Edital prevê financiamento público para empresas ou organizações não governamentais para implementar projeto com viés punitivista e retira a questão do âmbito da Saúde e da Assistência
O Eixo de Políticas sobre Álcool e Outras Drogas da Comissão Regional de Direitos Humanos do CRP-RJ realizou uma análise aprofundada do Edital de Convocação nº 1/2020 PROJETO BRA/15/009 proposta no âmbito da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas – SENAD, que pretende convocar instituições públicas e privadas em todo o território nacional a apresentar candidaturas para a organização de um projeto piloto denominado “Tô de boa”.
Segundo o Edital da SENAD (Governo Federal), o objetivo do projeto é “reduzir o envolvimento de adolescentes, jovens adultos e outros membros de comunidades com vulnerabilidades sociais relacionadas ao narcotráfico, empregando ações que promovam o desenvolvimento econômico e biopsicossocial por meio da oferta de alternativas”. E, após esta conceituação, aponta os órgãos a serem acionados para a realização do projeto: “Ministério Público, o Poder Judiciário, as Secretarias de Estado de Segurança Pública, as Polícias Militares e Civil e os órgãos municipais de Segurança Pública do estado/município onde o projeto for implementado”.
Diante destas informações, já é possível perceber o viés que o referido projeto assumirá uma vez que chama atenção o fato de que não são citados em nenhum momento do Edital a RAPS, os CAPS Ad, os CREAS ou os CRAS, equipamentos da rede que trabalham com a política de redução de danos e sob uma perspectiva não punitivista em relação à pessoa que faz uso de álcool e outras drogas. Nem mesmo o SUS ou o SUAS são sequer citados no referido Edital, o que evidencia o recorte que pretende ser seguido em sua realização.
O projeto “Tô de boa” não visará trabalhar no âmbito da questão de saúde pública, numa perspectiva de redução de danos, deixando óbvia a intenção de trabalhar apenas com os órgãos de repressão e focado numa parcela bem específica da população.
O parecer do Eixo de Políticas sobre Álcool e Outras Drogas da CRDH, pontuou o cerne da questão ao concluir que o Edital do Governo Federal, na realidade, abre espaço para um financiamento com dinheiro público de uma política que vai na contramão das lógicas de cuidado que desde o começo dos anos 2000 vêm sendo construídas no Brasil, que respeitam o protagonismo, individualidade e história sócio-cultural de cada cidadão envolvido.
Muito pelo contrário, o projeto “Tô de boa” pretende articular somente com a segurança pública, corroborando ainda mais para o estigma posto nas populações já criminalizadas (jovens negros e pobres, habitantes de determinados territórios mais precarizados).
Em consonância com o Código de Ética Profissional e, mais uma vez, reafirmando seu compromisso social, a Psicologia brasileira e o CRP-RJ não pactuam com projetos ou políticas que visem estigmatizar, produzir e reproduzir preconceitos,negligência e discriminação.
Para ler o parecer do Eixo de Políticas sobre Álcool e Outras Drogas da CRDH/ CRP-RJ na íntegra, clique aqui.