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Mesa do VI Seminário de Direitos Humanos discute novas possibilidades para as práticas psi


Data de Publicação: 15 de setembro de 2010


No dia 10 de setembro, segundo dia do VI Seminário de Psicologia e Direitos Humanos, ocorreram três mesas de debates. A primeira teve como tema “Fazeres psi, direitos humanos e a construção de outros possíveis”, com mediação da psicóloga Esther Arantes (CRP 05/3192), colaboradora da CRDH do CRP-RJ e professora da UERJ.

Carla Barbosa, Esther Arantes, Eliana Olinda e Helena Rego Monteiro

Carla Barbosa, Esther Arantes, Eliana Olinda e Helena Rego Monteiro

Após a exibição de um vídeo sobre o II Seminário de Direitos Humanos, ocorrido em 2006, a psicóloga Helena Rego Monteiro (CRP 05/24180), colaboradora das Comissões de Direitos Humanos e de Educação, deu início à mesa abordando a questão da medicalização da vida escolar.

“Que doença é essa chamada de TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade), tratada com a Ritalina, que é uma anfetamina? Houve um crescimento dessa prescrição de 2006 para cá. O fármaco é aliado de quem? Em que momentos ele é aliado da vida e em que momentos é aliado do biopoder?”, questionou.

A psicóloga explicou que a medicalização da vida é “o modo como a vida é normatizada pela racionalidade biomédica para prescrições de condutas, terapias e fármacos para todos os níveis de existência. É o próprio viver que fica reduzido a um único modelo, um único discurso, o discurso biomédico. Não é um elemento que produz a medicalização, mas um contexto”.

Segundo Helena, alguns fatores contribuíram para o aumento da medicalização da vida – a Ritalina, por exemplo, foi sintetizada em 1950, mas só passou a ser produzida em larga escala nos últimos 30 anos. Um dos fatores principais seria a edição do DSM III (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais), na década de 1980.

“Os DSM I e II levavam em conta a singularidade individual. O DSM III se baseia na Psiquiatria biológica, rompendo com a Psicanálise. Isso faz com que sintomas, abstraídos da história singular dos sujeitos, sejam analisados e classificados como entidades universais. Assim, qualquer pessoa pode ser encaixada em qualquer síndrome”, declarou.

Nessas últimas décadas, teria aumentado o número de classificações diagnósticas, bem como o de farmácias. “É claro que o fármaco pode ser um aliado potente, necessário em muitos casos. Mas não podemos ser ingênuos e não perceber que há uma engrenagem montada para levar ao consumo de medicamentos”, diz Helena, acrescentando que uma das peças fundamentais dessa engrenagem é a mídia, que naturalizaria o consumo de remédios.

Finalizando, Helena trouxe algumas reflexões: “O que fazer quando somos convocados a transformar o heterogêneo em homogêneo? Como fazer para desestabilizar as diversas engrenagens medicalizantes que surgem a todo momento no mundo contemporâneo? Como produzir em nossas práticas psis um campo de afecção que nos leve a pensar a escola, o aluno, a avaliação, as políticas de inclusão, o não aprender, a indisciplina, as relações com a família de outra maneira?”.

A conselheira Eliana Olinda (CRP 05/24612), coordenadora da Comissão de Psicologia e Justiça do CRP-RJ, falou, em seguida, sobre as ações da Comissão, criada com o objetivo de aproximar o Conselho dos profissionais da área e “tendo como princípios norteadores a ética e os direitos humanos como práticas de afirmação da vida. A Comissão de Justiça vem contribuindo através de eventos e debates acerca das diversas ramificações da chamada Psicologia Jurídica. Problematizamos questões como a produção de laudos, a escuta de crianças no Sistema de Justiça, o exame criminológico, entre outras”, disse.

Entre as ações, esteve a criação, em conjunto com outras comissões, do Grupo de Trabalho de Psicologia e Rede de Proteção à Infância e Adolescência. “Esse grupo realizou mapeamentos das práticas psi nesse espaço, identificando que rede é essa e articulando os vários atores envolvidos. Um desdobramento foi a criação de um GT nacional, que culminou na Resolução 010/2010, que proíbe ao psicólogo participar da inquirição de crianças”.

A conselheira apresentou ainda dois outros grupos de trabalho que foram desdobramentos da Comissão. O GT de Psicologia e Sistema Prisional teve como objetivo abrir um diálogo com os operadores jurídicos. “A prática do psicólogo no Sistema Prisional tem sido marcada por um viés pericial, mediante a realização do exame criminológico, que vem sendo criticado por muitos psicólogos que atuam na área. Os debates foram feitos sob a ótica da saúde integral, respeitando tanto a população atendida quanto os profissionais”.

Outro GT que surgiu a partir da Comissão foi o de Psicologia e Diversidade Sexual. “O ponto de partida, além do Código de Ética, foi a Resolução 001/99, que proíbe ao psicólogo propor cura à homossexualidade. O GT buscou promover o direito à diversidade sexual”. A conselheira lembrou ainda que todas essas discussões continuaram na Comissão, mesmo com o fim dos grupos. Segundo ela, as atividades sempre estiveram transversalizadas também com outras comissões do CRP-RJ.

Carla Barbosa (CRP 05/29635), psicóloga e colaboradora da Comissão de Orientação e Ética do CRP-RJ, encerrou a mesa trazendo sua experiência no campo da Saúde Mental. “Comecei a trabalhar na área quando fui convidada a participar de um grupo de intervenção na Casa de Saúde Dr. Eiras, em Paracambi, em 2005. Três anos depois, trabalhei em um hospital psiquiátrico geriátrico no município do Rio, que abrigava 30 mulheres. As duas experiências foram bem diferentes”.

Segundo Carla, no Dr. Eiras, era possível um trabalho de desinternação. “Lá havia muita coisa acontecendo, pudemos fazer um trabalho bonito, de tirar as pessoas de lá. No Rio, entrei com a mesma ideia, de desinternar as pessoas, encaminhar para o convívio com a família, residências terapêuticas etc. Mas, quando entrei, ouvi o discurso: ‘aqui é a casa delas’. Como é que um hospital vira moradia? Habitar é o mesmo que morar?”.

A psicóloga ressaltou que o mais grave era que esse trabalho se dizia inserido na Reforma Psiquiátrica. “Eles diziam: ‘mas foram elas que escolheram a cor da parede’; ‘elas não usam uniforme, mas sim vestidos floridos’. O que eu percebia era uma mudança para permanecer na mesma lógica. A ideia era ‘humanizar o manicômio’. Mas uma parede colorida e um vestido florido não deixam o tratamento menos humano”.

Desse modo, Carla finalizou apontando que há uma diferença entre legislação e prática. “Temos nacionalmente legislações consideradas avançadas, como a da Reforma Psiquiátrica. Mas mesmo que a lei seja avançada, às vezes ela se materializa na prática de forma contraditória, porque essas forças sociais não desapareceram”.

Após as falas, foi aberto um debate com os presentes, que aprofundaram algumas questões debatidas e levantaram outras, como a suspensão provisória da Resolução 009/2010, que proíbe aos psicólogos realizarem o exame criminológico (clique aqui para saber mais).

Clique aqui para ver a cobertura das outras atividades do Seminário.

Texto: Bárbara Skaba
Fotos: Ana Carolina Wanderley



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