auto_awesome

Noticias






CRP-RJ sedia seminário sobre saúde mental da população negra


Data de Publicação: 16 de dezembro de 2009


O CRP-RJ apoiou e sediou, no dia 4 de dezembro, o I Seminário População Negra e Saúde Mental do município do Rio de Janeiro. O evento foi realizado pelo Instituto de Psicossomática Psicanalítica Oriaperê em parceria com a Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde.

Foto do público do I Seminário População Negra e Saúde Mental do município do Rio de Janeiro.

Foto dos palestrantes Adriana Soares Sampaio, José Marmo da Silva, Maria da Conceição Nascimento, Louise Silva, Maria da Glória Michele e Martius das Chagas.

A mesa de abertura do I Seminário População Negra e Saúde Mental do município do Rio de Janeiro teve a participação de Adriana Soares Sampaio, José Marmo da Silva, Maria da Conceição Nascimento, Louise Silva, Maria da Glória Michele e Martius das Chagas, na sequência.

Na mesa de abertura, coordenada por Adriana Soares Sampaio, do Instituto Oriaperê, estiveram presentes representantes de diversas instituições. José Marmo da Silva, secretário executivo da Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde, começou falando sobre o impacto do racismo na saúde mental da população negra. “Apesar de ser muito importante, a saúde mental é muitas vezes esquecida quando se fala em saúde da população negra. O Brasil tem a segunda maior população negra do mundo, e mais de 50% da população brasileira é de negros. Só isso já é um respaldo para essa população ser olhada”.

Maria da Conceição Nascimento (CRP 05/26929), psicóloga e conselheira coordenadora do Grupo de Trabalho de Psicologia e Relações Raciais do CRP-RJ, falou sobre a criação do GT e destacou a importância de a Psicologia pensar o racismo. “Esse campo é muitas vezes difícil, pela dificuldade que temos de encarar o racismo na nossa sociedade. Estamos abertos a críticas e sugestões, pois é assim que vamos construindo um serviço de Psicologia mais comprometido com a realidade do nosso povo”.

Em seguida, Maria da Glória Michele, conselheira do Conselho Municipal de Saúde, ressaltou que a maior parte dos atendimentos na Saúde Pública é feito à população negra. “A maior demanda em todos os hospitais públicos é de pessoas negras. A essa população só foi dada a possibilidade de viver excluída da sociedade, sem acesso à educação e ao trabalho. Exclusão leva ao sofrimento mental”.

Segundo Louise Silva, da Superintendência de Promoção de Saúde e do Comitê Técnico de Saúde da População Negra/SMS-RJ, uma dificuldade em debater o tema é a crença de que não há diferença no atendimento à população negra nas unidades de saúde. “Os profissionais de Saúde Mental precisam ser inseridos e discutir Saúde Mental para a população negra”.

Finalizando a mesa, Martius das Chagas, subsecretário de Ações Afirmativas da Secretaria Especial de Políticas de Promoção de Igualdade Racial (SEPPIR), falou sobre a importância de as políticas de promoção da igualdade racial se darem nas esferas municipal, estadual e federal, além dos órgãos de controle social. “Não adianta só o Estado estar sensível ao tema. É preciso que isso se traduza em orçamento e em políticas efetivas, para que o negro saia da condição de subcidadania”.

Após a mesa, foi exibido um vídeo sobre o Programa de Combate ao Racismo Institucional (PCRI). O filme levantou questões sobre o comportamento do Estado diante dos direitos da população negra, incluindo a violência policial, o atendimento precário em hospitais etc.

Painel 1 – A Política Nacional de Saúde Integral da População Negra

Foto dos palestrantes Louise Silva, Damiana Miranda e José Marmo da Silva.

Louise Silva, Damiana Miranda e José Marmo da Silva, da esquerda para a direita, debateram “A Política Nacional de Saúde Integral da População Negra e suas interfaces com a saúde mental”.

O Painel 1, que ocorreu em seguida, foi coordenado por Louise Silva e teve como tema “A Política Nacional de Saúde Integral da População Negra e suas interfaces com a saúde mental”. Foram convidados José Marmo da Silva e Damiana Miranda, médica Ph.D. em Antropologia Psiquiátrica da World Learning – SIT Study Adroad.

José Marmo traçou um breve histórico da saúde brasileira. “Antes da criação do SUS, a saúde não era considerada um direito social”. Segundo ele, esse pensamento começou a mudar com movimentos sociais, o que desembocou na 8ª Conferência Nacional de Saúde, em 1986. “Pela primeira vez, mais de cinco mil representantes da sociedade civil discutiram um novo modelo de saúde para o Brasil. O resultado foi garantir na Constituição, por meio de emenda popular, que a saúde é um direito do cidadão e um dever do Estado”.

Marmo explicou ainda que o SUS é o plano de saúde de 80% da população brasileira, principalmente da população negra, que nem sempre consegue atendimento de qualidade. Essa discriminação, segundo ele, é resultado, em parte, do imaginário negativo que cerca os negros. “Cabe perguntar como esse imaginário interfere na autoestima, nas ações de saúde e na garantia do direito humano à saúde”.

Nesse sentido, a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra viria reconhecer o racismo institucional e as desigualdades étnico-raciais como determinantes sociais das condições de saúde, visando à promoção da equidade. “O objetivo geral é o combate ao racismo e à discriminação nas instituições e serviços do SUS”, completou.

Damiana Miranda, em seguida, falou da relação do racismo com a depressão, o estresse e a ansiedade. “Foi feito um estudo com 140 mil pessoas e constatou-se que as brancas não pensavam no fato de serem brancas; já os negros pensavam na questão da raça diariamente. É muita pressão”, disse.

Para ela, “há uma associação entre saúde, desigualdades raciais e condições socioeconômicas. A população branca tem um aumento de quase dez anos na expectativa de vida, por exemplo. As comunidades são estratificadas em termos socioeconômicos e raciais/étnicos, o que articula e determina uma série de fatores de riscos psicossociais e comportamentais para a saúde”.

A psiquiatra ressaltou também que, biologicamente, não existe o conceito de “raça” com relação a seres humanos. “Hoje, sabe-se que negros e brancos são mais semelhantes do que diferentes em termos biológicos e genéticos. Raça é apenas uma construção social. Aceitar o outro com suas diferenças é difícil, devido à sociedade em que vivemos”.

Painel 2 – Desigualdades raciais em saúde

Foto da mesa de palestrantes do segundo painel.

O segundo painel debateu o tema “Desigualdades raciais em saúde”.

O segundo painel, coordenado por Maria da Conceição Nascimento, teve como tema “Desigualdades raciais em saúde” e contou com a presença do conselheiro-presidente do CRP-RJ, José Novaes (CRP 05/980), que apresentou as boas vindas aos participantes e ressaltou a importância do evento.

Renata Weber, que atua na área técnica de saúde mental do Ministério da Saúde, comentou que a preocupação maior é agilizar a inclusão das questões raciais nas políticas de saúde mental. Segundo ela, em 2007, o racismo passou a ser considerado um fator de influência na saúde mental da população negra e, no ano seguinte, ações práticas, como o fortalecimento da atenção para a prevenção dos agravos decorrentes do racismo, foram realizadas. “Na III Conferência Nacional de Saúde Mental, em 2001, dentre as 1100 teses apresentadas, somente duas abordavam essa questão. Esse seminário de hoje pode contribuir para ‘cutucar’ as pessoas para a próxima. Caso as propostas sejam aprovadas, elas passam a representar as diretrizes para as ‘gerências’ municipais”.

A médica Rosana Iozzi, da Secretaria Municipal de Saúde e Defesa Civil do Rio de Janeiro, mostrou alguns indicadores de saúde de 2000 a 2006, comparando as populações negra e branca. Ela comentou que, nesses seis anos, a mortalidade materna, infantil e de mães adolescentes se manteve acima da média geral. “Ao analisarmos a taxa de mortalidade por causas como neoplasias, diabetes mellitus e doenças isquêmicas do coração, por exemplo, veremos que os números são relativamente próximos, por se tratarem de doenças relacionadas ao envelhecimento e, por consequência, ao aumento da qualidade de vida. Mas, se formos avaliar a de morte por agressão, os negros estão acima, assim como a morte por doenças como tuberculose e transtornos mentais e comportamentais. Com isso, percebemos as desigualdades existentes”.

Já Cida Patroclo, médica e representante da ONG Criola, mostrou como as políticas públicas podem ser encaminhadas segundo o modelo de Kingdon. De acordo com ele, é preciso avaliar três fluxos: de problemas, soluções e política. “O primeiro avalia os indicadores, feedback e crises; o segundo deve dar conta dos problemas, percebendo qual a viabilidade técnica, aceitação e custos toleráveis; já o terceiro leva em conta o clima nacional e forças políticas organizadas. Caso se consiga organizar os três de maneira bem sucedida, abre-se uma janela de oportunidades”. Cida também falou que, segundo estatísticas, de 1979 a 2007, houve um aumento de 300% no peso das mortes por transtornos mentais em relação a outras causas. “Para amenizar isso, precisamos realizar mais trabalhos sobre questões raciais e saúde mental”.

Painel 3 – População negra, saúde mental e impactos do racismo

Foto da mesa de palestrantes do terceiro painel.

“População negra, saúde mental e impactos do racismo” foi o tema debatido no terceiro painel.

A primeira palestrante do terceiro painel do dia, que teve como tema “População negra, saúde mental e impactos do racismo”, foi Edna Muniz. Ela abordou o sofrimento psíquico nas relações de trabalho e afirmou que, no campo da saúde do trabalhador, é preciso realizar uma análise do contexto no qual o indivíduo vive, além de considerar a atenção integral, a capacitação e a vigilância da saúde do trabalhador. “No Brasil, não há uma notificação de doenças do trabalho, além da não-inclusão do quesito ‘cor’ em pesquisas governamentais. Dessa forma, fica muito difícil produzir dados sobre as mortes dos trabalhadores que envolvam a questão racial”.

Edna também falou sobre assédio moral no ambiente de trabalho e o dano psíquico que ele causa. “É considerado assédio moral a exposição da pessoa a situações humilhantes e constrangedoras, de maneira repetida e prolongada. Normalmente, ele ocorrer nas relações chefe-subordinado. Isso pode causar irritabilidade, perda de ânimo para o trabalho e distúrbios psicossomáticos como pressão alta e taquicardia. Em casos mais extremos, pode levar até ao suicídio”. Para ela, o desafio atual é o desenvolvimento de políticas nos setores público e privado, além de promover uma gestão da diversidade nas diferentes instituições.

A representante do Instituto Amma de Psique e Negritude, Marisa da Silva, apoiou sua explanação em algumas estratégias para a desconstrução do racismo introjetado e sua influência no ambiente de trabalho. “O racismo institucional gera iniquidades, colocando pessoas de grupos étnicos raciais discriminados em situação de desvantagem no acesso a benefícios. Isso gera uma desvalorização dos atributos humanos, deixando o sujeito vulnerável, suscetível e humilhado”. Segundo ela, existem alguns mecanismos psíquicos de defesa para um melhor entendimento da questão racial e da dominação. “São eles a negação, racionalização, repressão e identificação. Para mudar essa atitude, precisamos identificar o racismo institucional, além de tentar provocar no outro uma empatia com o sofrimento alheio”.

O último convidado do painel Marco Antonio Guimarães, do Instituto Oriaperê, discorreu sobre o acúmulo de tensões psíquicas nos indivíduos que sofrem com o racismo. “Não há um extravasamento e isso tem uma influência nas subjetividades. Temos que levar em conta que o racismo faz parte da estrutura da sociedade. Se não o virmos dessa maneira, a questão vai continuar passando despercebida”.

Conceição finalizou o encontro afirmando que “a instituição escravidão ainda está presente na sociedade e insiste em colocar ou ver o negro no lugar subalterno. Precisamos nos livrar dessas marcas e passar a enxergar as diferenças como constitutivas da humanidade. Negros, brancos – não importa a raça/cor – são formas distintas de expressão de uma mesma humanidade”.

Texto e fotos: Ana Carolina Wanderley e Bárbara Skaba

16 de dezembro de 2009