São Gonçalo foi uma das cidades fluminenses escolhidas para abrigar os eventos preparatórios para o Seminário Regional do Ano da Psicoterapia. E foi no dia 11 de julho, na Universidade Salgado de Oliveira (Universo), que se deu o encontro do CRP-RJ com psicólogos e estudantes de Psicologia do município, desejosos de acompanhar mais de perto as discussões do campo. Na ocasião, estiveram presentes os conselheiros Márcia Badaró (CRP 05/2027), Lindomar Darós (CRP 05/20112) e Noeli Godoy (CRP 05/24995), e os colaboradores Sérgio Valmário (CRP 05/17447) e Mariana Botelho (CRP 05/32802).
Os encontros preparatórios são realizados em diversas cidades do interior do estado para proporcionar participação do maior número possível de psicólogos. Nesses eventos, os participantes têm a oportunidade de debater suas práticas a partir dos três eixos do Ano da Psicoterapia e elaborar propostas. As propostas de todos os encontros serão levadas ao Seminário Regional, a realizar-se em 15 de agosto, quando será elaborado um relatório. O documento será então enviado ao CFP para o Seminário Nacional, que acontecerá em outubro, em Brasília.
No início do encontro em São Gonçalo, foi exibido o vídeo elaborado pelo Conselho Federal de Psicologia sobre Psicoterapia. Depois, foram projetadas situações-problema vivenciadas no cotidiano de psicólogos que atuam com psicoterapia como disparadores para as discussões.
A primeira situação-problema apresentada se referiu à prática do psicólogo na área de Seleção e Recursos Humanos de empresas. Debateu-se sobre o lugar do psicólogo dentro dos processos seletivos de RH. Uma psicóloga presente lembrou que a grande dificuldade dos psis nessa área é avaliar o candidato considerando-o como um todo. Segundo ela, a atuação do psicólogo em RH não se restringe a processos seletivos, mas também ao acompanhamento de candidatos.
Nesse sentido, Lindomar interveio questionando se, nesse lugar específico do RH, o psicólogo não estaria também atuando na perspectiva de uma clínica ampliada, na medida em que seu olhar não se restringiria à adequação do candidato a um cargo ou função, mas sim ao sujeito como um todo, na sua integralidade. Muitos concordaram, mas ressalvaram que há limites para o papel clínico do psi nesse espaço.
“É claro que o psicólogo está em um espaço de clínica ampliada, porque é preciso nos perguntar se estamos em nome da empresa, somente, ou se estamos em nome do sujeito. Se revertermos essa lógica, então pensamos nossa atuação mais ampliada, mas, sem dúvida, há limites para nossa atuação nessa clínica ampliada”, afirmou um dos presentes.
Já Márcia lembrou que “o ativismo e as urgências no trabalho muitas vezes não permitem ao psicólogo reavaliar seu lugar como profissional de Psicologia na instituição em que atua”. No entanto, para a conselheira, pensar a atuação psi no RH como uma intervenção clínica não significa, necessariamente, que ela se dê sob um cunho psicoterápico.
Em outra situação-problema, foi levantada a posição do psicólogo dentro de um hospital como alguém que tem o saber de transmitir à família a notícia de morte ou de doença fatal de algum parente.
Uma das psicólogas presentes ponderou que dentro de um hospital geral, o psicólogo pode ocupar lugares diversos, mas não pode assumir funções específicas que não lhe caibam obrigatoriamente, como, no caso, assumir como sua atribuição dar notícias de morte . “O psicólogo pode e deve estar em vários lugares: ele vai acompanhar a equipe que dá o resultado, como também pode ser aquele que vai comunicá-lo, mas tudo isso tem que vir articulado nesse trabalho em equipe transdisciplinar”. Na avaliação geral do grupo, o psicólogo pode funcionar como um dos “articuladores dessa equipe” e não o especialista que “sabe como dar notícias ruins”.
Com relação ao papel do psicólogo no atendimento psicoterápico, o grupo considerou que sua atuação deve “se prender à hierarquia do saber”. A uma situação-problema apresentada se referia a um usuário de um CAPS que se recusava a ser atendido por um psicólogo, preferindo ser atendido por um técnico de informática da instituição com que estabeleceu um vínculo de confiança. O grupo concordou que a psicoterapia comporta “modos possíveis que vão além da prática da Psicologia e da Psiquiatria”.
O grupo defendeu ainda a não-exclusividade da prática psicoterápica pelo psicólogo, uma vez que, historicamente, as psicoterapias são anteriores ao surgimento da Psicologia como profissão, como, por exemplo, as realizadas por psiquiatras. Discutiu-se também sobre a qualidade da formação dos psicólogos para atuarem como psicoterapeutas.
Uma outra situação-problema apresentada se relacionava à declaração de uma psicóloga de que sua prática baseava-se na linha teórica de Gasparetto, referindo-se ao apresentador de programa de TV, Luiz Antônio Gasparetto, que se intitulava psicólogo e fazia “aconselhamento” aos participantes do programa que discorriam sobre seus problemas de relacionamento. Além disso, o apresentador se dizia médium e fazia atendimentos espirituais na televisão.
Conforme assinalou uma psicóloga, “a questão é importante porque há muita confusão no campo, em que, muitas vezes, a atuação em psicoterapia se mistura com espiritualidade”. Já de acordo com outra psicóloga, “o crucial é perguntar o que é fundamental na minha formação, como eu faço a leitura dela e como eu aplico essa leitura na minha prática”.
Outro participante apontou a “influência dos imediatismos nos aconselhamentos psicoterápicos” como supostas justificativas para o psicólogo respaldar sua prática em Gasparetto, o que, para ela, é perigoso, já que esse tipo de aconselhamento não possui fundamentação teórica.
O grupo sustentou como um todo que esse fato revela “uma grande fragilidade na formação” – classificada de precária – e indica a necessidade de “uma formação mais aberta e aprimorada, de modo a atender às diferentes abordagens teóricas”.
Por fim, a última situação problema se referiu à Resolução 167, da Agência Nacional de Saúde (ANS), segundo a qual os atendimentos psicológicos a conveniados em seguradoras de saúde precisam ser autorizados previamente por um médico. Na opinião de uma psicóloga, “o atendimento psi é um direito do cidadão, e, portanto, não cabe ao médico decidir sobre a necessidade ou não dele”.
Texto e Foto: Felipe Simões
22 de julho de 2009