O Grupo de Trabalho Psicologia e Mídia do CRP-RJ realizou, no dia 10 de novembro, uma roda de conversa para debater as relações entre psicólogos e a Comunicação. O encontro ocorreu na Universidade Federal Fluminense (UFF) e reuniu psicólogos, comunicólogos e estudantes. Como convidados, estiveram a psicóloga e cinegrafista Ângela Lopes, a conselheira e presidente do GT Psicologia e Relações Raciais do CRP-RJ, Maria da Conceição Nascimento, o psicólogo José Rodrigues e o professor de Comunicação Social da UFF Adilson Cabral.
Abrindo o evento, a conselheira Noeli Godoy, presidente do GT, propôs uma reflexão sobre como a Psicologia pode ser pensada em relação à Comunicação. “A Psicologia vem discutindo a Comunicação há anos, a partir do conceito de produção de subjetividades de Felix Guattari. O CRP-RJ também tem pensado a Comunicação inserida nas políticas públicas, como um direito humano”, ressaltou. “Esse debate vem se intensificando a partir de 2007, quando foi realizado o Seminário Mídia e Subjetividade, na UFRJ. O Sistema Conselhos criou o Coletivo de Comunicação, que lutou pela Conferência Nacional de Comunicação, com representação dos 17 conselhos regionais. No CRP-RJ, criamos ainda o GT Mídia e Psicologia”.
Segundo Noeli, o objetivo dessas ações é chamar a categoria a participar dos debates. “A Comunicação atravessa a Psicologia o tempo todo, nos consultórios, hospitais, escolas etc., mas muitas vezes não nos damos conta disso. Já recebi uma paciente no meu consultório, por exemplo, que leu uma matéria em uma revista e achou que estava com Síndrome do Pânico, pois acreditava que tinha todos os sintomas que a reportagem descrevia. Trabalhei isso com ela e, na verdade, ela não tinha a síndrome. Ou seja, a mídia já está diagnosticando”.
Em seguida, Ângela falou sobre a relação entre mídia, imagem e Psicologia. “A mídia hoje é voltada para o sujeito não pensar, não refletir sobre as coisas que o atingem. Enquanto psicólogos, temos que estar atentos a isso. Temos que pensar como poderíamos ocupar esses espaços do imaginário, inclusive o nosso, porque também somos atingidos pela mídia, por mais que tenhamos uma reflexão crítica sobre ela”, afirmou.
Para a psicóloga, a mídia usa a imagem de forma semelhante ao cinema. “A televisão herda muita coisa do cinema, que sempre usou subterfúgios de imagens. Um exemplo são as musas de Hollywood, que todas as mulheres queriam ser”, disse. “A democratização da Comunicação passa por micropolíticas. Como se produz um bom programa? Como podemos criticar a televisão? Além da discussão, temos que passar para um plano de ação, mesmo que sejam pequenos projetos”.
Maria da Conceição, por sua vez, conversou com os presentes sobre mídia e relações raciais. Segundo ela, “a mídia vende um padrão branco europeu, sem colocar a existência de outras raças. É preciso fazer as coisas circularem sem ficarem dependentes da grande mídia, que só veicula o que interessa a ela. As outras ações e sujeitos ficam como se nunca tivessem existido”, colocou.
Ela destacou o fato de só ser divulgada uma História “oficial”, que parte de apenas um ponto de vista. “A História que conhecemos é a dos vencedores, dos europeus. O restante fica de fora da mídia e dos livros didáticos. Não falo só dos negros, mas também dos índios e dos próprios brancos que não fazem parte desses vencedores. Essa é a História que não conhecemos, mas isso não significa que esses personagens não tenham existido. Há uma produção de esquecimento”.
José Rodrigues falou sobre a produção do medo na mídia, que acabam por legitimar as megaoperações policiais e a morte de muita gente.
Logo após, José Rodrigues falou sobre a produção do medo na mídia. “Minha pesquisa de mestrado é sobre a produção do medo no Rio de Janeiro, colocado pela mídia não mais como a ‘cidade maravilhosa’, mas como um lugar violento, assolado pelo tráfico de drogas. Isso serve para legitimar as megaoperações policiais, que mataram muita gente. Para atender o clamor da mídia por segurança, produz-se morte e sangue”, declarou. “O ‘novo modelo de segurança pública’, como a mídia chama, não tem nada de novo. No Brasil, o extermínio do pobre é praticado desde a colonização. E a mídia justifica o extermínio de seres humanos em prol da segurança. Essas pessoas são colocadas como criminosos ou como criminosos em potencial”.
Ele exemplificou com uma operação realizada em 2006 no Complexo da Maré, na qual foram mortas 19 pessoas. “Houve um extermínio. As pessoas foram mortas com tiros na nuca e estavam de joelhos, o que caracteriza execução. E, no mesmo, dia, o secretário de Segurança Pública, José Mariano Beltrame, participou da inauguração de uma casa de shows e foi ovacionado. Não é que essas pessoas que o aplaudiram sejam más; elas tiveram contato com a situação pela mídia, que não colocou como uma chacina, mas como uma operação policial bem-sucedida. É como se algumas pessoas tivessem que morrer para as outras ficarem seguras”.
Concluindo as falas dos convidados, Adilson Cabral analisou a interface da Psicologia com a Comunicação a partir do ponto de vista da segunda área. “O movimento pela democratização da Comunicação começou há 20 anos. E, desde que participo, há 15 anos, falo que pensar a democratização é ver a Comunicação integrada com outras áreas. Não temos que chamar esses outros campos para a Comunicação, mas ir até eles. Deve haver um movimento exógeno. No currículo da graduação em Comunicação Social, estão presentes disciplinas de várias áreas, como Antropologia, Filosofia, Economia etc., mas não há uma perspectiva de integração”.
Segundo o professor, a Comunicação é uma área muito frágil, tanto em relação ao movimento social quanto ao meio acadêmico. “Nas universidades, ela é vista como uma atividade-meio, que serve às outras; só somos chamados para produzir reportagens, filmar um evento etc. E, na sociedade, essa fragilidade aparece, por exemplo, na dificuldade de se manter um Conselho Nacional de Comunicação, apesar de estar previsto na Constituição Federal de 1988. Em 2002, ele chegou a ser aprovado, mas em seguida desapareceu novamente. Isso ocorre não por uma fraqueza inerente à Comunicação, mas devido à sua centralização.
Foi aberto, então, um debate com os participantes, no qual foram levantadas questões como: censura, classificação indicativa na televisão, formas de divulgar as ideias sobre democratização da Comunicação ao público, controle social da mídia e o fato de os psicólogos ainda precisarem se qualificar para esse debate.
Texto e Fotos: Bárbara Skaba
13 de novembro de 2009
atualizado em 16 de novembro de 2009