No dia 14 de maio, ocorreu, na cidade de Volta Redonda, o último evento do segundo ciclo de 2010 do Centro de Referências Técnicas em Psicologia e Políticas Públicas (CREPOP) do CRP-RJ, que abordou a atuação do psicólogo em Centros de Referência em Assistência Social.
A psicóloga e assessora técnica do CREPOP-RJ, Beatriz Adura Martins (CRP 05/34879), iniciou o encontro explicando a função do Centro de Referências como dispositivo de pesquisa e mapeamento da atuação dos profissionais de Psicologia no campo das políticas públicas.
“O objetivo é mapear e referenciar a atuação dos psicólogos para identificar onde esse profissional atua nas políticas públicas, como se dá essa atuação e quais são as suas limitações, para, assim, podermos conversar com gestores, com a academia, e ver como essa referência pode se inserir na formação profissional”, afirmou.
No entanto, a psicóloga ressalvou que “a referência que é produzida a partir desse mapeamento é somente mais um modo coletivo de discutirmos com a categoria para sabermos, minimamente, como a política pública se dá. A ideia não é fazer com que o psicólogo abra o livro de referências e o siga como se fosse mais uma norma. Nas referências, identificamos coisas potentes, mas também muitas limitações da prática”.
Beatriz destacou também a importância de o psicólogo preencher o questionário on-line, presente no site do CREPOP Nacional. “O questionário on-line é o instrumento que nos dá a base quantitativa para a criação da referência. Além disso, é importante que ele seja respondido para garantir a representatividade dos psicólogos do Rio”.
Beatriz explica o Crepop.
Em seguida, ela explicou que a dinâmica do evento seria realizada a partir da metodologia sociodramática. Assim, os participantes foram convidados a se dividirem em duplas, para, depois, apresentarem o companheiro em primeira pessoa, como se estivessem falando de si próprios. “Com essa dinâmica, já estamos mapeando as práticas de vocês, diferente de se fizéssemos uma palestra. Nosso objetivo é mapear, pela fala dos participantes, quais são os serviços e os atores dessa rede”, colocou a psicóloga.
Durante a apresentação, psicólogos de diversos municípios do estado – como Barra Mansa, Volta Redonda, Resende, Quatis, Mendes, Paulo de Fronteim, Vila Rica e Campos – e uma assistente social falaram um pouco sobre a sua atuação profissional no campo da Assistência. Eles colocaram que sua expectativa para o encontro era de promover um espaço de troca de experiências e ideias e aprender sobre a prática de psicólogos de outras regiões.
Depois, os presentes se dividiram em quatro grupos com o objetivo de montarem uma cena para ser eleita e dramatizada pelo grupo. Foi escolhida a história chamada “Dia a dia no CRAS”, que narrava a trajetória de Maria, uma mulher com cinco filhos que recorre ao Centro de Referência em Assistência Social (CRAS) porque sua casa foi interditada pela Defesa Civil, para buscar ajuda no cadastro no programa Bolsa Família e para obter a certidão de nascimento de um de seus filhos.
Quando chega ao CRAS, Maria pede pelo atendimento de uma assistente social, mas acaba sendo assistida por uma psicóloga, que, depois de ouvir e acolher suas demandas, opta por fazer uma visita familiar. Ao chegar à casa da usuária, a profissional é surpreendida pelos cinco filhos que logo questionam se a psicóloga seria aquela que lhes daria cesta básica. Ainda durante a visita, Maria relata à psicóloga que seu marido, desempregado há algum tempo e usuário de álcool, a agredia também. Nesse momento, o marido, alcoolizado, escuta o relato e ameaça sua mulher. A psicóloga, por sua vez, afirma que não poderia conceder a cesta básica de imediato porque precisaria avaliar a situação com calma. Dias depois, após chegar ao CRAS repleta de hematomas, Maria é encaminhada para um centro de acolhimento da mulher em situação de violência. A encenação chegou ao fim no momento em que Maria questiona para que servia um psicólogo dentro do CRAS.
Durante a encenação, muitos participantes se propuseram a ocupar outros papéis que não o de psicólogo, como o de Maria, seu marido, seus filhos e o assistente social. Esse exercício foi proposto para que os profissionais pudessem se ver no lugar do outro, fosse da pessoa atendida, de outros profissionais com lidam no dia-a-dia ou de outros atores que compõem a Rede de Assistência.
Nesse momento, foi dado início ao debate, em que os participantes relataram, entre outros pontos, dificuldade em reconhecer seu papel como profissionais de Psicologia dentro da Rede de Assistência, além de problemas em atuar em conjunto com profissionais de outras áreas, como assistentes sociais.
A primeira questão trazida pelo grupo foi o fato, recorrente em alguns municípios da região, de haver resistência, ou mesmo proibição, de que o psicólogo assine relatórios junto com assistentes sociais. Segundo uma participante, no cotidiano do CRAS assistentes sociais e psicólogos elaboram diversos relatórios que são utilizados para o trabalho interno de toda a equipe, como também relatórios que são solicitados pelo poder judiciário que envolva algum usuário do serviço.
Sociodrama
O grupo de profissionais participantes do ciclo avaliou que esta postura de assinar relatórios separadamente não representa a postura da maioria dos assistentes sociais, já que, entre os presentes, foram vários os relatos de trabalho em cooperação com os assistentes sociais.
Em seguida, foram debatidos alguns dos pontos que dizem respeito ao papel do psicólogo no CRAS. Um dos fatores apontados pelo grupo se refere aos casos em que os assistentes sociais que trabalham no CRAS esperam que o papel do psicólogo seja bem próximo daquele modelo mais clássico de prática clínica individual, quase privatista. Assim, seguindo essa linha de raciocínio, caberia ao psicólogo do CRAS fazer atendimentos psicoterápicos individuais, por exemplo.
Conforme relatou uma psicóloga, “a entrada do psicólogo nos CRAS, além de ser recente, trata de uma questão maior porque causa tumulto dentro da Assistência. E isso se deve muito à falta de posicionamento político do próprio profissional de Psicologia”.
A partir da fala dessa participante, o grupo debateu se caberia ao psicólogo discutir com a equipe
esses conflitos que emergem entre o que é esperado dele e o que cabe a ele como profissional inserido num serviço de base comunitária e não individual. Nesse sentido, alguns presentes do grupo se questionaram se, uma vez que o trabalho é feito em equipe e todos os profissionais contribuem com suas especificidades para o atendimento ao coletivo da comunidade, porque algum desses profissionais seria menos apto a formalizar essa atenção num relatório?
Ainda sobre o tema dos relatórios, outro participante alegou que se sente “desqualificado” por não poder assinar relatórios – já que estes são instrumentos que formalizam a prática e as diferentes contribuições dos profissionais da equipe. “O relatório é feito em conjunto com os assistentes sociais e o fato de eu não poder assiná-lo sugere que não tenho capacitação técnica para isso”.
Esse ponto de debate foi finalizado a partir das informações e esclarecimentos da psicóloga Beatriz Adura de que o CRP-RJ já está informado das ações e interferências que tal deliberação vem se efetivando em regiões específicas do nosso estado. Ela aproveitou para reiterar a avaliação do grupo de que esta não é uma postura geral dos profissionais da assistência social e de que o CRP-RJ está em contato com os psicólogos das regiões que vem passando por essa situação. Além disso, indicou que a perspectiva do CRP-RJ é contrária a esse tipo de ação dos Conselhos que tendem a ditar e congelar o fazer de sua categoria e ainda gerar consequências para o fazer de outras categorias profissionais.
Sociodrama
Outro aspecto importante no debate foi o papel do psicólogo na Rede de Assistência e como distingui-lo do papel de atuação dos assistentes sociais. “Na Assistência, sempre houve essa discussão sobre qual era o papel do psicólogo e do assistente social. Porém, no cotidiano, ambos os papéis se misturam muito na prática do acolhimento”, destacou uma profissional. “Não podemos esquecer que os dois olhares podem, e devem, ser complementares”.
Os obstáculos e as limitações da prática psicológica nesse espaço também estiveram presentes na discussão. Para um participante, “existe a dificuldade do psicólogo em acompanhar as famílias atendidas e trabalhar, junto a elas, na prevenção. Faltam assistentes sociais em muitos CRAS e nós, técnicos, não podemos ficar a reboque do que o gestor quer. Precisamos lutar por um trabalho mais intersetorial, de cooperação entre os profissionais”.
Conforme questionou uma psicóloga, “será que os CRAS estão mesmo efetivando uma prática de proteção ou nós, os profissionais que estamos dentro desse espaço, estamos agindo só para apagar incêndio? Acabamos por não ter poder para modificar ou adequar as políticas públicas à realidade de cada região e, com isso, não conseguimos assumir nosso papel na proteção básica, justamente porque estamos, o tempo inteiro, realizando trabalhos emergenciais”.
Nesse sentido, os participantes levantaram a questão da prevenção. “A prevenção deve ser vista como algo ligado ao acesso, pois, quando prevenimos, estamos também dando possibilidades a esse usuário. Preocupa-me a burocratização dos nossos serviços dentro do CRAS. O que nós, técnicos, temos feito para mostrar nossa autonomia na Rede e qual o lugar do usuário na política pública de Assistência Social? São questões que precisamos ter em mente no dia a dia de trabalho”.
Um psicólogo presente, no entanto, ressalvou a importância de ser repensado o próprio conceito de prevenção. “De que tipo de prevenção estamos falando? Será que quando estamos atuando no CRAS não estamos partindo do pressuposto de que ‘algo’ vai atingir os usuários do sérvio? Quer dizer, quando lidamos com esses usuários, na verdade, estamos lidando com um dado grupo social o qual nós, de outro grupo social, vamos pressupor que mazelas os atingirão e, dessa forma, vamos trabalhar para prevenir que essas mazelas atinjam essa população. Percebo que é como se nós, psicólogos, já tivéssemos um certo destino para esses usuários. Nesse sentido, o trabalho de ‘prevenção’ estaria sendo quase que oposto ao sentido de autonomia porque nós não estaríamos partindo desse pressuposto, mas do pressuposto dos ‘fatores de risco dos quais temos de nos prevenir ”.
Os presentes apontaram ainda o pouco conhecimento por parte da população sobre as atividades desenvolvidas por cada CRAS e a falta de articulação dentro da própria Rede como fatores que fragilizam a atuação dos profissionais de Saúde na Assistência.
Ao final, os participantes se mostraram muito satisfeitos com os resultados do encontro. Uma psicóloga, por exemplo, afirmou que “o evento foi bastante produtivo e enriquecedor porque troquei ideias e experiências, aprendi mais sobre outros serviços e realidades do psicólogo no CRAS e também por conta da possibilidade de formar rede a partir de encontros como este”.
Como ela, os demais presentes também ressaltaram a importância do evento, que possibilitou o início da construção de redes e de uma articulação política que poderá fortalecê-los no campo da Assistência Social.
Texto e fotos: Felipe Simões
17 de Maio de 2010