Diante de um plenário colorido e barulhento como nunca, os deputados estaduais rejeitaram ontem o projeto que ficou conhecido como a lei para “curar gays”. Num dia de agitação digna dos grandes debates travados na Assembléia Legislativa, a proposta de criação de um programa de auxílio às pessoas que quiserem deixar de ser homossexuais sofreu uma derrota acachapante (30 votos a seis). Os grupos de defesa dos homossexuais, que lotaram as galerias, comemoraram cantando o hino nacional e a música “Dancing days”, sucesso do grupo “As Frenéticas” nos anos 70.
A discussão em torno do projeto transformou o plenário da Alerj em palco para discursos exaltados, ofensas pessoais e piadas, estas sempre ao pé-do-ouvido. Nas galerias, decoradas com bandeiras com as cores do arco-íris, símbolo da causa gay, militantes participaram aplaudindo, vaiando e ficando de costas para os deputados que discursavam a favor do projeto, como Flávio Bolsonaro (PP):
– Muitas pessoas que se dizem contra (o projeto) trocam a TV de canal quando vêem um casal de gays se beijando na novela – disse ele, que reagiu ao ser chamado de nazista pelo público, de costas: – Não adianta virar de costas, vocês não têm nada a me oferecer.
A maioria dos discursos contrários a idéia teve endereço certo: o deputado e pastor Edino Fonseca (PSC), autor do projeto. Alguns, bem diretos:
– Falta ao deputado ter a coragem de assumir a sua própria sexualidade – disse o pedetista Paulo Ramos, recomendando que o pastor procurasse para ele o mesmo tratamento que propõe.
Último a discursar, Edino reagiu dizendo que não é homofóbico e que estava feliz por ter aberto o debate. O parlamentar comparou-se a Galileu:
– Nunca quis ferir ninguém. Mas estou feliz com o que aconteceu hoje. As grandes mudanças começam em debates em que o autor da idéia é massacrado. Até as idéias de Galileu era consideradas absurdas – disse ele, saudado pelos manifestantes com uma faixa com a inscrição: “Sr. Deputado. Somos a cura para a sua homofobia”.
O pastor teve o apoio de poucos colegas, porém exaltados. Alguns, como Ely Patrício, discursaram aparentemente a favor do projeto, apesar de não terem votado a favor.
– Isso tudo é uma palhaçada. Tem deputado aqui que era gay, se recuperou, é casado há 15 anos e hoje tem dois filhos – disse Ely Patrício (PFL), negando-se, porém, em revelar o nome do colega arrependido de sua opção sexual.
Armando José (PP) também foi contrário mas disse considerar possível a recuperação de homossexuais:
– É 100% possível. Existem milhares de casos.
Outros, discursaram contra apesar de terem dado parecer favorável nas comissões:
– Precisamos de um novo colorido em nossas vidas – justificou ele, que deu parecer favorável na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), da qual é presidente. – Não concordo, mas é constitucional.
Para o petista Carlos Minc, o projeto só foi derrubado graças a pressão da mídia:
– O governo queria aprovar o projeto para agradar a sua base evangélica. A prova disso é que os líderes de comissões votaram a favor dele. Mas, diante da pressão da mídia, o governo desistiu.
O presidente do Grupo Arco-Íris, Cláudio Nascimento, comemorou o resultado:
– É uma vitória contra a mistura de política com religião. O Rio mostra que é uma cidade livre e democrática.
Antes da votação, aliados de Edino reclamaram que o projeto foi posto às pressas em votação para tirar o foco dos recentes escândalos envolvendo o nome de deputados. Eles queriam mais tempo para convencer outros colegas:
– O projeto foi posto açodadamente na pauta – reclamou Edino.
Votaram a favor, além do próprio autor do projeto, cinco deputados evangélicos: Acárisi Ribeiro (PSC), Aurélio Marques (PL), José Nader Filho (PTB), Samuel Malafaia (PMDB), Fábio Silva (PP).
Fonte: O GLOBO (09/12/2004) – Alan Gripp