O último dia da Mostra de 2023 foi movimentado. A manhã de sábado iniciou com as últimas sessões de apresentação de trabalhos e a quinta roda de conversa do Crepop.
CREPOP na Mostra – CAPSPara a última roda de conversa, que ocupou a manhã de sábado (22 de julho) o tema escolhido foi a Referência Técnica para a atuação de psicólogas nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), com Matheus Branco Leal (CRP 05/55287), psicólogo, especialista em Saúde Pública e Saúde da Família, conselheiro do CRP-RJ e coordenador do Núcleo de Saúde/Saúde Mental, como convidado.
Leal iniciou fazendo uma contextualização da Reforma Sanitária e da Reforma Psiquiátrica, refletindo inclusive sobre a impossibilidade de uma orientação da prática de psicólogas em comunidades terapêuticas, uma vez que esses espaços são contrários às orientações de cuidado antimanicomial, preconizadas pela profissão e pelas referidas reformas. Explicou que a Declaração Universal dos Direitos Humanos é o eixo fundamental na qual se baseia o Código de Ética da psicóloga, logo seria contraditório normatizar uma atuação que já está em conflito com a regulação máxima.
Segundo o psicólogo, o processo de cuidado em saúde mental está além do CAPS e envolve um processo de desinstitucionalização, mais complexo do que a mera desospitalização. “O paradigma biomédico deve ser quebrado, pois o cuidado em saúde deve se dar no território. Apoio a construção do acompanhamento terapêutico em conjunto com o usuário, respeitando o protagonismo do sujeito, trazendo dignidade, respeito, cidadania. A potência do CAPS é política, ética, social, filosófica”, ressaltou. Ele enfatizou que a luta antimanicomial não tem a ver com demandas, com fazer com que os sujeitos não precisem mais de manicômios, mas com mudança na estrutura da sociedade para que os manicômios não existam.
Leal também falou sobre a transformação da psicologia ao longo do tempo, de uma psicologia da década de 60 que atendia necessidades específicas e que se transformou, sobretudo com a década de 80, a partir de seu compromisso com a garantia de direitos. “A saúde não era um direito universal até a Constituição de 1988”, pontuou.
O psicólogo contou ainda sobre sua experiência enquanto trabalhador nas residências terapêuticas e que atualmente está na atenção básica à saúde.
“O cuidado da intervenção da psicologia precisa ser um cuidado para trazer a dignidade e trazer o respeito para as pessoas. Acreditar em um trabalho que está colado ao território para estar ali antes da crise chegar, mas que, quando a crise chegar, entender que esta é uma oportunidade para estar junto entendendo o que desorganiza o sujeito. Trata-se de entender as possibilidades e saber perceber os riscos reais quanto a segurança. A partir de uma crise, possibilitar arranjos para que a próxima crise demore um pouco mais a vir”, finalizou.
Conferência de Encerramento
A 16ª Mostra foi um sucesso de público e encerrou com a conferência “A Psicologia em defesa do cuidado em liberdade: problematizações sobre Comunidades Terapêuticas”.
A conferência teve como palestrantes Raphael Calazans, assistente social, militante político e cultural, fundador do coletivo Papo Reto e coordenador técnico do Caps-AD III Miriam Makeba; e Tainara Cardoso (CRP 05/53339), psicóloga, mestre em Psicologia Social pela Universidade Federal Fluminense, atualmente coordenadora do Capsi Pequeno Hans e do projeto social nas escolas “África em Nós”, uma das idealizadoras do projeto clínico psicoterapêutico “Psicologia em Diáspora”, atuando com os temas relacionados às questões raciais e Direitos Humanos, sobretudo Direito da Criança e do Adolescente. Na mediação, Iamara Peccin, psicóloga formada pela UFRJ (2023), colaboradora do CRP-RJ na Comissão Especial de Eventos e membro da Comissão Organizadora da 16ª Mostra.
O coordenador da Comorg da Mostra, Alfredo Assunção Matos (CRP 05/60474) agradeceu a participação de todos “nesta que foi a maior Mostra que o CRP-RJ promoveu, dessa vez em parceria com a universidade Estácio de Sá. Agradeço em nome da comissão organizadora a participação de todos que já estiveram nas mesas, ao público que passou por aqui nesses três dias e aos funcionários do CRP-RJ.”
A mediadora da conferência de encerramento, Iamara Pecci, falou “esse evento foi bem grande, foi maravilhoso, já é a maior edição da Mostra! É com muita alegria que produzimos isso tudo para vocês e por isso temos tantos agradecimentos. Sabemos que esse evento é coletivo e o quanto vale a pena quando olhamos e vemos que tudo deu certo e que funcionou. Chegamos ao nosso último dia com sucesso total.”
Adentrando o tema da Conferência, Tainara Cardoso falou sobre as comunidades terapêuticas serem “um assunto espinhoso, sensível e urgente”. Ela também levantou questões sobre como a Psicologia está voltada para a população negra, racismo científico e política libertária. “Libertar sem reparar é igual a punir”, ressaltou contundente.
O assistente social Rafael Calazans, também falou sobre o racismo estrutural. “Sempre foi racismo, nunca foi paranoia. Não é guerra as drogas, é guerra ao corpo negro”, reafirmou. “Não tem como ser anti-manicomial sem ser anti-racista! Nós (negros) podemos abandonar o racismo, mas o racismo nunca nos abandona. Somos atravessados por isso e o tempo inteiro somos acusados. Não haverá avanço anti-racista enquanto compactuarmos todos com o sistema de privilégios da branquitude. Enquanto as mães negras choram nas favelas, e tem que deixar o luto de lado para defender a honra do filho morto. Não basta matar, tem que produzir o apagamento daquela existência, dizendo que era bandido mesmo, que merecia morrer”, finalizou, de forma impactante, Calazans.
Ficou com aquela vontade de saber como foi tudo nos mínimos detalhes? Você pode assistir todas as conferências e mesas temáticas na íntegra (https://www.youtube.com/live/t4j7WcNoqoE?feature=share)