
A mesa de abertura do Seminário Nacional Escuta de Crianças e Adolescentes Envolvidos em Situação de Violência e a Rede de Proteção destacou a importância do debate sobre o tema.
A mesa de abertura do Seminário Nacional Escuta de Crianças e Adolescentes Envolvidos em Situação de Violência e a Rede de Proteção, ocorrido no Rio de Janeiro, nos dia 7 e 8 de agosto, contou com a participação de representantes de entidades ligadas ao tema. Estiveram presentes o presidente do CFP, Humberto Verona; a conselheira do Conselho Federal de Serviço Social (CFESS) Rodriane de Oliveira Souza; a secretária adjunta do Fórum nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (FNDCA) e representante da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), Rachel Niskier Sanchez; a secretária especial de Direitos Humanos da Presidência da República, Leila Paiva; e o advogado, coordenador do Projeto Legal, presidente do Conselho estadual dos Direitos da Criança e membro da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Carlos Nicodemos.
Verona começou agradecendo aos mais de mil inscritos e destacando a importância do debate sobre o tema. “Precisamos criar ações que realmente protejam, que respeitem a criança e o adolescente. O Sistema Conselhos de Psicologia tem tido uma defesa intransigente do Estatuto da Criança e do Adolescente”, afirmou, acrescentando que, no evento, foi lançada a publicação “Falando Sério Sobre a Escuta de Crianças e Adolescentes”, do CFP.
O presidente do CFP trouxe ainda a questão do chamado “Depoimento sem Dano”, prática na qual uma criança vítima ou testemunha de violência é ouvida por psicólogos ou assistentes sociais em uma sala monitorada eletronicamente. O ambiente é conectado à sala de audiência, de onde o juiz instrui o profissional sobre o que deve perguntar à criança. “A escuta de crianças e adolescentes pode se constituir como violação aos direitos humanos. Questionamos como uma intervenção sem continuidade, sem acompanhamento prévio e posterior e, muitas vezes, feita anos após o suporto abuso, possa não causar danos. Questionamos também colocar crianças e adolescentes no lugar de acusadores. Questionamos colocar psicólogos e assistentes sociais como inquisidores. Nosso compromisso deve ser voltado para a escuta dos desejos e demandas de crianças e adolescentes vítimas de violência, não à sua exposição”.
Rodriane, em sua fala, louvou a iniciativa de se promover um seminário que aborde a escuta de crianças e adolescentes em processo penal sob o foco da proteção desses jovens. “A situação da criança e do adolescente deve ser entendida como uma questão social, de luta por direitos. Crianças e adolescentes constituem um dos segmentos sociais que mais exprimem a violação dos Direitos Humanos que vivemos no Brasil, evidenciando o distanciamento entre marcos legais e a realidade. No lugar da garantia de direitos, é praticada abertamente a criminalização e a medicalização da pobreza. Crianças e adolescentes pobres permanecem na condição de não serem cidadãos com direitos”.
Rachel Niskier concordou e acrescentou que o Seminário pode servir como “uma luz numa situação tão escura”. “Nós, que estamos na frente de batalha, podemos ver a absoluta vitimização desses meninos e meninas que, sofrendo qualquer tipo de violência, tenham o sofrimento físico e psíquico guiando suas vidas”. Sobre o Depoimento sem Dano, ela questionou que essa seja uma prática realmente “sem danos”. “Pode ser que o silencia seja a reação dessas crianças. Nossa preocupação é não acrescentar nem mais um elemento de sofrimento a essa população, que já sofre com a violência praticada contra ela”.
Representando o presidente da OAB, César Brito, Carlos Nicodemos falou sobre a percepção da Ordem sobre o tema e a importância de “desenvolver uma ação que possa assegurar à criança e ao adolescente a proteção integral, apontada no estatuto e na nossa constituição”. Nesse sentido, apresentou os três pontos norteadores da reflexão da OAB sobre a temática. “Primeiro, um projeto de criminalização da pobreza, da juventude e de grupos em situação de vulnerabilidade. É necessária uma reflexão que possa impactar nessa criminalização. Em segundo, a necessidade de reposicionamento da escuta, pois o Sistema de Justiça não pode se sobrepor aos direitos da criança e do adolescente. E, em terceiro, levar em conta a matriz de prevalência dos direitos humanos, fortalecendo todas as ações que assegurem os direitos da pessoa humana”, concluiu.
Leila Paiva, por sua vez, enquanto gestora pública, apresentou o que tem sido feito na Secretaria Especial de Direitos Humanos. “Crianças e adolescentes têm sido ouvidos no Sistema de Justiça, de Assistência, de Saúde etc., e não achamos que essa seja a melhor forma. Há várias experiências no Brasil que diferem desse sistema e as temos apoiado formalmente. Todos nós, que trabalhamos nesse campo que envolve crianças e adolescentes, temos que nos preparar para esse debate, com uma preocupação com a proteção dessas crianças”.
Duas das convidadas para a mesa, a deputada federal Maria do Rosário (PT-RS), presidente da Comissão de Educação e Cultura da Câmara, e a senadora Lúcia Vânia, criadora do Projeto de Lei que institui o Depoimento sem Dano, não puderam comparecer, mas enviaram seus depoimentos em vídeo. Ambas afirmaram que o Congresso Nacional não tem uma resposta pronta à questão da escuta de crianças e adolescentes e que debates como esse seminário são importantes para ajudar a chegar a uma conclusão.
“Como ouvir essas crianças de forma que elas estejam protegidas? A expectativa que temos que as propostas que vocês discutam aí no Rio de Janeiro Possam nos ajudar aqui em Brasília”, disse Maria do Rosário. “Esse seminário é, sem dúvida muito importante para discutirmos os cuidados que temos que ter com essas crianças vítimas de violência”, acrescentou Lúcia Vânia.