auto_awesome

Noticias






Audiência no Senado divide opiniões sobre depoimento sem dano


Data de Publicação: 3 de julho de 2008


Na última terça-feira, dia 1º de julho, foi realizada uma audiência pública no Senado para debater o PLS 35/07, que institui a prática conhecida como Depoimento Sem Dano (DSD). A psicóloga Esther Arantes, colaboradora do CRP-RJ e do Conselho Federal de Psicoloigia (CFP), nas suas Comissões de Direitos Humanos, representou o CFP, contrário ao DSD.

O projeto do Depoimento Sem Dano, que surgiu do trabalho da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito da Exploração Sexual, propõe a inquirição de crianças e adolescentes apontados como vítimas ou testemunhas em processos judiciais. O depoimento é tomado por psicólogos ou assistentes sociais em um local conectado por um equipamento de vídeo e áudio à sala de audiência, através do qual o juiz assiste e pode fazer perguntas à testemunha por intermédio do profissional.
Esther iniciou sua fala destacando que este “é um debate difícil, não apenas pela importância e complexidade do tema, como também pelo respeito e admiração que temos por todos aqueles que não pensam como nós. Não estamos aqui combatendo inimigos, mas divergindo democraticamente de pessoas que, como nós, estão igualmente interessadas e comprometidas com a implementação da Lei Federal 8.069/1990 – o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)”.

Levando em consideração esse Estatuto, a psicóloga expôs seus argumentos mostrando que ele não apenas não prevê o Depoimento Sem Dano como essa prática vai contra alguns de seus princípios básicos. “Antes de decidirmos sobre a técnica ou o modo da inquirição, devemos primeiro decidir se o direito da criança de se expressar e de ser ouvida, tal como está no Estatuto, significa o mesmo que ser inquirida judicialmente como vítima ou testemunha para produção de prova antecipada, podendo tal prova se voltar, inclusive, contra seus pais e familiares”.

A psicóloga prosseguiu citando uma fala da Procuradora de Justiça Maria Regina Fay de Azambuja, especialista em violência doméstica pela USP, para quem “Expressar as próprias opiniões, como menciona o documento internacional (A Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança) tem sentido diverso de exigir da criança, em face de sua peculiar condição de pessoa em desenvolvimento, em Juízo ou fora dele, o relato de situações extremamente traumáticas e devassadora ao seu aparelho psíquico” Assim, a oitiva coloca sobre a criança “uma responsabilidade para a qual não se encontra preparada”.

Esther destacou que apesar de o projeto ter sido criado com a intenção de proteger a criança, ele acabaria causando o efeito contrário. “Entendemos que com esta metodologia de inquirição, busca o PL, principalmente, responsabilizar o agressor, não deixando impunes os crimes contra crianças e adolescentes, nas situações em que não existam terceiros adultos como testemunhas ou quando não haja indícios materiais revelados pela perícia médica. No entanto, ressalvadas as boas intenções de seus proponentes, é legítimo perguntar se os fins justificam os meios. Ou seja, para reparar um dano podemos causar um outro dano?”.

Outro fator apontado pela psicóloga foi que “causa-nos incômodo e apreensão que o PL sequer mencione uma idade mínima para que a inquirição possa acontecer, como também não menciona como será feita a segurança destas gravações, para que não venham a cair em mãos inescrupulosas e ser, por exemplo, divulgadas na internet. Também não limita a inquirição de crianças e adolescentes aos casos em que o depoimento da vítima seja a única prova possível de ser produzida, não descartando, inclusive, a possibilidade de reinquirição”.

A psicóloga questionou ainda se é possível se chegar à “verdade” através desses depoimentos. “Cabe também perguntar o que vem a ser a ‘verdade real’, principalmente quando contrastada com a subjetividade da criança e do adolescente. Em nome desta ‘verdade verdadeira’, o PL propõe que a inquirição da criança e/ou adolescente seja feita em recinto especialmente projetado para tal finalidade, contendo equipamentos próprios à idade do depoente. No entanto, gostaríamos de perguntar se a utilização de tais equipamentos, como brinquedos, fantoches e bonecos, não se constituiriam, antes, em técnicas de extração da verdade, sem que a criança se dê conta de que está sendo inquirida”.

Citando a professora de Direito Klélia Aleixo, Esther se pergunta ainda se a técnica do DSD não seria “uma forma de enganar o depoente, buscando angariar sua confiança no sentido de que ele revele o ocorrido, e assim produza prova judicial, ainda que mal compreenda o contexto em que se encontra e as conseqüências de sua fala”.

Além de Esther, também participaram do debate representantes de outros órgãos envolvidos, como a Sociedade de Psiquiatria do Rio Grande do Sul, a Subsecretaria de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República (SEDH) e o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), além dos senadores Eduardo Suplicy (PT-SP), Marina Silva (PT-AC), Flexa Ribeiro (PSDB-PA), Eduardo Azeredo (PSDB-MG), Magno Malta (PR-ES) e Lúcia Vânia (PSDB-GO), relatora do PL. A audiência foi coordenada pelo presidente da CCJ, Marco Maciel (DEM-PE).

Entre os que se colocaram favoráveis ao projeto do DSD, estava a senadora Lúcia Vânia, que, apesar de relatora do PL, confessou ter ressalvas, como o uso desse instrumento numa situação de falta de profissionais treinados, o temor de um possível aumento no número de depoimentos de crianças, mesmo quando não são necessários, ou sua requisição como testemunha de outros crimes que não os de abuso sexual.

Já a promotora de Justiça Veleda Dooke, representante da Sociedade de Psiquiatria do Rio Grande do Sul, defendeu o projeto a partir de uma lógica punitiva, à qual o CFP e o CRP-RJ são contrários. Segundo ela, a “proteção psicológica” dada à vítima se daria no sentido de garantir à criança ou adolescente o entendimento de que ela não será a responsável pela condenação de pais e parentes, mas, sim, de que alguém que “ofendeu seus direitos” e “merece ser punido”.

Em consonância com o CFP, o CRP-RJ é contra a prática do Depoimento Sem Dano, por acreditar que a criança não pode servir como objeto ao Sistema Penal e que tal técnica fere os direitos da criança conquistados com o ECA.

Clique aqui para ler a fala da psicóloga Esther Arantes na íntegra.

Com informações do Jornal do Senado.
Foto: Agência Senado

03 de julho de 2008