“O CRP-RJ tem uma posição: a de que o exame criminológico não é o melhor instrumento para se trabalhar dentro do Sistema Penitenciário”. Foi dessa maneira que a psicóloga e conselheira do CRP-RJ Ana Carla Souza Silveira da Silva (CRP 05/18427) abriu o encontro que o Grupo de Trabalho de Psicologia e Sistema Prisional promoveu, no dia 24 de novembro, na sede do CRP-RJ, para debater o exame criminológico.
Evento teve objetivo de expor à sociedade em geral, inclusive à mídia, os principais pontos do debate sobre o exame criminológico.
Na ocasião, a conselheira e coordenadora do GT, Maria Márcia Badaró Bandeira (CRP 05/2027), explicou que a ideia do evento era expor à sociedade em geral, inclusive à mídia, os principais pontos do debate sobre o exame criminológico e “esclarecer os engodos desse instrumento, realizado por psicólogos, psiquiatras e assistentes sociais do Sistema Prisional, não só pela total ausência de cientificidade, como também pelas condições precárias e antiéticas nas quais é realizado. Normalmente, há uma única entrevista com duração máxima de meia hora, em razão do grande número de presos para cada dois psicólogos por unidade, atendidos sem qualquer privacidade. Isso fere o Código de Ética Profissional dos Psicólogos”.
Márcia explicou, ainda, que o exame foi instituído em 1984 pela Lei de Execução Penal, com a finalidade de fornecer informações ao Ministério Público (MP) e ao juiz da Vara de Execuções Penais (VEP) sobre a “personalidade” do condenado e a possibilidade do mesmo vir, futuramente, a cometer delitos, ou seja, se o preso está em condições de viver em liberdade sem riscos para a sociedade. Segundo ela, esse exame foi extinto em 2003 pela Lei 10.792, “pela total impossibilidade de ser um instrumento capaz de prever comportamentos futuros”. Porém, no Rio de Janeiro, o MP e o juiz da VEP continuam a exigi-lo descumprindo a nova lei.
Ana Carla questionou o papel que se espera do psicólogo no Sistema Penitenciário com o exame criminológico. “Fazer exames, testes, avaliações, enfim, faz parte das nossas atribuições, mas o que queremos é qualificar essa discussão, como esse instrumento vem se dando na prática”
Ainda de acordo com a conselheira, “precisamos saber em que contexto estamos vivendo, e por que a Justiça vem precisando criar novos argumentos para continuar aprisionando pessoas. Precisamos nos perguntar qual é a nossa função de psicólogos lá dentro: sermos meros informantes do juiz sobre o comportamento desses sujeitos? É isso que a Justiça reserva ao trabalho das equipes multiprofissionais que atuam no sistema penitenciário?”.
Pedro Paulo Gastalho de Bicalho (CRP 05/26077), psicólogo e coordenador da Comissão Regional de Direitos Humanos do CRP-RJ, ressaltou que a posição contrária ao exame criminológico não é uma bandeira exclusiva desse Conselho, tendo sido fundamentada pela categoria de psicólogos durante os V e VI Congressos Nacionais de Psicologia (CNP).
Márcia complementou afirmando que, “no V CNP (2004), aprovamos uma tese pela inclusão da assistência psicológica da LEP. Sabemos que a alteração da lei é mais demorada, mas podemos fazer um movimento pela sua inclusão no Regulamento Penitenciário do RJ, pois isso já existe em outros estados. No VI CNP (2007), os psicólogos brasileiros deixaram clara a posição da Psicologia pela extinção do exame criminológico”.
Um psicólogo participante afirmou que o melhor caminho a ser seguido é o da conscientização, não o da punição. “É importante um trabalho de conscientização. Não existe uma raiz do mal ou um mal absoluto. Antes de convocar a categoria, nós temos de conscientizá-la”. Outro presente lembrou da importância “de a Psicologia, em sua imensa categoria profissional, assumir uma postura ético-política de afirmação imediata contra o exame”.
Márcia voltou a afirmar que o atual Plenário do CRP-RJ “chama atenção para o fato de que o exame não ter nada de cientifico e menos ainda de ético”. Segundo ela, com o exame, “os psicólogos são responsabilizados pelo insucesso do egresso, já que o judiciário se baseia nos exames criminológicos para conceder os benefícios legais da progressão de regime e do livramento condicional, como se tivéssemos o poder de garantir o comportamento das pessoas”.
Uma participante afirmou que, atualmente, há uma outra lógica para as prisões, pois o modelo disciplinar estaria “caído e disfuncional”. “A lógica agora das prisões não é mais disciplinar, é funcionar como depósito mesmo de pessoas. Eles não sabem mais o que fazer com o crime e resolveram voltar agora com a história do exame criminológico”, disse.
Um dos presentes afirmou que muitos psicólogos não se posicionam contrários a essa prática porque temem a redução do mercado de trabalho com o fim definitivo do exame criminológico.
Nesse sentido, Márcia ponderou que “há um Plano Nacional de Saúde para o Sistema Penitenciário, baseado nos princípios do SUS, criado em 2003, que coloca o psicólogo como um dos integrantes das equipes multiprofissionais de cada unidade prisional, atribuindo-lhes funções nas ações de prevenção e tratamento da saúde integral das pessoas presas. Alguns trabalhos vêm sendo realizados nesse sentido, mas estão sendo prejudicados pela grande demanda judicial dos exames criminológicos. A sociedade desconhece isso e por esse motivo achamos importante que ela esteja esclarecida”.
Os participantes apresentaram propostas para o Conselho Federal de Psicologia (CFP), com indicativo de uma Resolução impedindo a participação do psicólogo no exame criminológico, e para o CRP-RJ, de buscar articulações políticas para impedir a aprovação do projeto de lei que propõe a reintrodução do exame criminológico, além de encontrar interlocutores na mídia para abrir espaço de divulgação dessa temática.
Leia mais sobre o exame criminológico:
- Avaliação técnica do CNPCP sobre o Projeto de Lei do Senado 75/2007, que altera a Lei de Execução Penal, Lei no 7.210, de 11 de julho de 1984, para prever o exame criminológico para progressão de regime
- Manifesto do CFP
- Moção dos profissionais que atuam no sistema prisional e da sociedade civil organizada
- Carta dos psicólogos da SEAP ao CRP-RJ (dezembro de 2006)
- Ofício do CRP-RJ em resposta à carta dos psicólogos da SEAP (2007)
- Manifestação da Defensoria Pública do estado de São Paulo
- Documento de repúdio da Pastoral Carcerária/CNBB
Texto e fotos: Felipe Simões
02 de dezembro de 2009
atualizado em 03 de dezembro de 2009