O Conselho Regional de Psicologia do Rio de Janeiro vem a público manifestar seu repúdio à Resolução nº 20 da SMAS da PCRJ, de 27 de Maio de 2011, Protocolo do Serviço Especializado em Abordagem Social, visto a mesma ferir direitos fundamentais de crianças e adolescentes, conquistados através de intensos debates e disputas, e que asseguraram a condição de sujeitos de direitos para crianças e adolescentes.
Também lamentamos que no desmonte de tais conquistas, haja a participação de autoridades que deveriam auxiliar na sua garantia; que têm como parte de suas atribuições cobrar do poder público a efetivação destes direitos através de políticas sociais, mas que, costumeiramente, tendem a individualizar situações derivadas de problemas sociais e culpabilizar famílias, discurso que vem sendo repetido em suas falas na mídia sobre o tema.
É também nosso desejo externar nosso compromisso com todos aqueles que realmente defendam formas de convivência política em que as questões sociais e de saúde presentes no momento histórico atual, possam ser debatidos pelo conjunto da sociedade, sem medos, intolerância, violência ou opressão.
À comunidade de psicólogos atuantes da cidade do Rio de Janeiro envolvidos de alguma forma com práticas derivadas da citada Resolução, e aos demais interessados no tema, colocamos a disponibilidade do CRP para discussão de questões vinculadas a tais procedimentos. Ressaltamos que a observância e defesa de nosso Código de Ética coloca-se como fundamental para nortear a prática do psicólogo .
Entendemos que com a referida resolução, a Assistência Social do Rio de Janeiro vem se distanciando do SUAS, demitindo-se de suas funções socioassistenciais e posicionando-se como agência policialesca, prestando-se à segregação e aumentando a apartação social que deveria trabalhar para reduzir. O que assistimos hoje é a incorporação da metodologia do choque de ordem pela Secretaria de Assistência Social, colocando em marcha uma política de ordem pública travestida de assistência. O que se revela, desta forma, é a orquestração de todos os órgãos e secretarias do estado para implementação de uma ação higienista de limpeza urbana, rumo ao projeto de cidade global que sediará nos próximos anos os jogos olímpicos e a copa do mundo.
Os procedimentos vigentes foram deliberados sem a participação do controle social, ignorando-se a Política Municipal de Atendimento às Crianças e Adolescentes em Situação de Rua deliberada pelo CMCDA em 2009 e nunca efetivada. Percebe-se também que as práticas de recolhimento compulsório da PCRJ vão a contrapelo da Política Nacional para a População em Situação de Rua, a situação sendo imensamente agravada pela inadequação dos serviços de acolhimento do município à Tipificação de Serviços Socioassistenciais.
É, portanto, urgente debater esta política que elege a internação como único tratamento possível para a questão do uso prejudicial de drogas; o como se está realizando a indicação clínica de internação; o projeto institucional e funcionamento de abrigos especializados para dependência química; o esclarecimento sobre a dinâmica do recolhimento de adultos, crianças e adolescentes com o uso de força e auxílio policial; a falta de protagonismo de crianças, adolescentes e suas famílias no processo de tratamento; o encaminhamento de adolescentes em situação de rua à DPCA sem flagrante ou mandado judicial; o mesmo encaminhamento de adultos para a delegacia visando “sarqueamento”, entre diversas outras questões advindas de práticas que entram em conflito com o marco legal da Saúde/Saúde Mental, da Assistência Social e da Política para Infância e Adolescência .
Entendemos que as políticas públicas devem proporcionar a crianças e adolescentes o acesso a direitos como saúde, convivência familiar e comunitária, educação, profissionalização, lazer, esporte e cultura, sem que para isto paguem o preço da restrição de seus direitos à dignidade, à liberdade, ao respeito, à autonomia, de participação na elaboração de políticas públicas,devendo-se levar em consideração os modos de existir criados por quem teve de se haver com o histórico desinvestimento e desinteresse do poder público por sua situação.
Desta forma, defendemos a revisão das atuais práticas que objetivam a população em situação de rua, adulta ou infanto-juvenil, visando a garantia dos direitos desta população e de suas famílias, afirmando que em políticas públicas é necessária a construção participativa da sociedade, não havendo espaço para “Salvadores da Pátria”.