Neste ano, 2021, o Sistema Conselhos de Psicologia comemora os 15 anos de criação do Centro de Referências Técnicas em Psicologia e Políticas Públicas, o nosso Crepop.
No intuito de homenagear esta data, mas também, e principalmente, reafirmar a importância do Crepop e das Referências Técnicas para a Psicologia brasileira, iniciaremos uma série de 15 reportagens que contarão um pouco da história da sua existência, o contexto e a articulação da categoria que viabilizou seu nascimento, bem como entrevistas com psicólogas e psicólogos que foram fundamentais para chegarmos ao Crepop que temos hoje.
O Crepop foi criado com propósito de proporcionar orientação na atuação da Psicologia nas mais diversas políticas públicas, e introduziu uma metodologia inovadora que conseguiu promover a participação democrática da categoria na construção dos referenciais técnicos que visam esta qualificação do fazer profissional.
Para garantir o fortalecimento das Políticas Públicas e da defesa dos direitos humanos, foi primordial fomentar a produção de conhecimento advindo de psicólogas e psicólogos atuantes nas próprias políticas públicas, construindo assim Referências Técnicas que de fato estejam conectadas com a realidade vivida nesta atuação profissional.
Para Isabel Scrivano (CRP 05/26162), coordenadora na Comissão Regional de Psicologia e Políticas Públicas do CRP-RJ e responsável pelo Crepop na XVI Plenária, ao longo desses 15 anos, a história do Centro de Referências foi sendo escrita “com muita luta e resistência por uma psicologia comprometida com a transformação da sociedade brasileira, para uma sociedade com menos desigualdades e injustiças sociais’’.
COMO TUDO COMEÇOU
Em 1997, quando Ana Bock (CRP 06/2771), psicóloga e professora titular na PUC-SP, assumiu a presidência do Conselho Federal de Psicologia – CFP -, a atuação psi no âmbito das políticas públicas passou a ser mais notada devido a todo o contexto histórico que se iniciou com a promulgação da Constituição de 1988, com o nascimento do SUS – Sistema Único de Saúde em 1990 e com a crescente articulação da categoria. Essa atuação ampliada nas políticas públicas trouxe a necessidade de refletir e ter referenciais técnicos que garantissem uma maior qualidade do trabalho.
Nessa época, a Psicologia era vista pela população em geral como uma especialidade para quem tinha condições financeiras, e o trabalho desenvolvido nas políticas públicas ainda era pouco conhecido na sociedade e na própria categoria.
Visando ampliar o reconhecimento da importância da Psicologia nas políticas públicas e na defesa dos direitos das populações em maior vulnerabilidade social, Bock formou,juntamente com outros integrantes da gestão, e a partir de uma ampla articulação da categoria, um planejamento que, segundo ela, era uma “ideia do compromisso social, do atender a maior parte da população e do servir a sociedade brasileira nas suas urgências’’.
O planejamento deu certo, chegou ao Congresso Nacional, e a categoria conquistou não só a ampliação de sua atuação nas políticas públicas, mas também a amplificação da ideia de uma Psicologia compromissada com a transformação social, mais afinada com o que preconiza seu Código de Ética.
Chegando ao ano de 2003, o CFP instalou o projeto que se chamava Banco Social de Serviços de Psicologia. Em caráter voluntário, a(o) profissional informava em qual área atuava, em que gostaria de colaborar e o tempo disponível.
Segundo a psicóloga Maria da Graça Marchina Gonçalves (CRP 06/ 3983), professora da PUC-SP, presidente do CRP/SP na gestão 2004-2007, conselheira do CFP e coordenadora do Crepop Nacional na gestão 2007-2010, em entrevista exclusiva para esta reportagem, a categoria “sempre discutiu o lugar da Psicologia no campo das Políticas Públicas como um lugar de atuação profissional, (…) sempre tivemos psicólogas e psicólogos no campo da saúde, no campo da educação e em outros espaços ligados à justiça. E por meio do Crepop esse debate se aprofundou no conhecimento das diferentes áreas, dos diferentes campos de atuação que já existiam em alguns casos, mas, foram se diversificando e ampliando’’.
O Banco Social de Serviços de Psicologia teve entre 2003 e 2005 seis projetos de assistência à população, e após 2 anos foi encerrado. Foi a partir dessa ideia que começou a nascer o Crepop.
A idealização do Centro de Referências, a partir de toda essa efervescência de ideias que vinham convergindo para uma Psicologia mais atuante e próxima da população mais vulnerabilizada, foi de Marcos Vinícius de Oliveira, o nosso Matraga, grande defensor dos direitos humanos, militante da Luta Antimanicomial, que foi brutalmente assassinado em fevereiro de 2016, na Bahia.
Sua ideia para o Centro de Referências era “produzir para atuação da Psicologia, dos psicólogos e psicólogas nas políticas públicas uma sistematização a partir daquilo que já vinha sendo feito com a contribuição de pessoas que estudavam, pesquisavam, davam aula e trabalhavam naquele campo para que pudesse oferecer referências para a atuação”, como pontuou Ana Bock.
Foi no V Congresso Nacional de Psicologia (5º CNP) que houve a deliberação, a nível nacional, da implementação do Crepop. Verdadeiramente um grande marco para nossa categoria.
CREPOP HOJE
O Crepop, desde sua origem, busca, por meio de sua produção e da maior qualificação profissional psi, a melhoria das condições básicas de vida, dignidade e garantia de direitos da maior parte da população brasileira. Essa luta em favor das políticas públicas persiste até hoje e se amplia a cada dia.O Crepop continua contribuindo na construção da Psicologia brasileira, por meio das Referências Técnicas – RTs – que são lançadas e frequentemente atualizadas.
Maria da Graça Marchinha Gonçalves ressaltou que “o lugar do CREPOP deve ser muito bem cuidado, ele pode ser uma frente de luta e de enfrentamento mesmo ao desmonte que a gente tem assistido em relação às Políticas Públicas Sociais.’’
Gonçalves pontuou também o ataque que o Sistema Único de Saúde está sofrendo com o enfraquecimento do campo público direta e indiretamente na atual gestão do Estado, principalmente com o colapso que a pandemia causou. A luta pela garantia dos direitos básicos nunca foi tão urgente e fundamental.
Para Isabel Scrivano, o Crepop nos dias de hoje tem muito a articular nos direitos sociais e nas Políticas Públicas: “temos muito ainda para caminhar e resistir. É luta! É resistência! Mas continuamos dando passos.”
Comemorar os 15 anos do Crepop é evidenciar tudo que foi feito e conquistado ao longo desse tempo no que se refere a atuação da Psicologia nas políticas públicas.
Conforme Maria da Graça Gonçalvez falou: “o Centro de Referências é um instrumento que nos fortalece na luta pela defesa dos direitos sociais, das políticas públicas, do campo social, do caráter público, dos atendimentos e dos serviços que devem ser prestados à população, que a Psicologia pode contribuir com seu conhecimento e com as suas práticas para que, nesse processo, os aspectos da subjetividade sejam considerados’’.
Neste sentido, comemorar a continuidade de um projeto tão importante quanto inovador – ainda inovador, mesmo depois de 15 anos – e compromissado socialmente, também é resistência.
O QUE ESTÁ POR VIR…
Resistindo e comemorando estes 15 anos de existência do Crepop, a próxima reportagem da série será sobre a RT do Sistema Prisional e contará com participação de Ana Claudia Camuri (CRP 05/37443), doutora em Psicologia Social.
- As falas de Ana Bock e Isabel Scrivano foram retiradas da live produzida pelo CRP-RJ em 28 de agosto de 2020. Para assistir na íntegra, acesse https://www.facebook.com/236430666445454/videos/621046025279993