A 12ª edição do Seminário Regional de Psicologia e Direitos Humanos reuniu psicólogas (os) e estudantes de Psicologia no dia 9 de agosto na UERJ do Maracanã, no Rio de Janeiro. Promovido pelo CRP-RJ, por meio da sua Comissão Regional de Direitos Humanos (CRDH), o evento teve como tema “Violências, Direitos Humanos e Interseccionalidades” e reuniu diversos palestrantes em três mesas temáticas.
O evento foi aberto pela conselheira-presidente do CRP-RJ, Marilia Alvares Lessa (CRP 05/1773), lembrando que a CRDH foi instituída em 2004 pelo XI Plenário do CRP-RJ. “Desde então, a defesa intransigente dos Direitos Humanos tem sido a nossa principal bandeira política”, afirmou ela, destacando também que “esse evento de hoje fala do nosso compromisso com uma Psicologia implicada com a vida e com o mundo no qual está inserida; com uma Psicologia que não se coloca como neutra, abstrata e afastada da realidade”.
Em seguida, a coordenadora da Comissão de Direitos Humanos do CRP-RJ, Maria Helena Zamora (CRP 05/12685), sublinhou que os Direitos Humanos são um dispositivo que aponta para uma existência humana digna. Conforme destacou, “não há Psicologia que se sustente contrária à defesa dos Direitos Humanos, pois eles baseiam a nossa Constituição Federal e o nosso Código de Ética”.
1ª MESA
O primeiro debate do dia foi “Desafios da Saúde Mental e Práticas de Cuidado”, mediado por José Henrique Lobato Viana (CRP 05/18767), psicólogo e conselheiro do CRP-RJ, que problematizou a importância do cuidado com a Saúde Mental da (o) própria (o) psicóloga (o). “Temos que demonstrar a importância do cuidado com o próprio profissional da Psicologia. Quem cuida de quem cuida?”, questionou.
A primeira fala da mesa foi de Lívia Marques (CRP 05/37353), psicóloga clínica e organizacional com MBA em gestão de pessoas, especializanda em Terapia Cognitiva Comportamental, escritora, palestrante e professora universitária, que sublinhou a importância da contextualização para a prática psi em Saúde Mental.
“É obrigatório para nós, psicólogos, contextualizar. Ninguém adoece sem que os motivos estejam ligados aos atravessamentos e realidades que nos cercam. Racismo, discursos de ódio, pobreza e violência interferem fundamentalmente na saúde mental das pessoas. Incluindo de nós mesmos, psicólogos”, explicou.
Ela ainda pontuou a necessidade do autocuidado. “Temos que pensar como fica o discurso dos direitos humanos em meio a essa onda de ódio que fere todos os nossos direitos. Vivemos uma realidade na qual um grupo minoritário acredita que pode dominar o mundo. Precisamos cada vez mais nos resguardar, cuidar, mas também nos autopreservarmos”, defendeu.
Abrahão de Oliveira Santos (CRP 05/39267), professor do Instituto de Psicologia (UFF) e coordenador do Kitembo (Laboratório de Estudos da Subjetividade e Cultura Afro-Brasileira), fez uma autocrítica à Psicologia, mostrando que a academia ainda não traz autores e pensadores negros para serem estudados e debatidos na graduação. Segundo ele, isso faz com que o discurso científico da Psicologia permaneça comprometido por um “embranquecimento” acadêmico.
“Há uma grande lacuna na formação psi em relação a questões raciais. Por isso, temos que pontuar que cuidar da população não pode se confundir com enquadramento na lógica hegemônica neoliberal. O próprio Foucault já falava da Psicologia como peça importante na engrenagem do poder e grupos sociais. Ela já se prestou à domesticação humana”, explicou o psicólogo.
Conforme defendeu, o cuidado com a Saúde Mental está relacionada à existência do sujeito na comunidade. “Não podemos nos ater apenas a uma escuta diferenciada, é preciso participação, colaboração do psicólogo nas comunidades. Há mais de 100 anos há uma ‘epidemia’ de homicídio da população negra. Esse contexto não é indiferente às nossas questões de saúde mental”, disse o palestrante.
Encerrando a mesa, Vanessa Andrade, psicóloga, ekedi do Terreiro Ile Omolu e Oxum, coordenadora do Grupo Preto de Psicologia Imáràle e do Afrobetizar e professora substituta de Psicologia da Educação (UFRJ/ IFRJ), trouxe mais questionamentos sobre a relação do cuidar psi na população negra e criticou, assim como Abrahão Santos, a falta de incentivo à leitura de autores negros na Psicologia. “Sou fruto da política de cotas da UERJ, mas só tive acesso a autores negros quando fui correr muito atrás. E não somos só nós, negros, que temos que ler esses autores. Todos deveriam lê-los”, falou.
De maneira bastante potente, Vanessa também questionou a relação da Psicologia com o povo negro e branco. “Que práticas de cuidado a Psicologia oferece ao adoecimento do povo negro? É possível pensar uma existência para além do racismo? Sobre o racismo, já sabemos que existe, está dado. Não queremos mais pedagogizar o racismo para os brancos. Chega de focar nisso. Não podemos condicionar nossa existência ao fim do racismo, já que não depende de nós. É preciso que o branco pense sobre si mesmo. A Psicologia tem que focar na monstruosidade branca, o que faz com que o racismo exista e se perpetue. Deixe que nós vamos nos cuidar e nos preservar. Chega de cuidar do branco, não somos mucamas. Temos que cuidar de nós”, finalizou.
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