O Conselho Regional de Psicologia do Estado do Rio de Janeiro, através de seu XVII Plenário, vêm através desta convidar toda a categoria profissional de Psicologia de nossa região e a sociedade em geral, a refletir sobre atravessadores que perpassam a população em situação de rua, bem como indicativos de políticas públicas realmente eficazes e tanto mantenedoras quanto garantidoras de direitos. Bem como vem se posicionar contrário à internação compulsória de pessoas que fazem uso abusivo de álcool e outras drogas, sugerida pelo prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, em matéria publicada no Jornal O Dia, no dia 27/12/2022. Segundo a matéria, Eduardo Paes estuda a internação compulsória de pessoas em uso abusivo de drogas com o objetivo de diminuir o número de pessoas em situação de rua na cidade do Rio de Janeiro.
Sabe-se que a população em situação de rua, tem como marca a exclusão e o tendenciamento a segregação. É considerada, muitas vezes, como perigosa, sobretudo ao receber mais um estigma: o de usuária prejudicial de álcool e outras drogas, devendo ser retirada, da forma que for, das ruas e da visão da sociedade. Isso sem considerar as histórias de vida que a rua abriga e os diferentes motivos que levam a população a viver suas trajetórias de vidas nas ruas. Motivos esses que podem ser por escolha, pela perda de sua estabilidade financeira – situação essa agravada pelo contexto da Pandemia causada pelo Covid 19; por desavenças familiares e/ou comunitárias; situação de violência; entre outros. Trata-se de um fenômeno social complexo que pede ações coordenadas de diferentes políticas públicas.
A fala do prefeito reforça estereótipos sobre a população em situação de rua que já se demonstraram ser inconsistentes, como o fato de que essas pessoas estariam na rua por serem usuárias de drogas, mitigando as causas multifatoriais que levam as pessoas a utilizarem as ruas como espaço de moradia, bem como desconsidera dados apresentados pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP) em parceria com o Ministério Público Federal, publicadas no Relatório Nacional de Inspeção de Comunidades Terapêuticas (2017) em que é demonstrado que esse tipo de instituição atua de maneira contrária aos princípios dos Direitos Humanos, apresentando casos, inclusive, de tortura. Ademais, a fala aponta um retrocesso no que diz respeito ao atendimento às demandas dessa população, que deveria estar voltada para a garantia de direitos, considerando que a população em situação de rua experiencia diversas violações de direitos, a exemplo, do direito à moradia. Revela ainda o retorno às ações higienistas através de uma atuação repressora do Estado – práticas às quais essa população vem sendo submetida historicamente. Práticas que nós, profissionais voltados para a defesa dos direitos humanos, historicamente, tentamos combater. Dessa maneira, cabe reafirmar nosso total apoio aos princípios da Reforma Psiquiátrica Brasileira, que propõem e luta por um tratamento em liberdade, respeitando os direitos humanos e a autonomia do sujeito. O tratamento de pessoas que fazem algum tipo de uso abusivo de álcool e outras drogas deve ser realizado através dos Centros Atenção Psicossocial, os CAPS- Ad, serviços de portas abertas para o cuidado de pessoas nesse tipo de situação. Também é importante ressaltar a importância das políticas intersetoriais, em especial aquelas que se possibilitam a partir do que preconiza o Sistema Único de Assistência Social – SUAS – desde as prerrogativas de garantia de dignidade e de efetivação da proteção social como direito de todas as pessoas. Uma gama de serviços se possibilitam desde as redes de proteção social especial de média e alta complexidade, como por exemplo os Centros POP, Casas de Passagem, albergues públicos entre muitos outros Centros de Referência Especializada para População de Rua, os Abrigos da Prefeitura, responsáveis pelo acolhimento de pessoas em situação de rua, e o Centro de Referência de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS). Todos esses serviços possuem a presença de psicólogos e outros profissionais, em um trabalho multidisciplinar.
Desse modo, entendemos que a ajuda mais importante que a prefeitura pode oferecer à população carioca de maneira geral é investir nas políticas públicas de saúde e assistência social que existem para garantir que a população em situação de rua tenha acesso aos direitos constitucionais básicos, como o acesso à saúde e a proteção social. Por fim, ressaltamos que na lida com questões sociais que são efeitos de desigualdades estruturais, o fortalecimento dos serviços, a valorização das equipes que atuam nas redes e o fomento a políticas públicas garantidoras de direitos é medida comprovadamente eficaz.