No último final de semana, no dia 29 de maio de 2021, milhares de pessoas se uniram em marcha nas ruas contra uma conjuntura em que a população é abandonada a uma crise sanitária, sem precedentes no país. Dois dias depois, em meio ao pior quadro da pandemia, o Governo Federal ignora a ausência de iniciativas concretas que produziram as mais de 450.000 vítimas com a contaminação da Covid-19, e aceita sediar a Copa América no Brasil, após Colômbia e Argentina se recusarem a receber o evento.
A Confederação Sul-Americana de Futebol (CONMEBOL) já vinha sendo alvo de críticas nos noticiários esportivos, ao informar que iria vacinar por conta própria os jogadores, para os jogos da competição Libertadores da América, o que causou, inclusive, certo constrangimento em algumas seleções que não se sentiam confortáveis em terem seus atletas vacinados antes de sua população.
Com o cancelamento dos jogos na Colômbia, por conta de uma série de protestos contra o governo de Ivan Duque, e a negativa da Argentina por conta do aumento do número de casos de contaminação, o atual governo do Brasil, ovacionado com o suporte da Confederação Brasileira de Futebol, enxerga o “campo” perfeito para continuar colocando em prática um projeto neoliberal perverso de negacionismo e desmonte do Estado.
É neste contexto que o Núcleo de Psicologia do Esporte do CRP-RJ, que pensa e problematiza a ética do cuidado e da saúde mental não só no campo do esporte, mas em todo o coletivo em que esse campo se constitui, vem se manifestar contra a realização da Copa América 2021 no Brasil.
Entendemos que o fenômeno esportivo, e nesse caso, especificamente, o futebol no contexto da América Latina, não pode ser utilizado como mais um instrumento de opressão, e deve, como nos adverte Fanon, se construir em bases diferentes daquelas originais construídas pelas nações europeias capitalistas. Desse modo, a fala deste autor, que era um psiquiatra nascido na Martinica e ativista anticolonial, nos serve como base para pensar e problematizar as lutas do campo psi também no esporte.
Segundo Fanon (1968 apud Ferreira Junior e Rubio, 2020, p.79) “o homem [e a mulher] político[…] não deveria se preocupar em fazer esportistas, mas homens [e mulheres] conscientes que também podem ser esportistas. O esporte deveria […]se integrar a vida nacional, possibilitar sua construção, isto é, dar sentido ao nacional. E deveria ainda compreender […] a formação de cidadãos conscientes […]” que se colocassem contra um modo de funcionamento do esporte pautado no consumo extremo e na exploração de profissionais e espectadores.
Como conclusão desta nota de posicionamento continuamos com Fanon e sua perspectiva sobre o papel do esporte na sociedade: “O esporte não deveria ser uma distração’ oferecida pela burguesia das cidades’ mas constituir-se como terreno fértil à possibilidade de compreender, a todo momento o que se passa entre nós.”