretora da URS Ana Carolina, entidade de acolhimento de crianças ainda na primeira infância, entre zero e seis anos. Aline Peçanha falou sobre os desafios do trabalho com essas crianças durante o acolhimento institucional, tendo-se em vista que são crianças que sofreram múltiplas violações de direitos. “Nossa primeira missão no acolhimento de crianças pequenas é o acolhimento afetivo, que vai gerar proteção e segurança. O acolhimento não pode ser só técnico e burocrático, temos que construir a travessia para o outro momento. Temos que ter o cuidado também de dar esse afeto, mas não substituir o lugar da mãe”, disse.
A assistente social ressaltou a importância da capacitação dos educadores, afirmando: “eles ficam direto nessa relação com a criança. A gente percebe que eles trazem a própria experiência de vida, a forma como aprenderam a cuidar dos filhos, dos netos, para cuidarem destas crianças e temos que considerar o que eles trazem de informação e cultura, mas temos que perceber sempre a hora de trazer outras formas de cuidar”, completou a assistente social. Ainda de acordo com Aline Peçanha, é preciso encontrar equilíbrio entre a técnica e a informação. “Todos os dias aprendemos com as crianças que chegam. Crianças cujas mães são usuárias de drogas e que exigem um cuidado maior. Temos a cada semana visitas de uma equipe de saúde que, além de cuidar das crianças, observam também o ambiente”, falou.
Seguida a exposição do trabalho da entidade de acolhimento, ouvimos a análise proposta pela psicóloga Aline Pereira Diniz (CRP 05/20758), pós-Graduada em Saúde Coletiva (Fiocruz) e Clínica Transdisciplinar (UFF), servidora do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, atuando em Vara de Infância. A psicóloga afirmou que a dinâmica de trabalho na chamada rede de proteção à infância, intensificou-se nos últimos três anos com o crescimento do número de mães usuárias de cracks. Para a psicóloga, a visibilidade dada a essas mães deve-se em parte a um olhar estereotipado veiculado pela mídia, demonizando a questão e os usuários. Isso impõe como única saída à questão os tratamentos higienistas, repressores a certa parcela da população.
Aline comentou sobre o desafio no trabalho com essas mães nos plantões das Varas de Infância, evitando-se estigmatizá-las e desqualificá-las como mães. “No início, percebemos que esse tipo de demanda impactava as equipes técnicas do judiciário. Foi preciso manter o olhar e cuidado mais atento no momento da escrita para não diagnosticar essa mulher como usuária. Afinal, o que relatamos, escrevemos, sobre cada caso tem um impacto muito grande na vida dessas mulheres. Por isso, temos o desafio de reinventar outras formas de garantir direitos, de reafirmação da vida. A proposta é repensar nossas práticas, conversar sobre o nosso fazer, tanto entre nós quanto com outros profissionais da rede de proteção. Algumas vezes, um diagnóstico apressado pode resultar no acolhimento institucional de uma criança, ainda bebê. Nossa relação com as entidades de acolhimento deve pautar essa temática, bem como a relação dos profissionais com as crianças e familiares, saber como está sendo esse cuidado”, disse.
A última a falar sobre o tema foi a psicóloga Rosimeri Barbosa Lima (CRP 05/13969)– especialista em Saúde Mental e Atenção ao Uso Abusivo de Álcool e Outras Drogas, atuou por 20 anos como psicóloga do HERF na maternidade e pré- natal de alto risco. Atualmente, é coordenadora no Eixo de Álcool e Outras Drogas na Gerência de Saúde Mental do Rio de Janeiro.
Rosemeri destacou que as mães com transtornos mentais eram tratadas como mulheres que não tinham mais a capacidade de serem mães, as crianças eram logo retiradas delas, o mesmo ocorria com as mães em situação de rua. Como exemplo falou de uma situação no hospital em que atuou como psicóloga: “Mães em situação de rua também tinham as crianças retiradas, com a ideia de que elas não poderiam cuidar delas. A gente teve uma mãe em situação de rua e a criança foi para a UTI. Ela cuidava bem do filho, mas houve uma situação de conflito com um profissional e, a partir desse episódio, a criança só poderia ser liberada se ela encontrasse o pai da criança. Ela encontrou-o, mas ele não cumpriu as metas estabelecidas e ela perdeu a criança. Mesmo sendo usuária de crack, essa mãe cuidava do seu filho, fazia todos os investimentos para ter a criança de volta, mas infelizmente não conseguiu. A questão que quero apontar é que muitos profissionais acabam olhando para estas mães como pessoas que não têm condições de cuidar de seus filhos, olham para elas sem dar qualquer chance para que elas se recuperem.”, finalizou.
Além das análises trazidas pelas referidas profissionais, o debate apontou para o necessário enfrentamento de tais questões como forma de problematizar as práticas higienistas produzidas em nome da proteção.
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