No contexto da “maioridade” do Estatuto da Criança e do Adolescente e do foco da atual gestão do CRP-RJ nos Direitos Humanos, o Conselho promoveu, no dia 30 de maio, um debate sobre jovens em situação de violência na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Com o tema “O Papel dos Conselhos de Psicologia Frente ao Atendimento de Crianças e Adolescentes em Situação de Violência”, o evento reuniu psicólogos para discutir, principalmente, o chamado depoimento sem danos.
Evento com o tema “O Papel dos Conselhos de Psicologia Frente ao Atendimento de Crianças e Adolescentes em Situação de Violência”, o evento reuniu psicólogos para discutir, principalmente, o chamado depoimento sem danos.
Na primeira etapa do evento, foi realizada uma mesa redonda com a participação das psicólogas Esther Arantes, membro da Comissão de Direitos Humanos do CRP-RJ, e Janne Calhau Mourão, membro do Projeto Clínico-Jurídico do Grupo Tortura Nunca Mais-RJ e membro da Comissão Nacional de Direitos Humanos do Conselho Federal de Psicologia. A mesa foi mediada pelo conselheiro-presidente do CRP-RJ, José Novaes.
Novaes deu início à mesa lembrando que, para os psicólogos que trabalham na área, uma série de temas se apresentam. “Um deles é o depoimento sem danos; outro é o laudo que os psicólogos têm que elaborar sobre as crianças; um terceiro é a tendência cada vez maior de jurisdicionalização da vida cotidiana; há ainda o tema do ‘abolicionismo penal’; entre outros”, afirmou.
Em seguida, os presentes assistiram a um vídeo sobre o que é o depoimento sem danos, produzido no Rio Grande do Sul, onde a prática já é aplicada. O vídeo justifica a iniciativa dizendo que a sala de inquirição separada evita que a criança fique exposta e que não consiga falar por se sentir pressionada, além de afirmar que a prática aumenta as chances de responsabilizar o agressor.
As palestrantes, no entanto, criticaram esse tipo de depoimento, por colocar a criança na posição de acusadora. Segundo Janne, o caso da menina Isabella Nardoni, atirada do sexto andar de um prédio em São Paulo, trouxe um bom exemplo dessa situação. “Esse caso trágico trouxe a possibilidade de usar o depoimento sem dano com o irmão de três anos da menina, pois ele teria visto os pais matarem a irmã. Isso gerou protestos, pois queriam fazer com que a criança acusasse os próprios pais”.
Para a psicóloga, é preciso que os psicólogos se posicionem firmemente contra essa prática. “É importante que os Conselhos Regionais de Psicologia debatam com os psicólogos essa questão do tratamento dado a crianças em situação de violência. É preciso romper um território dotado de autonomia, desses programas que já não respeitam os direitos das crianças”, declarou.
Esther concordou com a colega. “O debate é importante para esclarecer qual é a nossa posição enquanto psicólogos frente a essa questão. Quando há defesa da inquirição de crianças, diz-se que, assim, se chegará à ‘verdade verdadeira’. Mas devemos nos perguntar se a verdade com que nós, psicólogos, lidamos não está em oposição a essa, se não é uma verdade subjetiva. Se nós transformamos todas as leituras do mundo em uma só, vamos criar um mundo totalitário”.
Segundo Esther, é preciso discutir as interpretações a que os direitos da criança e do adolescentes podem dar margem. “Ninguém nega que a criança tem direito à saúde, à educação. A grande questão começa quando discutimos o que é saúde, o que é educação. Alguns juízes chegam a dizer que a internação é um ‘ato de amor’, para proteger a criança. E nos acusam que não nos importarmos com o abuso sexual de crianças. Mas é exatamente porque nos preocupamos com a criança que devemos continuar o debate no sentido do que nos constitui enquanto ciências humanas. A vitimização pode ter sentido no processo, mas não no encontro com o psicólogo. A criança pode não querer se colocar como vítima”.
Após as palestras, foi aberto um debate com todos os presentes.
Após as palestras, foi aberto um debate com todos os presentes. A psicóloga Eliana Olinda, coordenadora da Comissão de Psicologia e Justiça do CRP-RJ, destacou que é preciso questionar “o lugar dessa criança como quem condena e o lugar do psicólogo como inquiridor”.
Já a psicóloga Suyanna Linhales, coordenadora da Comissão de Direitos Humanos do CRP-RJ, destacou a própria confiabilidade desses depoimentos. “Acho sério colher informações manipulando o ambiente para a pessoa falar. A criança está confusa e pode acabar sendo implantadas memórias. O inquiridor vai jogando perguntas e a criança, confusa, vai dizendo ‘sim’, ‘sim’. E isso, depois, é chamado de ‘verdade’”.
Outras questões levantadas pela platéia foram a presença de uma ideologia punitiva nessa prática e a apropriação da Psicologia pelo Judiciário, entre outras.
Na segunda fase do evento, foram realizados grupos de discussão, que elaboraram propostas discutidas posteriormente em uma plenária. Entre as propostas retiradas no final da discussão, estão: a construção de redes de militância, tendo em vista os direitos da criança e do adolescente, para a formulação de políticas públicas para a área; a criação de fóruns interdisciplinares regionais que encaminhem propostas para o âmbito nacional; a mobilização da categoria psi junto aos CRPs para fazer frente ao depoimento sem danos; e a criação de grupos de trabalho envolvendo também conselhos regionais de outras categorias profissionais.
Texto e fotos: Bárbara Skaba
03 de junho de 2008