A Comissão de Educação do CRP-RJ, a Abrapso Núcleo Rio de Janeiro/Regional Rio e a UFRJ promoveram, no dia 26 de novembro, o encontro Psicologia Social e Educação: cartografando práticas. O evento teve como objetivo promover um diálogo sobre o tema e estimular reflexões nos espaços coletivos de ação.
Representando a Comissão de Educação, a conselheira do CRP-RJ Rosilene Souza de Cerqueira (CRP 05/10564) participou da mesa de abertura. Ela explicou que o Conselho se propôs a realizar a parceria com a Abrapso devido à importância de se pensar um novo modelo de Educação. “Essa iniciativa rompe com um certo papel que a Psicologia vinha ocupando na Educação, com uma visão biologizante e medicalizante. Produzimos o novo nos encontros com o outro. Por isso, desejo a todos, hoje, bons encontros!”.
Participaram da mesa também o diretor do Instituto de Psicologia da UFRJ, Marcos Jardim Freire; a psicóloga e vice-presidente do Regional Rio de Janeiro da ABRAPSO, Ana Maria Jacó-Vilela (CRP 05/661); o psicólogo e diretor adjunto da Divisão de Psicologia Aplicada Prof.ª Isabel Adrados da DPA/IP/UFRJ, Antonio Geraldo Peixoto Filho (CRP 05/ 668); a chefe do Departamento de Psicologia Social e responsável pela disciplina Psicologia Escolar e Problemas de Aprendizagem do IP/UFRJ, Angelina de Belli Lima (CRP 05/18230); a coordenadora do Núcleo Rio de Janeiro/Regional Rio de Janeiro da ABRAPSO, Adriana Carrijo (CRP 05/20698); e a secretária do Núcleo Rio de Janeiro/Regional Rio de Janeiro da ABRAPSO e coordenadora técnica da Divisão de Psicologia Aplicada Prof.ª Isabel Adrados do IP/UFRJ, Lilian Ulup (CRP 05/2089).
A formação do psicólogo escolar
Kátia Aguiar, Lilian Ulup e Diva Lúcia Gautério Conde, na sequência, participaram da mesa temática “A formação do psicólogo escolar: ziguezagueando entre avanços e recuos”.
A primeira mesa temática, “A formação do psicólogo escolar: ziguezagueando entre avanços e recuos”, foi mediada pela psicóloga Lilian Ulup.
Segundo a primeira palestrante, a psicóloga e professora da UFF Kátia Aguiar (CRP 05/5549), é preciso pensar sobre o diálogo entre Psicologia e Educação. “Se temos emprestado ferramentas à Educação, a Educação também nos coloca uma forma de fazer a formação. É um modelo seriado, que coloca qual é o ‘modo correto’ de ensinar. Muitas vezes, isso fica naturalizado, como se não houvesse opção”.
A psicóloga ressaltou ainda que deve haver um “deslocamento paradigmático”. Um exemplo seria uma mudança de abordagem do estágio supervisionado. “O supervisor também é professor, acumula uma dupla função. Isso cria o risco de haver confusão nos papéis e o estágio virar apenas uma confirmação da teoria que o aluno aprende na disciplina. Os estudantes não podem continuar tutelados pelo professor, devem formar suas próprias questões”.
A psicóloga e professora da Faculdade de Educação da UFRJ Diva Lúcia Gautério Conde (CRP 05/1448) traçou um breve histórico da Educação. “A Educação se constitui enquanto instituição na Modernidade, quando passa a ser gerida pelo Estado, que toma para si o papel de regulação da vida das crianças e das famílias. No século XVIII, há ideias sobre a universalidade da Educação, mas não sua igualdade”.
A entrada da Psicologia na escola teria se dado apenas no século XX. “A escola passa a ser vista como intermediária entre a infância e a inserção no mundo do trabalho. A Psicologia, então, entra para identificar um problema centrado no aluno. Quando o aluno não se encaixava no modelo de repetição do que o professor dizia, era porque ele tinha um problema de aprendizado. Aí, ele era encaminhado ao psicólogo, que é o que ocorre até hoje”.
Formas contemporâneas de controle
Kátia Flores Pinheiro, Adriana Carrijo e Helena Rego Monteiro, na sequência, participaram da mesa “Formas contemporâneas de controle: a medicalização do cotidiano escolar”.
A segunda mesa teve como tema “Formas contemporâneas de controle: a medicalização do cotidiano escolar”, tendo mediação da psicóloga Adriana Carrijo. A psicóloga Helena Rego Monteiro (CRP 05/24180), colaboradora das Comissões de Direitos Humanos e de Educação do CRP-RJ, começou contando sobre uma orientanda sua, que, como professora alfabetizadora, espantou-se ao perceber que vários alunos, entre 5 e 6 anos de idade, tomam antidepressivos acreditando que precisam do medicamento para ficarem “bonzinhos” e controlados.
“Hoje, não é raro encontrar, em mochilas escolares, uma caixa de Ritalina ou qualquer outro fármaco dividindo o espaço com o lanche, os cadernos e as canetas, dando-nos a impressão de que, naturalmente, fazem parte do material escolar. Como se produziu a necessidade de psicofármacos no tratamento das dificuldades escolares? Que discursos foram acionados neste processo?”, indaga.
Para Helena, a vida, a partir da modernidade, passou a ser objeto de intervenção da medicina. “É uma medicina composta por um saber que incide ao mesmo tempo sobre o corpo e sobre a população, sobre o organismo e sobre os processos biológicos. Uma medicina com efeitos disciplinares e regulamentadores. Na contemporaneidade, há uma intensificação deste processo com a medicalização da vida do escolar. Inventa-se a doença do não aprender e seu respectivo fármaco”. Entretanto, ela adverte que o processo de medicalização deve ser pensado para além da prescrição do medicamento. “Proponho pensar a medicalização como engrenagem, como o movimento de uma medicina que transforma a vida em objeto de sua intervenção prescrevendo normas e condutas para todos os níveis da existência”.
Kátia Flores Pinheiro (CRP 05/9627), psicóloga e professora da Universidade Estácio de Sá, falou, em seguida, relacionando a medicalização com o controle do corpo. “Medicamento está ligado ao ato de curar, o que significa colocar o corpo em um estado de ‘normalidade’. Na sociedade atual, a medicalização faz parte de um conjunto de novas estratégias de controle do corpo, e seu uso está presente nos dispositivos de controle do sistema educacional”.
Para a psicóloga, esse processo expressa o binômio “normal-anormal”, que regeria a sociedade contemporânea, o que leva à tentativa de padronização. “A diversidade é vista como patologia. O sistema educacional se alia à medicalização sobre aquele que escapam á lógica comportamental instrumental. O medicamento é a grande solução para quem espera resultados rápidos”.
Educação Inclusiva
Mariana de Araújo Fiore, Iara Maria de Farias e Maria Teresa Esteban debateram o tema “Educação Inclusiva: o que queremos fazer caber na escola?”.
Mediada pela psicóloga e membro do Núcleo Rio de Janeiro/Regional Rio de Janeiro da ABRAPSO Iara Maria de Farias (CRP 05/36324), a terceira mesa teve como tema “Educação Inclusiva: o que queremos fazer caber na escola?”.
A mesa teve início com a pedagoga e professora do Departamento de Educação e do PPGE da UFF Maria Teresa Esteban, que começou questionando se a escola é realmente espaço para atuação do psicólogo. “Essa inserção do psicólogo na escola não é natural. A Psicologia pode ser parceira da Educação, mas não da forma como vem ocorrendo”, afirmou, acrescentando que os psicólogos tentam fazer clínica dentro do espaço escolar.
Segundo ela, a forma como a Psicologia vem se inserindo no espaço escolar reforça uma fragmentação. “Temos visto a grande preocupação com o ‘fracasso escolar’, que é colocado como expressão de um problema do indivíduo. Então, pegamos esse indivíduo e o colocamos em uma ‘forma’, para ele entrar na ‘normalidade’”.
Mariana de Araújo Fiore (CRP 05/35050), psicóloga, colaboradora da Comissão de Educação do CRP-RJ e professora de alfabetização, concordou com Maria Teresa sobre o lugar do psicólogo não ser naturalmente a escola e em qualificar a prática de atuação desse profissional no espaço escolar. “O saber da Psicologia é convocado para o espaço escolar mesmo sem a presença do psicólogo, mas esse profissional também vem sendo chamado a atuar na escola. E se ele quer caber na escola, precisa se ocupar das questões da escola e da Educação, ao invés de se preocupar em normatizar indivíduos”.
A psicóloga afirmou que existem diversas questões que atravessam e cabem na escola, mas se deteve em duas delas. A primeira foi o processo de individualização que ocorre na escola. “Os psicólogos e orientadores que trabalham na escola estão sobrecarregados de atendimentos a especialistas. As culpas, falhas e faltas são atribuídas e encorpadas nos sujeitos e perdemos o espaço das produções coletivas. Apesar de tanta gente, alunos, professores e psicólogos todos se queixam de um sentimento de solidão”.
O segundo ponto enfocado foi a formação para o trabalho. “Há a ideia de que se deve ir à escola para ‘ser alguém na vida’. A escola forma para o trabalho dentro de uma lógica de desigualdade e precarização. O mundo do trabalho sofre alterações pautadas por uma política que elege um modelo de competências individuais e professores e psicólogos ficam submetidos a essa lógica. O psicólogo que atua no campo escolar deve fazer um trabalho para além dos diagnósticos, síndromes, fracassos, deficiências e problemas. Se não pensarmos na questão da formação, reproduziremos a exclusão galopante que o capitalismo produz, enquanto conversamos sobre inclusão”.
Conferência de Encerramento
A conferência da psicóloga Adriana Marcondes Machado destacou que o desafio para a Psicologia na escola é fugir da produção de sintomas e da individualização.
O encerramento do evento ficou por conta da conferência da psicóloga Adriana Marcondes Machado (CRP 06/21157), doutora em Psicologia Social/USP e psicóloga do Serviço de Psicologia Escolar do Instituto de Psicologia/USP. Adriana começou falando sobre o Serviço de Psicologia Escolar do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP), criado para contrapor encaminhamentos de alunos da rede pública de ensino a psicólogos.
Segundo ela, quando a equipe entrava em contato com a realidade escolar, encontrava diversas dificuldades. “Nessas práticas, os psicólogos não tinham acesso aos elementos presentes no processo de produção da demanda de atendimento ou avaliação. Criamos um modo de trabalhar para estarmos mais próximos do território escolar. Fomos estabelecendo uma relação com os professores com a finalidade ampliar o campo de análise e discutir ações em relação às problemáticas apresentadas”.
Adriana acredita que essas ações são importantes para tentar resolver desafios que se impõem à escola, aos professores e aos psicólogos. “As situações vividas revestem-se de muita intensidade. A pobreza, o tráfico, o sofrimento, a violência, o abuso, a solidão, a miséria, a doença, as más condições de trabalho, o excesso de aulas, entre outros, estão presentes em muitas histórias. Sem tempo para criar formas de enfrentamento, as condições de trabalho têm levado muitos professores a adoecimentos. As questões sociais que perpassam o dia-a-dia escolar são muito intensas e têm exigido a articulação desses equipamentos com outros”.
Para Adriana, outro desafio para a Psicologia na escola é fugir da produção de sintomas e da individualização. “Buscam-se soluções e alívios imediatos individuais para adoecimentos que se estabelecem socialmente: atendimentos, remédios, nutricionistas, psicólogos, especialistas etc. como formas de enfrentar um funcionamento social em que se intensifica a competição, o consumo, a necessidade de mais e mais e a sensação de que, se não conseguimos algo, é porque nos faltou força individual para lutar. Estão dados alguns elementos desse cenário. O que não podemos é agir como presas fáceis e agentes dessas forças que operam desigualdades”.
Ela destaca, no entanto, que a estratégia não deve ser de enfrentamento, mas de diálogo com os demais profissionais. “Na relação da Psicologia com a Educação, alguns psicólogos avaliam como inadequados os pedidos de atendimento individual feitos pelos professores, ficando ressentidos pelo fato de esses mesmos professores não quererem aquilo que os psicólogos propõem como forma de trabalho. Os pedidos de diagnóstico com efeitos individualizantes são engendrados por práticas, saberes, relações de poder, efeitos de verdades. Portanto, ao julgarmos o pedido de avaliação individual como algo equivocado, estamos transformando-o unicamente nisso e desconsiderando esses elementos”.
Texto e fotos: Bárbara Skaba
02 de dezembro de 2009