auto_awesome

Noticias






CRP-RJ debate situação das crianças de rua


Data de Publicação: 17 de julho de 2006


Aconteceu dia 13 de julho, no auditório do CRP-RJ, a primeira palestra do psicólogo, filósofo e pedagogo espanhol Enrique Martinez Reguera no Rio de Janeiro. Com o tema “Crianças de rua, crianças de ninguém: Análise política e possibilidades de intervenção”, o evento tinha por objetivo debater sobre a situação das chamadas crianças de rua e jovens marginalizados.

Foto dos psicólogos reunidos no auditório do CRP-RJ

O evento tinha por objetivo debater sobre a situação das chamadas crianças de rua e jovens marginalizados.

José Novaes, conselheiro-presidente do CRP-05, abriu o evento apresentando o convidado e salientando a importância da presença de Reguera. “O fato de um psicólogo espanhol ter vindo aqui falar sobre a situação das crianças nas ruas lembra que este não é um problema enfrentado só por nós, países em desenvolvimento, mas por todos, inclusive países do 1º mundo que vivem sob o capitalismo globalizado”.

Reguera iniciou a palestra falando um pouco sobre como começou seu trabalho com as “crianças de rua”, em um bairro pobre de Madri, nos anos 70.  “Queria conhecer o problema diretamente. Por isso, fui morar em uma casa em um bairro pobre de Madri. Conhecia e conversava com os meninos e os levava para morar em minha casa. Era meu trabalho e minha vida”.

Explicando as transformações ocorridas na sociedade espanhola nos últimos quarenta anos, o psicólogo mostrou como essas mudanças alteraram a visão sobre os pobres pelos demais segmentos sociais. Segundo o psicólogo, nos anos 70, a região era pobre, mas tinha algumas riquezas. Os meninos eram parte de uma comunidade, tinham uma pequena cultura, passada a eles pelas pessoas do local e havia pequenos trabalhos que podiam ser feitos por eles. “Os pobres eram vistos com indiferença ou com compaixão, mas nunca com medo”, disse Reguera. Já nos anos 80, a situação mudou. Após reformas econômicas feitas para que a Espanha se adaptasse ao padrão da União Européia, foram fechadas diversas indústrias e o número de empregos diminuiu muito. Além disso, a venda de artesanato nas praças, fonte de renda para segmentos pobres, foi proibida, dificultando ainda mais a situação. Campanhas relacionando pobreza, drogas e periculosidade, passam a ser divulgadas através da mídia. “Em menos de dois meses deixamos de ser pobres, mas honrados, para sermos o maior perigo da sociedade”, diz Reguera. “E esta periculosidade criou o que hoje é uma das maiores indústrias da Espanha, a indústria de segurança social. A venda de grades, sistemas de segurança e vigilância cresceu absurdamente.”

Nos início dos anos 90, esta visão se aprofundou, segundo o psicólogo. “A sociedade se dividiu entre consumidores e consumidos. Os pobres passaram a ser matéria de consumo e, por isso, interessam à população. Muitos psicólogos e assistentes sociais vivem dos subsídios que recebem para atender a essas crianças”. Ele explicou que, hoje, existe uma estrutura tão grande criada para “cuidar” das crianças, que elas não têm mais vida própria e sim a que é decidida pelo governo. “Quando nascem, as crianças na Espanha já são classificadas como ‘sem risco’ ou ‘de risco’. Se uma criança é classificada ‘de risco’, o Estado passa a ter responsabilidade por ela. Toma-se a criança, tira-se a responsabilidade da família sob o pretexto de que é melhor para ela. Uma pessoa em um escritório decide o que é melhor para aquela criança, enquanto as pessoas que estão em volta dela não podem? Então, ela vai ao psicólogo, ao assistente social, ao juiz, à escola. Todos trabalham não para atender ao problema da criança, mas para manter o controle sobre ela”.  Ele salientou o controle criado pelo Estado capitalista. “Hoje, se virmos uma criança na rua, não podemos ajudá-la. Temos que denunciar a situação a uma instituição responsável, que irá tomar conta ou não da situação. O Estado nos tirou o direito da solidariedade”.

Enrique Martinez Reguera

“Hoje, se virmos uma criança na rua, não podemos ajudá-la. Temos que denunciar a situação a uma instituição responsável, que irá tomar conta ou não da situação. O Estado nos tirou o direito da solidariedade” – Enrique Martinez Reguera

Segundo Reguera, apesar de toda essa estrutura, pouco efetivamente é resolvido. “Segundo uma pesquisa, 78% das “crianças de rua” que passam por essas instituições na Espanha acabam indo para as prisões quando adultas. Eu não entendo. Se tenho uma fábrica de parafusos, mas 78% de minha produção é de lingüiças, então não trabalho com parafusos e sim com lingüiças. Esse modelo não faz sentido.”

Após a palestra, abriu-se espaçopara que os presentes fizessem perguntas e comentários sobre o tema. A conselheira do CRP, Cecília Coimbra, elogiou a palestra de Reguera e afirmou que o Brasil caminha para fazer a mesma coisa. O objetivo de controle é o mesmo. “Temos, em todo o nosso sistema, professores que vêem o Estado como seu cliente e não as crianças”.

Reguera encerrou a palestra salientando a necessidade de se criar um modelo diferente para as “crianças de rua”, em que a solidariedade seja o principal. “Porque nosso objetivo é criar uma sociedade, não classificar. Temos que inseri-los na sociedade, conversando, entendendo o que querem e não forçando o que achamos que eles querem. Sempre se pensa em “meninos de rua” de duas formas: ou nos são indiferentes ou queremos se impor nossa vontade a eles. Temos que criar um sistema que saia dessa dualidade”.

A próxima palestra de Reguera será realizada no dia 18 de julho, terça-feira, às 14 horas, na Universidade Federal Fluminense (UFF), Auditório ICHF, bloco O, 2o. Andar – Campus do Gragoatá.

Texto: Carolina Selvatici

17 de julho de 2006