Conceitos de verdade e família mobilizam diferentes afetos e compreensões que desafiam o fazer psi nessa política pública.
O Conselho Regional de Psicologia do Rio de Janeiro – CRP-RJ, no intuito de comemorar os 15 anos do Centro de Referências Técnicas em Psicologia e Políticas Públicas – Crepop – segue com sua sexta reportagem sobre a atuação da Psicologia nas políticas públicas, tendo como base um mergulho em algumas das Referências Técnicas lançadas.
Nesta reportagem, falaremos das Referências Técnicas para atuação de psicólogas(os) em Varas de Família e nos aprofundaremos nas questões desta publicação com a contribuição da psicóloga Leila Maria Torraca de Brito (CRP 05/5874), professora titular, aposentada, do Instituto de Psicologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Leila compôs a comissão das duas edições (2010 e 2019) desta RT.
“Minha participação teve início no final de 2006, inicialmente discutindo o questionário a ser aplicado, com adaptações do modelo padrão à área específica. (…) O questionário teve como objetivo levantar a formação dos profissionais que atuam na referida área, se possuíam vinculação funcional ou não, quais suas condições de trabalho, quais eram os procedimentos e intervenções que realizavam, as atividades desenvolvidas frequentemente, as técnicas utilizadas, entre outras temáticas.
(…) Foi formada a comissão de especialistas, composta por profissionais de distintos estados, da qual fiz parte. Na Comissão foram realizadas inúmeras reuniões, tanto presenciais como telefônicas, até que se chegou a versão preliminar do documento, que foi disponibilizada para consulta pública de julho a setembro de 2009”, contou Leila.
Esta primeira edição (2010) foi construída a partir de uma investigação da prática profissional em todo território nacional, possibilitando um panorama acerca da atuação da categoria nesses espaços, apontando os limites, dificuldades e potencialidades da Psicologia no Sistema de Justiça.
Segunda Leila, “em 2018, seguindo a indicação do CREPOP de uma pesquisa permanente em políticas públicas, foi solicitada a atualização das Referências Técnicas para atuação em Varas de Família, já que ocorreram diversas mudanças nas legislações, decorrentes de alterações presenciadas na instituição familiar. Assim, novo grupo de especialistas foi formado, do qual também participei, para atualização das Referências Técnicas para atuação em Varas de Família, material que foi publicado em 2019. Percebe-se, assim, a necessidade de revisão periódica das RTs, pois elas retratam questões consideradas relevantes em dado momento sócio-histórico”.
De fato, esta edição passou por atualizações importantes tanto no que tange os marcos legais da política pública, como também na abordagem de temas atuais com os quais as (os) profissionais de Psicologia se deparam na sua prática nas varas de família. Mediação de conflitos, alienação parental, depoimento especial, violência contra a mulher, assim como a atuação do perito e elaboração de documentos escritos por psicólogas (os) são apenas algumas das mais diversas questões profissionais que desafiam a (o) psicóloga (o) neste contexto.
Este documento pretende auxiliar profissionais e estudantes na aproximação com o campo de atuação nas varas de família, pensando esta atuação numa perspectiva crítica, reafirmando o compromisso ético-político da Psicologia, entendendo a justiça como direito humano fundamental.
A atuação psi vai ao encontro de muitas questões que extrapolam o direito de família e dialogam com concepções e conceitos vindos de conflitos humanos relacionados à vida em família, tais como encontradas nas varas da infância e da juventude, nas varas especiais de crimes contra a criança e adolescente e de crimes contra a mulher, entre outras instâncias.
Para lidar com a complexidade dos dilemas humanos e com os fenômenos sociais expressos nas questões jurídicas, a (o) psicóloga (o) é chamado para assessorar as decisões judiciais empregando o seu saber para que os problemas judicializados possam ter respostas singularizadas e justas.
Para Leila a importância da elaboração desta RT é justamente trazer parâmetros técnicos e éticos. “No caso das Varas de Família, notava-se que inúmeras eram as dúvidas encaminhadas aos Conselhos Regionais sobre possibilidades, limites, técnicas e procedimentos a serem utilizados no trabalho de psicólogas (os), que não colocassem em risco a garantia de direitos. Além disso, no início dos anos 2000 foi possível observar que para muitos profissionais da área o papel das (os) psicólogas (os) que atuavam em Varas de Família não estava definido. Havia muita incerteza sobre a prática profissional, bem como dificuldades na busca por referências bibliográficas, pois ainda eram relativamente poucos os profissionais com alguma atuação junto a essas Varas”, explicou.
“Nas Referências Técnicas para atuação em Varas de Família buscou-se reunir e apresentar contribuições da Psicologia na implementação da respectiva política pública, com diretrizes e referências para a prática profissional. Procurou-se abordar todas as temáticas solicitadas pelas (os) psicólogas (os) que responderam aos questionários e participaram dos encontros nos Conselhos Regionais, contemplando dúvidas e explicações encaminhadas pelos profissionais. Destacou-se, também, a importância de um trabalho articulado com políticas públicas locais para que sejam garantidos direitos da população atendida. A inexistência de uma rede de atendimento dificulta o trabalho do profissional quando, por vezes, lhe são direcionadas demandas que vão além de suas atribuições”, pontuou a psicóloga.
Longe de modelos fechados, a prática profissional se reinventa e se adapta a novas realidades e a novos contextos. A RT para a atuação em varas de família foi elaborada sob a perspectiva de superar os entraves e limites das leis e das expectativas de que cabe à Psicologia ditar destinos, prever o futuro ou justificar arbítrios. Nesse sentido, a Psicologia jurídica praticada nas varas de família não se resume na elaboração de perícias, mas sim é pautada na forma como a avaliação psicológica pode ser a base sobre a qual outras ações se realizam.
Leila, inclusive, ressaltou que “o material (esta RT) não se destina apenas aqueles lotados em Varas de Família, mas também aos que não possuem vínculo empregatício no Poder Judiciário, mas são nomeados peritos, bem como os contratados para serem assistentes técnicos. Há também psicólogas (os) lotadas (os) em outras instituições, como Ministério Público e Defensoria que trabalham com temas afins, dentre outros profissionais. Nas temáticas tratadas destacam-se a disputa de guarda de filhos de pais separados, a guarda compartilhada, a alienação parental, a mediação de conflitos, a contestação de paternidade, dentre outros. Nossa prática profissional, no entanto, deve resguardar sempre os mesmos princípios técnicos e éticos que orientam o fazer do profissional de Psicologia”.
Por fim, Leila trouxe que é fundamental pontuar que “o Crepop, nos 15 anos de sua existência, se destaca na história da Psicologia Brasileira a partir do importante papel que passou a ocupar na orientação da prática profissional no campo das políticas públicas, priorizando e ressaltando a relação entre a Psicologia e essas Políticas, alinhadas com as garantias de direitos. O Crepop possui uma agenda nacional, que privilegia o diálogo do Sistema Conselhos com a categoria, sendo esse o seu destaque. A metodologia utilizada pelo Crepop,se apoia na participação da categoria por meio de diferentes instrumentos de coleta de dados para a construção das Referências Técnicas. Estas referências funcionam como um recurso para orientação profissional, de acordo com princípios de cidadania e direitos humanos. São instrumentos de orientação sempre com uma perspectiva crítica em consonância com compromisso ético-político”.
A Psicologia atuante nas diversas políticas públicas demarca a importância deste olhar crítico e a escuta atenta nos mais diversos âmbitos da vida em sociedade. Longe do antigo paradigma individualizante, a Psicologia brasileira atua compromissada com a contextualização dos atravessamentos que nos constituem enquanto sujeitos e produzem efeitos também nas diferentes esferas em que atuamos. Não diferente, o Judiciário, palco de disputas e conflitos muitas vezes oriundos das diversas formas de enxergar e conceber o mundo que nos cerca, é também campo fundamental de atuação psi, tanto quanto é desafiador para nossa prática profissional.
*Leila Maria Torraca de Brito também é Mestre e Doutora em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Pós-doutora em Direito pela Universidade Federal do Paraná e pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Autora e organizadora de diversos livros e artigos sobre temas relacionados à Psicologia Jurídica.
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Perdeu as primeiras reportagens? Acompanhe no link abaixo:
SEGURANÇA PÚBLICA: POLÍTICA PÚBLICA É TEMA NESTA REPORTAGEM DA SÉRIE “CREPOP 15 ANOS”
ESPECIAL 15 ANOS DE CREPOP: POLÍTICAS PÚBLICAS DA SAÚDE SÃO OS TEMAS DA VEZ
15 ANOS DE CREPOP: POLÍTICAS PÚBLICAS VOLTADAS AOS POVOS TRADICIONAIS É O TEMA DESTA EDIÇÃO