Em decorrência da matéria veiculada no jornal “O Globo” de 09 de dezembro último, e considerando que os ataques infundados e irresponsáveis ao processo da reforma psiquiátrica brasileira existentes em tal matéria estão inseridos no bojo de uma articulação conservadora, ligada à interesses privados e mercantilistas no setor da saúde mental, a Associação Brasileira de Pós-graduação em Saúde Coletiva (Abrasco) e o Centro Brasileiro de Estudos e Saúde (Cebes), decidiram convocar uma reunião em caráter de urgência para discutir a situação e propor encaminhamentos.
A reunião foi realizada no dia 14 de dezembro no Instituto Philippe Pinel, na Avenida Vesceslau Braz, 65, no Rio de Janeiro. Com o auditório lotado de representantes de entidades de usuários e familiares, profissionais do campo da saúde mental, da saúde pública e coletiva, da assistência social, direitos humanos e outros ligados à luta pela democracia e cidadania no Brasil, a reunião teve início às 13 horas com a leitura de várias manifestações de apoio à iniciativa, provenientes de associações, movimentos sociais e universidades de todo o país.
Os participantes observaram que a data da publicação da matéria no jornal coincidiu com o encerramento do evento comemorativo dos 20 anos do Congresso de Bauru, quando ficou consolidada no Brasil a estratégia de superação do modelo manicomial que, por mais de duzentos anos, foi praticamente exclusivo enquanto política psiquiátrica pública. Por esta e outras características, concluiu-se, portanto, que a matéria foi efetivamente articulada pelos setores interessados na manutenção do modelo arcaico e privatizado que, graças às políticas oficiais, mas também à forte mobilização e participação social, tem sido superado.
Dentre os participantes foi muito importante a presença de um membro da Diretoria da Associação de Psiquiatria do Estado do Rio de Janeiro (APERJ), Dr. Luiz Fernando Chazan, representando a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), na medida em que, pela forma com que esta última foi abordada na matéria, passou-se o entendimento de que sua posição era a mesma da editoria, absolutamente contrária ao processo de reforma psiquiátrica.
A seguir, destacamos as propostas relativas aos principais encaminhamentos da reunião:
- Considerando que a matéria sugere um verdadeiro genocídio praticado pela política de saúde mental, pelos serviços de atenção e pelos profissionais que atuam no setor, propõe-se examinar com as assessorias jurídicas de nossas entidades, a possibilidade de encaminhar a matéria ao Ministério Público para que o mesmo apure as denúncias e responsabilidades e, caso as mesmas não sejam constatadas, que o MP apure então a responsabilidade da reportagem em veicular tais informações. No mesmo sentido das medidas jurídicas, decidiu-se solicitar apoio às assessorias jurídicas das entidades, conselhos profissionais, sindicatos, no sentido de averiguar os meios legais mais adequados e oportunos em relação ao jornal e aos futuros encaminhamentos;
- Reforçar o contato através do representante da ABP, presente e solicitar que a Diretoria da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), se posicione publicamente no sentido de afastar seu compromisso e relação com a natureza das denúncias e as estratégias adotadas pelos responsáveis (jornalistas e atores sociais) pela matéria;
- Sugerir ao Ministro da Saúde que utilize de sua possibilidade de convocação da imprensa ou de pronunciamento em rede nacional para esclarecer a situação e responder às denúncias realizadas na imprensa;
- Trabalhar no sentido de convocação da 4.a Conferência Nacional de Saúde Mental, aprovada por ocasião da 13.a Conferência Nacional de Saúde, em novembro passado, como estratégia de promoção de um amplo debate nacional sobre a reforma psiquiátrica e a política nacional de saúde mental;
- Solicitar a convocação de audiências públicas estaduais e nacional sobre a assistência psiquiátrica e as denúncias constantes na matéria de “O Globo”;
- Buscar contatos com outros jornais, levando nosso posicionamento e o manifesto já assinado, para produzir outras matérias sobre a reforma psiquiátrica e a política de saúde mental considerando que, ao que as circunstâncias indicam, a posição de “O Globo” parece ser predefinida em decorrências de interesses obscuros para a grande população;
- Intensificar a convocação às entidades de familiares e usuários para que participem mais do debate e que possam dar visibilidade às suas posições, pois apenas as associações vinculadas aos setores privados (de prestadores de serviços psiquiátricos hospitalares particulares), foram ouvidas na matéria;
- Sugestão de envolver outras entidades da sociedade civil, tais como ABI, OAB, CNBB, etc, no sentido de ampliar o debate em torno do processo de reforma psiquiátrica.
- Debateu-se a ocorrência de uma situação muito semelhante, há pouco mais de um ano atrás, quando o movimento em defesa da reforma psiquiátrica elaborou um manifesto e fez aprovar uma moção no VII Congresso da Abrasco no RioCentro. Foi discutida a necessidade de manter uma atuação mais regular e permanente do movimento social da reforma, para não ser surpreendido por estas situações.
- Criou-se duas comissões de trabalho: uma comissão para redação de um manifesto que deverá ser assinado por todas as entidades presentes e amplamente divulgado para novas assinaturas, incluindo a colocação em site próprio para facilitar a coleta de assinaturas; e outra, composta por representantes da Abrasco, Cebes, Amocais, Aperj/ABP, CRP, Crefito, Sinmed, Apacojum, Núcleo Estadual da Luta Antimanicomial, IFB, Movimento Nacional de Direitos Humanos, ABI, Grupo Tortura Nunca Mais, para mobilizar as principais entidades para dar seguimento à proposta 1 e 5. Buscar-se-á que o manifesto deverá ter ampla divulgação nos demais veículos de comunicação, conforme a proposta 6 e como material de suporte para os desdobramentos demais propostas.
Leia aqui o manifesto resultante da reunião em defesa da Reforma Psiquiátrica