A última atração do segundo dia da IV Mostra Regional de Práticas em Psicologia foi a mesa de debates Solas em punho, disparos sobre a cidade, organizada pela Comissão de Políticas Públicas do CRP-RJ. Como palestrantes, estiveram presentes a professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFRJ, Margarete Pereira, e o professor do Departamento de Psicologia da UFF, doutor em Psicologia Social pela USP e pós-doutor em Sociologia pela Universidade de Roma La Sapienza, Luis Antonio Baptista.
Cristiane Knijnik, psicóloga colaboradora da Comissão de Políticas Publicas do CRP-RJ, deu as boas vindas aos presentes e apresentou os palestrantes como “duas pessoas que nos instigam a pensar a cidade e a experimentá-la pela via do afeto”.

Luis Antônio Baptista, Cristiane Knijnik e Margare Pereira.
Margarete deu início à sua fala tecendo críticas à forma como pensamos a cidade atualmente e afirmando a importância de pensá-la a partir da perspectiva do sujeito e das diversas subjetividades possíveis no encontro entre ele e a cidade. “Nós discutimos muito pouco a cidade que temos, que queremos, enfim, a cidade que é nossa. É importante questionar o modo como observamos o sujeito e como pensamos o outro no espaço da cidade. Até quando vamos continuar a pensar o outro e a si próprio ignorando o sensível presente na projeção das cidades?”.
Em seguida, Margarete, nascida em Cuiabá, atualmente residente do Rio de Janeiro e que já morou também em Paris e São Paulo, falou a respeito da sua experiência urbana em cada uma destas cidades. “Ao longo da minha vida, eu vivi cidades como se atravessasse séculos e diferentes modos de produção de subjetividades. Eu carrego cada uma destas cidades comigo até hoje”.

Público assiste à mesa Solas em punho, sisparos sobre a cidade.
A professora abordou, ainda, os diferentes conceitos de cidade existentes para a cultura ocidental. “De forma geral, para o Ocidente, o conceito de cidade é visual e material. Para um arquiteto, por exemplo, este conceito se refere a uma parede, a pedra ou a cal; para os sociólogos, a cidade é algo do âmbito do político. No entanto, o que representa isso tudo se não pensamos o sujeito? Eu trabalho com o que está entre isto tudo, a partir da relação entre subjetividade e objetividade, mas indo para além disso”.
Ainda segundo ela, “as experiências urbanas são relações que construímos com as diversas paisagens presentes na cidade e com esses arranjos que vamos interiorizando em nossa percepção. A cidade é este fascinante exercício de transpor e criar limites e identidades. Precisamos habitá-la de múltiplas formas”.
Luis Antonio teceu críticas ao que chamou de presença exagerada dos profissionais psicólogos na mídia, que propagam, na maior parte das vezes, discursos reducionistas e baseados no senso-comum. “Incomoda-me muito o psicólogo ter sempre uma resposta para determinado fato, descartando a singularidade nele presente. Encontramos nos discursos psi na mídia uma série de falas que acabam corroborando práticas de medicalização, psicologização e patologização e desconsiderando a atualidade na qual estes fenômenos se inserem. Essa é uma questão de grande empobrecimento ético”.
Na visão do professor, é preciso entender estes fenômenos dentro de um conceito de atualidade que difere da ideia de presente, segundo o pensamento do acadêmico berlinense Walter Benjamin. “O presente é a transição entre o que já foi e o que será. A atualidade está ligada, como o próprio Benjamin aponta, a um conceito de ruptura. Quer dizer, a atualidade é um acontecimento que traz consigo ruptura, e este acontecimento pode nos ajudar a explicar fenômenos em voga hoje em dia, como a prática do bullying”.
Ao abordar a questão do uso que o profissional psicólogo faz da cidade quando atua neste espaço, Luis Antonio leu um artigo publicado no jornal O Globo em que o colunista Jefferson Lessa expõe uma situação de violência e preconceito vivenciada por ele na Urca, bairro de classe média alta tradicional da cidade do Rio, até então tido como pacato e imune a casos como estes.
“Isso é maravilhoso nesta cidade: o fato de um bairro como a Urca, berço de grande parte da intelectualidade do Rio, não estar imune a situações de violência presentes em bairros mais violentos da cidade. Por isso, acredito que a grande perversidade do capitalismo seja tirar a força dos paradoxos existentes na cidade, como na situação expressa pelo artigo. Para nós, psicólogos, é preciso ficar atento a estes fatos todos para nunca naturalizarmos o diagnóstico”.
Ao final das palestras, houve um debate com os presentes, no qual alguns pontos foram aprofundados. Entre eles, estavam as transformações na relação da sociedade com a rua ao longo do tempo e a relação da Reforma Psiquiátrica com o espaço urbano.