Na parte da tarde, a mesa A Inquirição da Criança e do Adolescente no Âmbito do Judiciário debateu os impasses do trabalho de acompanhamento e escuta de crianças e adolescentes vítimas de violência.
Maria Regina Azambuja, procuradora da Justiça do Ministério Público do Rio Grande do Sul e professora da Faculdade de Direito da PUC-RS, destacou as diferenças existentes entre inquirir e ouvir uma criança. Segundo ela, inquirir um criança e diferente porque “não há [na inquirição] respeito ao nível traumático da criança e adolescente nem se leva em consideração o nível de conhecimento, a idade de cada uma delas”.
Na avaliação da procuradora, o Depoimento Sem Dano “já nasce fulminado em nulidade”. “O Objetivo do DSD é afastar os prejuízos da inquirição da criança, mas não leva em conta a fragilidade de seu depoimento, já que foi ela quem sofreu a violência”.

A mesa “A Inquirição da Criança e do Adolescente no Âmbito do Judiciário” debateu os impasses do trabalho de acompanhamento e escuta de crianças e adolescentes vítimas de violência.
Ainda segundo ela, o DSD pode ser “danoso à própria vítima a quem se deseja proteger”, pois o dano que se pretende reduzir com tal prática é “simplesmente uma inquirição com a ausência do juiz”. “É ético e legítimo utilizar crianças e adolescentes para se obter o resultado pretendido?”, questiona a procuradora.
Maria Regina, no entanto, embora critique o DSD, diz acreditar que “as intenções eram boas” quando ele foi criado, mas ressalta que “ele carece de um elemento essencial, que é a transdisciplinaridade”. Para ela, “é preciso tirar da criança este encargo imposto pelo DSD” e afirmou que “a Psicologia e o Serviço Social têm outras ferramentas para ajudar a Justiça”.
Lucíola Macedo, psicóloga, psicanalista e membro da Escola Brasileira de Psicanálise, falou sobre o quadro de exposição constante da criança e do adolescente à pornografia pelos meios de comunicação de massa a partir de sua experiência como psicóloga no Hospital das Clínicas da UFMG.
Conforme qualificou, “é o obsceno que rouba a cena em um mundo em que tudo é filmado e reproduzido”. Para ela, “é preciso avaliar o peso do sexo na formação da subjetividade das crianças”.
A psicóloga observou, ainda, “a grande resistência das vítimas de violência ao atendimento psicológico”. Segundo ela, ao contrário do que se pensa, “falar sobre a situação de violência não é um forma de a vítima reviver o fato, porque a memória dos fatos não é a verdade real – que é lacunar. Muitas vezes o que há é uma perda de memória recente como forma de proteger o psiquismo do trauma”.
Ela lembrou também que o psicólogo não é um profissional “especialista na extração da verdade” e que o psi deve atentar para a re-vitimização. “O trabalho do psicólogo deve ir no sentido de tomar cuidado com a re-vitimização da criança, que é quando ela toma uma posição de vítima como única defesa possível. O importante é realizar um trabalho de subjetivação com a criança, entendendo até ela outras formas para elaborar o trauma”, concluiu.
Carlos Nicodemos, advogado e presidente do Conselho Estadual de Defesa da Criança e do Adolescente do Rio de Janeiro, por sua vez, definiu a ocasião como “um memento singular do crescimento do pensamento de modelo de Estado que queremos”.
De acordo com ele, estamos vivendo uma era de “controle social punitivo e judicializante” em que o que importa é punir aqueles que cometerem algum eventual crime. “Atualmente, o Estado se apresenta no desenvolvimento da criança e do adolescente e coloca, para isso, o poder Judiciário como seu interlocutor”, esclarece o advogado.
Porém, na avaliação do presidente do CEDCA, “esse modelo punitivo do abusador – no qual a proteção à criança recai sobre o sistema de responsabilidade criminal – não atende à agenda social da criança e do adolescente porque não lhes dá o papel de protagonista”.
Ele teceu críticas ao modelo judicial que “prega o aumento da pena e trata a criança necessariamente como vítima que precisa ser tutelada” e afirmou: “É preciso romper com as amarras institucionais e oxigenar esses espaços para partirmos para a constituição da criança e do adolescente como sujeitos de direitos”.
Kátia Regina Madeira, conselheira do Conselho Federal de Serviço Social (CFESS) e mestre em Serviço Social pela UFSC, considerou que “ainda há muito a ser feito após 15 anos de ECA”. De acordo com ela, “no momento, as ações políticas e jurídicas não tem sido suficientes porque se usa a lei mais com papel punitivo do que como direito de fato; por isso, as conquistas obtidas devem avançar mais para que as crianças se tornem sujeito de direitos, e portanto, cidadãs”.
Embora tenha afirmado que “não se pode descartar a importância do poder judiciário, responsável pela institucionalização democrática do Estado democrático”, a conselheira do CFESS apontou o quadro de “possível falência do sistema penal e inchaço do estado judicial”.
Kátia criticou ainda o DSD, afirmando que ele “revitimiza” e sustentando que “o argumento de que ele dá mais agilidade ao processo judicial é um grande engodo”. Segundo ela, há locais em que, por causa da morosidade da Justiça, um processo pode durar até quatro anos. Ela defendeu mais investimentos para a criação de varas especializadas.
“O atendimento da criança vítima de violência deve ser prioridade desde a denúncia para que haja, de fato, garantia de direitos na Rede de Proteção Integral. É preciso que diferentes instituições haja com celeridade e tenham supervisão para poder analisar asa situações de violência em toda a sua complexidade”, ponderou.
Por fim, a conselheira do CFP, Iolete Ribeiro da Silva, afirmou que “a grande preocupação do CFP ao promover esse evento é reduzir o foco do debate e enfatizar a rede de proteção e o atendimento porque o CFP entende que o foco deve ser a rede como um todo e não pode recair sobre a responsabilização penal apenas”.
A conselheira acentuou ainda que a intenção do Seminário não era elaborar propostas pontuais e entregá-las ao Estado para que as execute porque “somos, como CFP, parte da sociedade e devemos contribuir para que a política pública seja efetiva, já que ela é uma obra coletiva”.
“O CFP defende a escuta a crianças e adolescentes, mas a escuta para a Psicologia é diferente e as outras áreas devem estar abertas para entender nossa visão. O Sistema Conselhos é a favor de que toda a criança e todo o adolescente seja escutado ao longo de todo o processo que lhes diz respeito, mas é preciso faze-lo com Direitos Humanos”, sintetizou.
Iolete afirmou também que “os casos de violência não podem ser julgados isoladamente; é preciso levar em conta a complexidade que envolve a situação de violência”. “Preocupa-nos uma intervenção isolada em que a escuta para a criança não é feita ou é feita de forma equivocada”.
Falando sobre o DSD, ela qualificou a técnica de “condenação a qualquer preço”, e disse que “não é papel do psicólogo esclarecer ou inquirir uma verdade real absoluta para criminalizar o abusador”.