O segundo dia da 17ª Mostra Regional de Práticas em Psicologia, contou com quatro mesas temáticas, além de outras atividades e apresentações de trabalho que ocorreram durante todo o dia 2 de agosto, na Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ.
Entre os temas foram destaque a acessibilidade e inclusão, a precarização do trabalho, privação de liberdade e as vivências dos 50 anos do CRP-RJ.
Todas as mesas foram transmitidas e estão disponíveis no canal oficial do CRP-RJ no YouTube @realCRPRJ.
MESA TEMÁTICA 1 – A PSICOLOGIA NAS PRÁTICAS INCLUSIVAS E ACESSÍVEIS NA ATUALIDADE
A primeira mesa temática levou o tema “A Psicologia nas Práticas Inclusivas e Acessíveis na Atualidade”, trazendo à tona a necessidade urgente de transformar a Psicologia em uma profissão mais inclusiva e acessível, desconstruindo o capacitismo e reconhecendo a diversidade e complexidade das experiências.
Participaram dessa mesa Viviane Espírito Santo dos Santos (CRP 05/37973), psicóloga bilíngue bimodal (Libras/português e colaboradora do Eixo de Políticas e Práticas Anticapacitistas, Comissão Regional de Psicologia e Direitos Humanos do CRP-RJ, Danielle Leite de O. Gusmão (CRP 05/54323), psicóloga, professora e mestre em Psicologia, Raquel Guerreiro (CRP 05/45085), psicóloga, professora, doutora em Psicologia Social e Institucional e mulher com deficiência e na mediação Marwyn Soares (CRP 05/65099), psicólogo e colaborador da Comissão Gestora do Norte Noroeste Fluminense, Comissão Especial de Psicologia e Relações Étnicas e Raciais, e do Eixo de Políticas e Práticas Anticapacitistas do CRP-RJ.
Mediando a mesa, o psicólogo bilíngue Marwyn Soares, agradeceu a todas as pessoas presentes, e desejou que o diálogo fosse produtivo e enriquecedor.
A partir de sua experiência como psicóloga, pesquisadora e filha ouvinte de pais surdos, Viviane dos Santos compartilhou sua história pessoal, destacando a importância de sua identidade “CODA”, a qual a impulsiona a lutar por uma sociedade sem capacitismo. Ela também salientou a dificuldade que sua mãe, surda, teve em encontrar psicólogas(os) que a atendessem em Libras. Enfatizou a necessidade de profissionais de saúde mental entenderem a cultura surda e a língua de sinais, para garantir a inclusão e o acesso à saúde mental para surdos.
A psicóloga Danielle Leite, abordou a questão da acessibilidade clínica, apontando a importância de considerar diferentes corpos e vivências na prática profissional. Disse que acolher significa levar em consideração as necessidades do outro, incluindo as de acessibilidade. Também destacou a importância da intimidade de acesso, que se refere à sensação de conforto e segurança que uma pessoa com deficiência pode sentir ao ser acolhida de maneira acessível.
Raquel Guerreiro, enfatizou a interseccionalidade da deficiência, argumentando que a deficiência não é uma questão isolada, mas se entrelaça com outras questões como raça, classe e gênero. Ela defendeu a desconstrução do capacitismo, tanto na sociedade quanto nas instituições de ensino. A psicóloga também destacou a importância de integrar a deficiência como tema de debate na Psicologia e como essencial para a formação de psicólogas(os). Ela salientou que a Psicologia precisa se re-posicionar em relação à deficiência, não apenas como um estudo sobre estudantes, mas como uma área que precisa se adaptar para receber pessoas com deficiência, inclusive na posição de professor. Ela sugeriu “alejar a Psicologia” como forma de provocar a formação em Psicologia para incorporar a deficiência como um tema fundamental.
Ao final desta mesa, as(os) psicólogas(os) fizeram um ato sobre a campanha da jornada de 30 horas semanais para a categoria, a fim de chegarem aos parlamentares para que votem a favor desta campanha, por uma Psicologia digna para o país e melhores condições de trabalho.
Segurando cartazes e em coro, as(os) participantes falaram o seguinte texto:
Nós Psicólogas e Psicólogos de todo o Brasil!
Estamos reunidos na UERJ!
Na 17ª Mostra Regional de Práticas em Psicologia do CRP do Rio de Janeiro.
Realizando um ato em defesa da jornada de trabalho de até 30h.
Brasil tem a maior Psicologia do mundo!
Somos mais de 540 mil “psis”!
Mais de meio milhão de trabalhadoras!
Nós cuidamos da saúde mental da população brasileira!
Trabalhar em Psicologia precisa de jornada compatível com nossa atividade!
Vamos fazer nossa voz chegar ao Congresso Nacional!
Senhoras e Senhores parlamentares!
Precisamos melhorar nossa qualidade de vida e de trabalho!
Solicitamos seu apoio para aprovar nossos projetos em agosto.
Mês em que celebramos o Dia da Psicóloga!
Até 30 horas Já! Até 30 horas Já! Até 30 horas Já!
Até 30 horas Já! Até 30 horas Já! Até 30 horas Já!
MESA TEMÁTICA 2 – A PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO E POLÍTICAS PÚBLICAS
A segunda mesa teve como tema “A Precarização do Trabalho e Políticas Públicas”, onde foram discutidos assuntos relacionados à saúde da classe trabalhadora, condições de trabalho e direitos trabalhistas.
O encontro foi mediado pela psicóloga Vanessa Brito (CRP 05/28830), doutora em memória social, Conselheira do CRP-RJ, coordenadora do Núcleo de Psicologia e Assistência Social, e trabalhadora do SUAS no município de Itaguaí.
As palestrantes convidadas foram Suzi Brum (CRP 05/17396), doutora em Psicologia do desenvolvimento, mestre em Psicologia, e atuante nas políticas públicas da assistência social, saúde mental e saúde do trabalhador, Isabel Scrivano (CRP 05/26162), psicóloga, doutora em Psicologia, e Coordenadora da Comissão Especial de Acompanhamento Parlamentar do CRP-RJ, e Monica Aduni (CRP 05/30740), psicóloga, coreógrafa, dançarina e cantora.
A mediadora Vanessa Brito iniciou falando sobre o tema do evento, destacando a relação da Psicologia com as políticas públicas e suas debilidades.
Para introduzir o assunto, Suzi Brum fez uma análise sobre radicalização dos discursos autoritários, hipervelocidade dos acontecimentos, e deslocamentos humanos impostos por condições sociais e ambientais nos dias de hoje. Brum também falou sobre precarização do trabalho, definindo-a como um processo no qual pessoas perdem o controle da própria vida e suas habilidades, e uberização, por ser um trabalho relacionado à demanda e intermitente.
Monica Aduni contou sobre dificuldades do trabalho das(os) psicólogas(os) na Educação, como falta de ferramentas de locomoção, espaços adequados para atendimentos e suporte tecnológico. Além disso, ela apontou a alta demanda de alunos para poucos profissionais, e a insegurança da permanência dos cargos e salários. Aduni também falou sobre a precarização de psicólogas(os) que trabalham em consultório por conta dos descontos salariais dos planos de saúde. A psicóloga ressaltou que a Psicologia é frequentemente associada ao feminino de forma geral, mas observa que as mulheres, em particular, são historicamente limitadas ao papel de assistencialismo e doação.
Em seguida, Isabel Scrivano relembrou a lei n.º 13.935/19, que garante a prestação de serviços de Psicologia nas redes públicas de educação básica, e alertou para que o combate à precariedade dos profissionais se transforme em uma luta de toda a categoria e dos sistemas conselhos de Psicologia.
Scrivano explicou que o processo de implementação da carga horária de 30 horas semanais das(os) psicólogas(os), também depende da atuação dos sindicatos e da SBPOT – Associação Brasileira de Psicologia Organizacional e do Trabalho , que juntos compõem o GT 30H, para que haja uma lei sancionada pelas câmaras municipais e federais, senado e o executivo. A psicóloga apresentou a situação dos projetos SUG13/2022, que ainda é uma sugestão de projeto de lei, PLS 511/2017, projeto de lei que precisa passar pelo plenário do Senado, e PL 1214/2019, que tem chances de entrar em votação no Senado em breve. A conselheira concluiu com dados do Conselho Federal de Psicologia informando que a Psicologia do Rio de Janeiro tem, atualmente, o total de 58.333 mil profissionais em exercício.
MESA TEMÁTICA 3 – SEGURANÇA PÚBLICA E PRIVAÇÃO DE LIBERDADE: QUAL O FUTURO DA JUVENTUDE NEGRA ENCARCERADA?
“Segurança Pública e Privação de Liberdade: Qual o Futuro da Juventude Negra Encarcerada?”, foi a temática da terceira mesa do dia. O diálogo revelou a complexidade do sistema carcerário e socioeducativo brasileiro, que se baseia em uma lógica de criminalização e punitivismo. A mesa também ressalta a importância da atuação da Psicologia no contexto da segurança pública e da privação de liberdade, com o objetivo de combater o racismo e a violência e construir um futuro mais justo e igualitário para a juventude negra.
Participaram dessa mesa Francisco Netto (CRP 05/38521), psicólogo, secretário executivo do Programa institucional de Política de Drogas, Direitos Humanos e Saúde Mental da Fiocruz e representante do Conselho Regional de Psicologia no Conselho Estadual de Política de Drogas do Rio de Janeiro, Flávia Lisboa (CRP 05/43021), psicóloga do Departamento Geral de Ações Socioeducativas do Rio de Janeiro. Doutora em Psicologia pela UFRJ, Samuel Lourenço, autor dos livros “Ressocializado na Cidade do Caos”, “Além das Grades” e “Penitência: A Prisão e os Evangélicos”, ex presidiário, formado em Gestão Pública pela UFRJ e criador do projeto Marroca Conteúdo Prisional e Ana Carla Silva (CRP 05/18427), psicóloga e colaboradora do Núcleo de Psicologia, Sistema Prisional e Segurança Pública do CRP-RJ, na mediação.
O psicólogo Francisco Neto iniciou a mesa com dados sobre a crescente população carcerária no Brasil e a sua relação com a criminalização das drogas. Ele criticou a lógica da guerra às drogas, a qual ele considera um contrassenso para uma sociedade que almeja diminuir a criminalidade. Francisco também destacou o crescimento da população carcerária por crimes relacionados às drogas, especialmente entre mulheres negras.
Samuel Lourenço apresentou dados sobre a realidade da população carcerária no Brasil, enfatizando a desproporcionalidade racial, sendo 69% de jovens negros. Ele criticou a falta de investimento em políticas públicas de reinserção social para a população negra encarcerada e usou a sua própria experiência como exemplo dos obstáculos enfrentados por quem cumpre pena no sistema prisional. Samuel ainda denunciou as condições precárias de vida dentro das prisões, a falta de oportunidades de trabalho e estudo e a violência a que os presos são submetidos.
A psicóloga Flávia Lisboa apresentou seus estudos sobre a juventude negra no sistema socioeducativo. Ela argumenta que a relação entre essa juventude e o estado é de inimizade, onde os jovens são tratados como inimigos a serem eliminados. Para a psicóloga, a desumanização e a falta de perspectiva de vida são fatores que contribuem para a violência e a criminalidade. Ela defende uma Psicologia que se coloque a favor da vida, garantindo o acesso aos direitos fundamentais.
MESA TEMÁTICA 4 – 50 ANOS DO CRP-RJ: DIREITOS HUMANOS, DEMOCRACIA E LUTAS SOCIAIS
O encontro foi mediado pelo psicólogo Filipe Degani Carneiro (CRP 05/46254), mestre e doutor em Psicologia social, e professor do Instituto de Psicologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. As palestrantes foram Janne Calhau (CRP 05/1608), psicóloga clínica institucional, Lucas Gabriel de Mattos Santos (CRP 05/58930), psicologo e mestre em Psicologia pela UFRJ, e integrante do Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate a Tortura do Estado do Rio de Janeiro, e Maiara Fafini (CRP 05/43721), travesti, psicóloga, assessora da deputada estadual Renata Souza, membra do Fórum Estadual de Travestis e Transexuais RJ, e especialista em direitos humanos.
Filipe Degani introduziu falando sobre os direitos humanos serem tema transversal à Psicologia nos dias de hoje, assim como a igualdade e os direitos à diferença.
A psicóloga Janne Calhau definiu os direitos humanos como uma construção histórico política com participação de atores ativos dos movimentos sociais em várias épocas da história. Ela relacionou as torturas ocorridas na ditadura militar com violências aos povos originários, pessoas negras, membros da comunidade LGBTQIAPN+ atualmente. Calhau explicou que o objetivo dos atos violentos do estado é para controlar o corpo social, desqualificar a capacidade de contestação e aniquilar a resistência de grupos. A psicóloga também destacou a importância do indivíduo encontrar grupos de acolhimento, em alguma instância da esfera pública, com objetivos comuns para restaurar os princípios éticos corrompidos.
Maiara Fafini elaborou uma linha do tempo para abordar sobre os direitos humanos para pessoas LGBTQIAPN+. A psicóloga falou sobre a revolta de Stonewall em 1969, o relato da traviarca Jovanna Baby sobre as punições sofridas por conta da lei da vadiagem em 1979, a condenação do CFP às práticas da cura gay realizada por psicólogas (os) em 1999, o lançamento do quarto código de ética da Psicologia em 2005, a permissão da inclusão do nome social de travestis e transsexuais no campo de observação pelo CFP em 2011, o lançamento da resolução n.º01/2018 que considera a transsexualidade como não patologia.
Integrante do Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate a Tortura, Lucas Santos contou sobre a relação da segurança pública com corpos negros, no qual dados informam que 77% das pessoas que passam pela audiência de custódia, no Rio de Janeiro, são negras. Para Santos, o pensamento de Frantz Fanon sobre o desejo dos colonizadores em controlar os corpos dos grupos colonizados define o que acontece na sociedade fluminense.
O psicólogo também comentou o processo de integração das cotas raciais na Universidade, em 2014, destacando o quão brancos eram as estruturas e parâmetros desses espaços. Ele finalizou retratando o apagamento histórico das pessoas negras, como ocorreu com Virgínia Bicudo, socióloga e psicanalista, que participou do I plenário do CFP e uma das precursoras de discussões sobre racismo na Psicologia.