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Nota do CRP-RJ a respeito da ação violenta de despejo dos ocupantes do prédio abandonado da antiga Telerj


Data de Publicação: 17 de abril de 2014


O Conselho Regional de Psicologia do Rio de Janeiro vem a público repudiar as ações de violência praticadas pela Polícia Militar e Guarda Municipal da cidade do Rio de Janeiro no despejo de mais de cinco mil pessoas de um prédio abandonado para reintegração de posse em favor da Empresa de Telefonia Oi (antiga Telerj).

Para além dos questionamentos acerca da propriedade do imóvel *, o fato de estar sem utilização há pelo menos três anos chama a atenção para a excessiva valorização de uma suposta propriedade privada abandonada em detrimento das vidas que lá se encontram.

Os relatos dos ocupantes da Favela da Telerj apontam para os efeitos do novo e perverso modelo de cidade-empresa que vem sendo implantado pelas gestões da prefeitura e do governo do estado do Rio de Janeiro, privilegiando empresas ligadas direta ou indiretamente à realização de grandes eventos, em prejuízo das condições dignas de vida de seus cidadãos. Mais ainda, sobrepujando o direito à moradia, garantido pelo Art. 6º da Constituição Federal, que tem como princípios fundamentais a cidadania e a dignidade da pessoa humana. Vale lembrar que o Brasil é signatário de vários tratados internacionais direcionados à garantia dos Direitos Humanos, entre os quais o direito à habitação digna se coloca.

A política de segurança pública aplicada no estado e no município vem claramente utilizando práticas higienistas e de criminalização da pobreza para justificar aparatos militares que, em última instância, servem aos interesses de empresários do mercado imobiliário. O aumento dos valores dos aluguéis para até R$500,00 em favelas que receberam as UPPs inviabiliza que os moradores dessas áreas ali permaneçam, uma vez que em sua maioria ganham até um salário mínimo.

Alguns podem estar se perguntando o que nós, psicólogas (os), temos a ver com isso. Considerando nossa inserção laboral marcante nos serviços públicos nos últimos anos – de acordo com dados do Conselho Federal de Psicologia que apontam sermos atualmente mais de 90 mil alocados nos diversos âmbitos de políticas públicas (municipal, estadual e federal) –, devemos refletir a respeito de algumas questões:

  • A metodologia utilizada neste tipo de atuação pública – realização do despejo antes do planejamento para inserção em programas sociais.
  • A execução de políticas de habitação – que vêm ignorando as premissas da participação social na definição democrática das mudanças realizadas em cada comunidade, tanto no planejamento como na execução.
  • As equipes de trabalho social destas políticas que fazem a intermediação entre as comunidades e a prefeitura – que muitas vezes contam com profissionais de Psicologia em seus quadros, cuja atuação deve se apoiar no Código de Ética Profissional do Psicólogo, especialmente nos dois primeiros princípios fundamentais e no seu papel social **. O que neste caso significa zelar tanto pela escuta cuidadosa dos moradores impactados e pelos encaminhamentos de suas demandas, como também pelo debate da construção dessas políticas, lembrando aos gestores a importância do cuidado com o público envolvido do ponto de vista dos danos psíquicos que se produzem inexoravelmente em situações de remoção e despejo.

Sabendo que muitos de nós têm se interessado cada vez mais por práticas em situações de emergências e desastres, apontamos este evento do despejo dos ocupantes do prédio da antiga Telerj como uma emergência – dada a situação de violação de direitos em que se encontram – e um desastre, do ponto de vista da execução de políticas públicas. Assim, convocamos as (os) psicólogas (os) a pensar reflexivamente e a participar ativamente deste debate e das ações que dele derivam na medida em que nossa função social diz respeito não só às nossas práticas profissionais específicas, mas também ao tipo de sociedade que queremos ajudar a construir.

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* Há discussões acerca de que se trata um prédio público, já que a Oi é uma concessionária de um serviço público e os bens envolvidos poderão ser restituídos à União. Além disso, há também questionamentos em torno da adimplência dos impostos, o que pode caracterizar abandono de imóvel, e consequente possibilidade de retomada pelo poder público.

** O Psicólogo baseará o seu trabalho no respeito à dignidade e à integridade do ser humano. II. O Psicólogo trabalhará visando a promover o bem-estar do indivíduo e da comunidade, bem como a descoberta de métodos e práticas que possibilitem a consecução desse objetivo.