Na última quarta-feira, dia 19 de março, a sede do Conselho Regional de Psicologia do Rio de Janeiro foi palco de uma discussão importante: a gravidez na adolescência. O debate ocorreu durante a Quart´ética, evento organizado pela Comissão de Orientação e Ética do CRP-RJ que teve como tema “Ligeiramente grávidas: gravidez e adolescência na contemporaneidade”.
A principal contribuição da discussão foi mostrar a gravidez na adolescência de diferentes perspectivas. Por terem experiências diversas, cada uma das três palestrantes contribuiu com uma visão sobre o tema.

A psicóloga Suyanna Barker afirma que a maternidade acaba dando às jovens habilidades que podem ser consideradas uma capacidade técnica.
A primeira a falar foi a psicóloga Suyanna Linhales Barker (CRP 05/27041), pesquisadora do Núcleo de Estudos da Saúde do Adolescente da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e coordenadora da Comissão Regional de Direitos Humanos do CRP-RJ. Suyanna trabalha com jovens mães de classes populares e observa o desafio de criar os filhos e, ao mesmo tempo, trabalhar.
Segundo ela, o principal objetivo de seu trabalho é mostrar essas adolescentes de um ponto de vista diferente. “Normalmente, essas meninas que engravidam são vistas como ‘pesos mortos’ da sociedade. Não são vistas como trabalhadoras, mas como pessoas que atrapalham a economia. Quando comecei a conversar com elas, elas mesmas se viam assim. Achavam que tinham feito algo errado”, disse.
Suyanna afirma, no entanto, que, ao longo de seu estudo, percebeu que a maternidade acaba dando às jovens habilidades que podem ser consideradas uma capacidade técnica. Além disso, a maternidade é identificada com o amadurecimento. “A menina passa a ser vista pela comunidade como adulta, não mais como criança. A comunidade passa a ajudá-la, como adulta, a conseguir emprego, por exemplo. Elas acham que ser mãe não atrapalha. Pelo contrário, até ajuda a ‘cair na real’, a correr atrás”, concluiu.
Já a psicanalista Simone de Avolio Espindola, chefe do serviço de saúde mental do Hospital Municipal Maternidade Fernando Magalhães, contou o caso de uma das jovens que atendeu na unidade. A adolescente de 16 anos engravidou após um estupro e procurou ajuda da unidade para conseguir realizar o aborto legal. “Contrariando seus princípios morais e religiosos, decide pela vida que desejava para ela, buscando com a ajuda de sua família a nossa unidade”, disse a psicóloga.
Simone explicou que, devido à burocracia, o aborto legal só foi autorizado quando a jovem estava com quase 20 semanas de gestação. “Acompanhei a paciente durante sua internação e várias vezes ainda após a alta em ambulatório. Após três anos, ela se casou, desejou engravidar e foi ter o seu bebê em nossa unidade”.
A psicóloga concluiu que o mais importante foi que a jovem não se deixou ser vista como vítima. “Sabemos o quanto essa paciente trabalhou e convocou a analista ao trabalho, sustentando e se responsabilizando pela escolha do aborto legal, decidindo por ele com seu desejo, não se colocando como vítima. Lutou até o fim pelo seu desejo apesar de todas as pressões que se impuseram para comovê-la a aceitar o destino da maternidade traçado para a mulher, sob pena de senão como mãe, não ser aceita como mulher”.
Ana Maria Otoni Mesquita (CRP 05/12590), psicóloga do Centro de Atenção à Mulher Adolescente (Ceama) do Hospital Estadual Pedro II e doutoranda e pesquisadora da Escola de Saúde Pública da Fiocruz, falou sobre sua tese de doutorado, baseada na experiência com jovens mães no hospital. De acordo com ela, seu estudo desconstrói o discurso do senso comum de que as adolescentes seriam incapazes, fisiológica e psicologicamente, de gestar. “No caso fisiológico, percebeu-se que muitas meninas tinham mais habilidades como mãe do que mulheres mais velhas. Na questão psicológica, muitas diziam que tiveram que ganhar mais responsabilidade e viam isso como algo positivo”, declarou.
Outro mito que se mostrou falso, segundo Ana Maria, é o de que as jovens não teriam apoio dos pais. “Nas entrevistas clínicas, observa-se um forte desejo da gravidez/maternidade pela gestante, seu parceiro e familiares. Elas têm 100% de apoio familiar”, explicou.
A psicóloga acredita ainda que deve-se mudar o enfoque dado à gravidez na adolescência. “No discurso dos especialistas, observa-se uma interpretação negativa do comportamento da gestante adolescente, pautada no enfoque de risco, nas atribuições desqualificantes”.