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Primeira mesa temática da IV Mostra debate os impasses na clínica


Data de Publicação: 26 de julho de 2010


No dia 22 de julho, a primeira mesa temática da IV Mostra Regional de Práticas em Psicologia trabalhou o tema “Impasses na clínica: violência, subjetividades e direitos humanos”. A mediadora do debate foi a conselheira Wilma Fernandes Mascarenhas (CRP 05/27822).

O psicanalista Eduardo Rozenthal, mestre em Teoria Psicanalítica, doutor em Saúde Coletiva e professor da Pós-Graduação da Universidade Santa Úrsula, abriu a mesa explicando como a questão da violência pode ser aboradada na clínica psicanalítica. “A questão da violência atual está ligada a vários aspectos, entre eles, o dualismo indivíduo-sociedade. Separamos o ser do agir, o desejo da política”, declarou.

Segundo ele, esse dualismo é típico da Modernidade, ou seja, do período do capitalismo clássico. “Esse é o momento em que a sociedade e suas instituições, como família, escola, prisão, hospital etc., estão fortalecidas. De um lado, temos sujeitos consumistas e insatisfeitos e, de outro, objetos que não os satisfazem”.

Wilma Mascarenhas, Eduardo Rozenthal, Ana Paola Frare e Alexandre Costa

Wilma Mascarenhas, Eduardo Rozenthal, Ana Paola Frare e Alexandre Costa

O psicanalista destacou que Sigmund Freud foi um pensador dessa época. “Ele falou sobre a subjetividade, que corresponde à imaterialidade do indivíduo. Mas sua novidade foi colocar que essa subjetividade é dividida. Há o desejo de um ‘eu inconsciente’, mas ele sofre uma ‘impotência’ trazida pelo outro, ou seja, limites que vêm das regras sociais. Para a subjetividade, esse é um limite extrínseco, pois não emana da própria subjetividade, mas do outro. Assim, ele volta ao dualismo inicial, o do indivíduo-sociedade”.

Trazendo outro pensador, o filósofo italiano Giorgio Agamben, Rozenthal retomou o dualismo por outra

Mesa sobre Impasses na Clínica lotou o auditório.

Mesa sobre Impasses na Clínica lotou o auditório.

perspectiva. “Para Agamben, essa dualidade se dá através de dispositivos, ou seja, conjuntos de regras, crenças e ritos criados para capturar de fora a ‘vida nua’. O dispositivo estabelece o dualismo indivíduo-sociedade separando o ser do agir”.

Ele explicou que os dispositivos modernos são diferentes dos existentes atualmente. “Os modernos são dispositivos de modelação. Como emanam de instituições muito fortes, fornecem uma identidade à subjetividade. Ou seja, pai-filho, professor-aluno, médico-paciente, carcereiro-prisioneiro etc. Separam a política da vida, como se houvesse uma ‘política pura’. Hoje, não há mais o movimento de modelação, mas de modulação, ou seja, os dispositivos são de controle. Eles não fornecem mais identidades à subjetivação; ao contrário, são dispositivos de dessubjetivação”.

Por isso, o psicanalista propõe uma clínica que se baseie nesses novos dispositivos, não nos de subjetivação. “Penso em Freud, mas não o Freud da falta, da castração, e sim o Freud da pulsão, da força pura. A clínica deve ser de afetação, em que se possa não transformar a paixão em sentido, mas acolher essa paixão. O limite não deve ser o extrínseco, mas o criado pela própria subjetividade. Ela vai até onde puder criar”.

O segundo palestrante, o psicólogo Alexandre dos Santos Costa (CRP 05/13009), da Secretaria de Educação do Município do Rio de Janeiro, falou sobre sua experiência em um Ciep (Centro Integrado de Educação Pública) da Cidade de Deus. “Lá, percebi como a violência pode ser produzida pela própria clínica”, colocou.

Ele afirmou que há várias questões que se colocam aos psicólogos que trabalham em escolas, entre elas, o risco de produzir efeitos patologizantes. “Os psicólogos na Educação buscam promover dispositivos para que a escola possa refletir e criar alternativas para as dificuldades que surgem”. No entanto, geralmente, a própria escola não está aberta a esse trabalho. “Muitas vezes, a escola chama o psicólogo para fazer um trabalho ambulatorial, ou seja, fazer clínica e patologizar o aluno para que a própria escola não precise parar para refletir sobre suas questões”.

Essa situação ocorreu com o grupo do qual Alexandre participava, a Rede de Proteção ao Educando, que foi chamado ao Ciep. “Queriam que atendêssemos aos alunos que, segundo a avaliação da escola, eram mais ‘problemáticos’, ou seja, apresentavam agressividade, eram pouco atentos, ameaçavam os professores etc.” No trabalho, o psicólogo percebeu, contudo, que a agressividade também era uma forma de mostrar afeto e pertencimento. “Muitas vezes, um esbarrão diz muitas coisas. O corpo se deixar tocar dessa forma era um modo de se relacionar”.

Além disso, uma das questões que apareceram foi que esses alunos não se deixavam intimidar pela escola, por meio de broncas ou advertências. “Eles invertiam o jogo; a escola é que se submetia a eles”. Segundo o psicólogo, isso mostra que os alunos, na verdade, queriam a escola, mas não aquela que se apresentava a eles.

A atividade proposta por Alexandre foi a elaboração de um jornal do qual participassem os alunos ditos “problemáticos” ou não. “Aos poucos, o jornal recriava ao outro e a eles mesmos. Não havia tutela nem a idéia de ‘salvar’ os alunos”, declarou. “O interessante era que, apesar de a maioria das pessoas que chegavam à comunidade, inclusive jornalistas, perguntarem a eles sobre a violência e a pobreza, esses não eram temas que privilegiavam no jornal. Ou seja, pudemos criar uma outra via de presentificação desses alunos na escola que não fosse a via da violência”.

Finalizando a mesa, a psicóloga Ana Paola Frare (CRP 05/26474), supervisora de CAPS da Rede de Saúde Mental do Município do Rio de Janeiro, focou nos impasses que os psicólogos relatam a ela em supervisão, principalmente sobre a questão da violência e como agir diante dela.

“Escuto sempre na supervisão sobre questões relacionadas à violência. Um dos grupos é de mães que perderam seus filhos. O que elas definem como violência é: ‘algo direcionado a alguém, que não tem como se defender e sofre deste e com esta ação’ – ou seja, a ação não acaba ali, gera frutos. Assim, há uma sensação de impotência que, muitas vezes, gera impasses na clínica”.

A psicóloga também trouxe a questão das dicotomias que surgem nessa prática. “Aparece muito a dicotomia agressor-agredido. Dela, surge uma outra, a indivíduo-sociedade. Uma terceira é a verdade-delírio, ou seja, se o que o paciente fala é verdade ou fruto do seu delírio”.

Para Ana Paola, essas dicotomias são falsas, pois esses elementos não se dissociam. “Só existe o ‘um’ com o ‘outro’; só existe indivíduo com a sociedade. Da mesma forma, não interessa se um fato ocorreu daquela forma ou se é delírio do paciente; o que importa é como o sujeito vive aquela experiência. Por exemplo, no caso dessas mães, não importa se o filho morreu por atropelamento ou bala perdida, mas que ela o perdeu por um ato violento. É assim que elas sentem”.

Desse modo, o psicólogo teria que escapar desses dilemas. “Se os assumirmos dentro da clínica, isso vai gerar impasses. Vamos viver o dilema junto com o paciente, quando ele nos procurou para afastá-lo”. Além disso, para ela, “o impasse na clínica não é o quão violento foi o ato, ou seja, que quanto mais violento, mais difícil lidar com ele. O que interessa é como o sujeito vive aquele ato”.

Ao final das palestras, foi aberto um debate com os participantes, no qual as questões colocadas foram aprofundadas e complementadas.

Após a mesa, houve um coquetel no qual foram lançados quatro livros – “Caderno do I Prêmio Margarete de Paiva Simões Ferreira”, “Formação: ética, política e subjetividade na Psicologia; “Teatro e Psicanálise” e “Histórias de adoção: as mães” – e o DVD “Educação Inclusiva”.



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