O Dia da Consciência Negra, celebrado nacionalmente em 20 de novembro, homenageia a memória de Zumbi, assassinado em 1695 a mando da Corte Portuguesa por ter sido a principal liderança do Quilombo dos Palmares. A mais longa experiência de resistência à escravidão nas Américas, Palmares reuniu, durante praticamente todo o século XVII, milhares de homens e mulheres escravizados, além de índios e brancos pobres.
Foram precisos quase dois séculos depois para que a escravidão fosse oficialmente abolida em nosso país, em 1888. Abolida no papel, a escravidão, porém, ainda se perpetua em termos sociais, culturais, políticos e econômicos, alimentada pelo racismo estrutural e por todas as perniciosas manifestações de violência e violação que dele advêm.
Apesar de representarem quase 56% da população brasileira, os negros (pretos e pardos) ainda sofrem com o enorme abismo que os separa do restante da população. Dados divulgados este mês pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelam que, enquanto 34,6% de pessoas brancas se encontram em condições informais de trabalho, a informalidade atinge 47,3% de pretos e pardos. Ainda de acordo com o IBGE, os negros representam 75,2% da parcela da população com os menores ganhos e apenas 27,7% dos 10% da população que tem os maiores rendimentos registrados.
A insipiência de políticas públicas que garantam a inclusão social e equidade de oportunidades para brancos e negros em nosso país é refletida nas estatísticas que medem a pobreza. Segundo o IBGE, enquanto 15,4% dos brancos estão na faixa da pobreza, 32,9% dos negros compõem a parcela de brasileiros que vivem com até US$ 5,50 por dia. Na linha da extrema pobreza, com rendimento de até US$ 1,90 por dia, estão 3,6% dos bancos e 8,8% dos pretos e pardos.
A população negra é a principal vítima de homicídios no Brasil. Conforme dados divulgados este mês pelo IBGE, entre 2012 e 2017, foram registradas 255 mil mortes de negros por assassinato. Em proporção, negros têm 2,7 mais chances de serem vítimas do que brancos. Para se ter uma ideia, conforme alerta o Atlas da Violência 2018, entre 2006 e 2016, a taxa de homicídios de negros cresceu 23,1%, enquanto que, entre os não-negros, esse índice teve redução de 6,8% no mesmo período.
A representatividade da população negra no campo da política e sua inserção nos espaços acadêmicos e científicos ainda é reduzida se comparada à população branca. Enquanto que o percentual de brancos com 25 anos ou mais que possuem ensino superior é de cerca de 23%, a porcentagem de negros na mesa faixa etária com diploma universitário não chega a 10%. No mundo da política, apenas 46,4% dos candidatos que pediram ao Tribunal Superior Eleitoral registro para disputar cargos eletivos nas últimas eleições se autodeclararam negros.
“A desigualdade racial no Brasil foi historicamente construída desde que o primeiro africano foi desembarcado em nossa costa dentro de um navio negreiro. E essa mesma sociedade continua perpetuando formas de hierarquização racial através da manutenção perversa de um racismo estrutural que mantém determinado funcionamento político, social e econômico que opera como instrumento de violação de direitos de uma parcela da sociedade, os pretos e pardos. É essa mesma sociedade que equivocadamente acredita na existência de uma ‘democracia racial’, à qual prefiro definir como ‘racismo à brasileira’”, critica Hildeberto Vieira Martins (CRP 05/24193), conselheiro-coordenador do Eixo de Relações Raciais da Comissão Regional de Direitos Humanos do CRP-RJ.
E no mundo da Psicologia, será que o cenário é diferente? Você já parou para pensar quanto professores negros você teve na sua graduação, quantos estudantes negros havia na sua turma ou, ainda, a quantos autores e teóricos negros você teve acesso?
Nesse sentido, o Conselho Regional de Psicologia do Rio de Janeiro reitera que a (o) psicóloga (o) tem o compromisso ético, político e social com a afirmação da singularidade das subjetividades negras, que foram e continuam sendo histórica, econômica, política e culturalmente invisibilizadas e silenciadas.
Também, é dever da (o) psicóloga (o) combater toda a forma de racismo e violência racial, conforme determina a Resolução do Conselho Federal de Psicologia nº 018/2002, que veda a essa (e) profissional práticas de segregação e discriminação racial. Vale destacar, ainda, outro importante marco ético da Psicologia brasileira: as Referências Técnicas para Atuação de Psicólogas (os) na interface com as Relações Raciais, lançadas em 2017 pelo CFP.