No dia 13 de novembro, segundo dia do II Seminário Nacional sobre o Sistema Prisional, o público do evento teve oportunidade de assistir, na parte da tarde, a uma mesa de debate e uma roda de conversa.
Mesa de debates trouxe o tema “Alternativas geradoras de responsabilidades e subjetividades”.
A mesa “Alternativas geradoras de responsabilidades e subjetividades” reuniu Márcia de Alencar Araújo Matos, coordenadora-geral do Programa de Fomento às Penas e Medidas Alternativas; Loiva Leite, coordenadora dos Serviços Residenciais Terapêuticos da Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre/ RS; e Fabrício Junio Rocha Ribeiro, representante do Programa de Atenção Integral ao Paciente Judiciário portador de Sofrimento Mental (PAI-PJ), em Minas Gerais.
Para Márcia, a Psicologia vem construindo de forma “extremamente positiva” essa discussão sobre o sistema prisional. “A Psicologia me parece, por si, um ambiente naturalmente saudável para sediar esse tipo de discussão”. Conforme esclareceu, existem hoje no Brasil mais de 400 mil pessoas encarceradas, o que fornece, segundo ela, um “pressuposto para se buscar soluções alternativas para lidar com esse contingente”. “Prisão não gera segurança social de nenhuma ordem”, abreviou.
Ela fez ainda severas críticas às estatísticas segundo as quais, dos mais de R$ 18 bilhões de reais destinados pelo governo federal para o sistema penitenciário em 2007, apenas 1% teria sido destinado à reintegração social dos presos. “É preciso dirigir políticas públicas para reabilitar e ressocializar esses presos. Aquelas que existem, não se ocorrem de forma integral”, destacou.
Já Loiva falou em que consiste o trabalho do Instituto Psiquiátrico Forense (IPF), do qual faz parte e que classificou como “um espaço onde Psicologia e Justiça se encontram de forma respeitosa”. A função desse Instituto, subordinado à Secretaria do Interior e Justiça do Rio Grande do Sul, é abrigar doentes mentais que tenham cometido algum crime e realizar periodicamente perícias sobre esses internos. Segundo Loiva, diversos profissionais atuam nesse espaço, como psicólogos, terapeutas, psiquiatras, assistentes sociais e advogados.
Ela destacou ainda que existe um grupo de trabalho dentro do IPF responsável por discutir a permanência desses internos no Instituto. Em seguida, a psicóloga apresentou dois casos que ela acompanhou, ressaltando em ambos a necessidade de um acompanhamento continuado do psicólogo em relação aos internos.
Por último, Fabrício pontuou a importância de “discutir os dois tipos de sujeito com o qual nós estamos lidando quando falamos em encarceramento: o sujeito jurídico e o sujeito da psicanálise”, ressalvando os cuidados que são necessários quando se insinua que “um sujeito louco é um sujeito perigoso”.
De acordo com o representante do PAI-PJ – projeto de acompanhamento a pacientes que sofrem algum tipo de distúrbio mental e que respondem a processos judiciais -, todos esses sujeitos “loucos e perigosos” têm o direito ao acesso a “um tratamento adequado que passe longe de uma internação”. Para ele, o psicólogo deve atuar fazendo a mediação entre o processo jurídico e o tratamento adequado, promovendo a inclusão social do paciente.
Roda de conversa discutiu “Movimentos Sociais e Sistema Prisional”.
Já a roda de conversa “Movimentos Sociais e Sistema Prisional” trouxe as falas da psiquiatra Ana Marta Lobosque, assessora da Escola de Saúde Pública de Minas Gerais; do advogado Virgílio de Mattos, professor da Universidade Estadual de Montes Claros – MG; de Fernanda Costa Vieira, representante de Direitos Humanos do MST/RJ e professora da FGV-RJ; de Heidi Ann Cerneka, coordenadora da Pastoral Carcerária Nacional; e do psicólogo atuante em presidiárias José Meirelles Filho.
Ana Lobosque argumentou que a lei moral, que baseia as leis jurídicas, é tida como “manifestação de uma verdade absoluta” e que “as punições” provenientes delas “não podem se sustentar” diante disso. Afirmou, também, que as formas de castigo são algo determinado pela cultura na qual se está inserido, e, portanto, devem-se rever aspectos dessa cultura. “Trata-se da posição com que determinada cultura discute as formas de castigo e punição que é capaz de tolerar”. “Rever isso”, continuou, “faria a diferença, e, com certeza, ela está fora da prisão”.
Virgílio diz divergir das formas como os crimes são usados, atualmente, para justificar suas penalidades. Segundo ele, “o delito pode ser momentâneo, mas as penas se alongam”. Criticou também a tendência de criminalização dos movimentos sociais, que vem se acentuando desde a década de 90. Conforme pontuou, a saída não passa pela exclusão social. “Não é possível incluirmos para excluir”, concluiu ele.
Fernanda deu continuidade às críticas feitas por Virgílio com relação à criminalização de movimentos sociais, enfatizando o caso do MST. De acordo com ela, é “inadmissível” a forma como o Judiciário brasileiro classifica, hoje, o movimento, criminalizando-o, entre outras coisas, por formação de quadrilha. A professora da FGV-RJ credita isso ao “Estado Penal que estamos vivendo e que constrói, por seu lado, um discurso de periculosidade e insegurança que justifica o aumento do número de prisioneiros”.
José Meirelles, por sua vez, posicionou-se contra o exame criminológico, argumentando que “a escuta psi, nesse caso, não é imprescindível”. Outro alvo de censura do psicólogo foi, mais uma vez, a criminalização da pobreza. “Quando criminalizam a pobreza, ela é criminalizada porque é pobreza porque o pobre não dispõe de valor social”. E alertou: “quem trabalha para incluir precisa se perguntar para quem está trabalhando”.
A roda de conversa foi fechada por Heidi Ann Cerneka, que elegeu os abusos cometidos na prisão como o maior desafio imposto aos psicólogos e à sociedade. “É preciso abrir a boca sobre os abusos a que estão expostos esses presos na prisão e pelo próprio sistema prisional em si. Precisamos trazer conosco a sociedade nessa luta”.
Texto: Felipe Simões
13 de novembro de 2008