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Nota do CRP-RJ sobre propostas do governo federal de alteração do Código de Trânsito Brasileiro


Data de Publicação: 24 de abril de 2019


slider_transito (1)O Conselho Regional de Psicologia do Rio de Janeiro vem a público manifestar preocupação sobre o fato de que – conforme notícias veiculadas pela mídia – o governo federal enviará ao Congresso Nacional um projeto de lei contendo propostas de alteração no Código de Trânsito Brasileiro (CTB), duas das quais têm impacto direto na segurança viária e podem resultar em alto risco para a sociedade.

A proposta se opõe a diversas legislações nacionais e marcos legais internacionais – dos quais o Brasil é signatário –, a saber: os propósitos da Lei 13.614 de 2018, que instituiu o Plano Nacional de Redução de Mortes e Lesões no Trânsito (Pnatrans) – 2019 a 2028; a Declaração de Brasília, que, na PP15, reafirma que os governos têm responsabilidade primária de prover condições básicas e serviços para garantir a segurança no trânsito; a AGENDA 30, cuja meta era reduzir pela metade, até 2020, as mortes e os ferimentos globais por acidentes em estradas; o Projeto Road Safety in Ten Countries ou “RS-10” (denominação brasileira – Vida no Trânsito); a Década Mundial de Segurança no Trânsito 2011 a 2020, proclamada pela Organização das Nações Unidas – ONU; e, por fim, o próprio CTB, cuja premissa básica é:“O trânsito, em condições seguras, é um direito de todos e dever dos órgãos e entidades componentes do SNT”.

  • Aumento do prazo para renovação da CNH

A ampliação do prazo para renovação da Carteira Nacional de Habilitação – CNH de cinco para dez anos é extremamente preocupante, pois permitirá às pessoas que, por razões diversas, não estejam em condições de saúde física, mental ou psicológica de conduzirem veículos automotores permaneçam exercendo a atividade, oferecendo, com isso, risco a si e à sociedade. O CRP-RJ se posiciona contrário à alteração do prazo para renovação da CNH pelos motivos que vem a expor.

Reinier Rozestraten conceitua o trânsito como o conjunto de deslocamentos de pessoas e veículos nas vias públicas, dentro de um sistema convencional de normas que tem por fim assegurar a integridade de seus participantes. Afirma ainda que o sistema de trânsito funciona através da interação entre três fatores: a via, o veículo e o homem, sendo este último o mais importante, uma vez que é o princípio que comanda, e define a Psicologia do Trânsito como área da Psicologia que estuda, através de métodos científicos válidos, os comportamentos humanos no trânsito e os fatores e processos externos e internos, conscientes e inconscientes que os provocam ou alteram.

Nesse sentido, a avaliação psicológica periódica é indispensável à aquisição e manutenção da CNH. A dinâmica da vida e os fenômenos que a atravessam produzem experiências que afetam de forma singular cada pessoa, temporária ou prementemente. As condições psicológicas das pessoas não são estáticas e nem permanecem inalteradas.

A avaliação psicológica preliminar e complementar prevista no § 3º do artigo 147 do CTB é uma perícia psicológica, conforme estabelece a Resolução CFP nº 001/2019, art. 2º, § 1º. A perícia é uma avaliação psicológica direcionada a responder demanda legal específica. É um processo técnico-científico de coleta de dados, estudos e interpretação de informações a respeito dos fenômenos psicológicos que são resultantes da relação do indivíduo com a sociedade, utilizando-se, para tanto, de estratégias psicológicas – métodos, técnicas e instrumentos – reconhecidas pela Psicologia. No contexto do trânsito, ela deve ser realizada por psicóloga (o) qualificada (o) no assunto.

A (o) psicóloga (o), no exercício de sua função privativa (Lei nº 4.119/62, que regulamenta a profissão), avalia, para fins da CNH, aspetos cognitivos, o comportamento e traços de personalidade através de métodos e técnicas científicas evitando que pessoas sem condições psicológicas para conduzir veículos automotores estejam de posse da CNH. Garantir esta perícia, estendendo a todos os condutores, estreitando sua periodicidade é ofertar à sociedade uma contribuição necessária à segurança viária e agir no sentido da promoção da saúde no trânsito.

  • Alteração na pontuação para suspensão da CNH

O projeto de lei prevê, ainda, aumentar de 20 para 40 o limite de pontos, no período de 12 meses, para instauração de processo administrativo tendente à suspensão do direito de dirigir. Essa alteração estimula o comportamento dos condutores infratores contumazes, que frequentemente põem em risco a sua vida e a dos demais usuários das vias, bem como desestabiliza o sistema de normas que, em síntese, se organiza em defesa da segurança viária.

A pontuação por infrações de trânsito em outro sentido poderá ser entendida não como desdobramentos de regras a serem obedecidas, mas sim como dispositivos em prol da educação a fim de alertar o condutor que seu comportamento no trânsito está oferecendo risco à sociedade.

Ambas as medidas supracitadas, propostas no projeto de lei, caminham na contra mão da segurança viária e se insurgem contra todos os esforços do Brasil para redução da morbimortalidade no trânsito, a qual atinge altos índices e, portanto, foi reconhecida pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como um grave problema de saúde pública em nosso país.

No âmbito da OMS, o setor saúde tem sido vinculado ao tema da segurança viária desde a metade do século XX, mas, no ano 2000, o tema ganhou ênfase e os elos principais foram os eventos (acidentes) de trânsito e os traumatismos. Entre as principais causas desses eventos, combinada ou isoladamente, estão o comportamento das pessoas, as características e condições ambientais, a infraestrutura viária, os meios de transportes, considerando também os aspectos socioculturais, a educação da população, as políticas de transportes, a regulação, fiscalização e gestão do trânsito.

Imprudências, negligências e imperícias presentes tanto no comportamento dos usuários das vias quanto na regulamentação, infraestrutura, gestão e fiscalização do trânsito impactam negativamente na segurança viária. Chamamos atenção para PP22 na Declaração de Brasília, que destaca a legislação abrangente e os fatores de riscos.

A proposta há de considerar a multisetorialidade do trânsito, que requer a participação de especialistas de várias áreas e não deve ser implantada deliberadamente, incorrendo, assim, em assumir riscos de danos ao minimizar regras em detrimento da segurança, principalmente aos não-motorizados, que compreendem 43% (ANTP) dos deslocamentos nas cidades brasileiras e figuram entre os usuários mais vulneráveis das vias.

Aumentar a pontuação na CNH é minimizar o sentido de alerta e ofertar à sociedade um risco plenamente evitável; é destituir ou isentar os órgãos e entidade do SNT de sua responsabilidade, haja visto o Art. 1º, § 3º do CTB: “Os órgãos e entidades componentes do Sistema Nacional de Trânsito respondem, no âmbito das respectivas competências, objetivamente, por danos causados aos cidadãos em virtude de ação, omissão ou erro na execução e manutenção de programas, projetos e serviços que garantam o exercício do direito do trânsito seguro”; é também alienar a competência da União, dos estados, Distrito Federal e municípios, instituída pelo Art.23, XII da Constituição Federal, de estabelecer e implantar política de Educação para o Trânsito.

A presente proposta promoverá ambientação favorável ao aumento da violência e da falta de responsabilização no trânsito brasileiro. O Brasil ocupa o 4º lugar entre os países recordistas em mortes no trânsito. Nesse contexto, importa destacar que, nas vias, se manifestam condutas que dialogam permanentemente com o ambiente constituído, onde a infraestrutura viária, o sistema de normas, o esforço legal e a educação para o trânsito estimulam comportamentos e contribuem em sua frequência para manutenção ou não desta posição.

É intangível o custo das sequelas invisíveis deixadas por esses eventos ocorridos no trânsito; é impossível estimar o que representa a perda de um ente ou os danos psíquicos e estresses traumáticos imputados às vítimas diretas e indiretas, agravado, ainda, pelos custos econômico-financeiros e sociais que impactam diretamente as famílias, bem como a sociedade. Não obstante, os cofres públicos absorvem altíssimas cifras. Segundo estimativas do Banco Mundial, o custo global dos acidentes no Brasil chega a R$258 bilhões.

O fator humano, que envolve todos os atores, representa 90% das causas de ocorrências no trânsito, interrompendo 1,35 milhão de vidas/ano no mundo. Cerca de 50 milhões de pessoas sofrem lesões, muitas delas resultando em incapacidade. Mais de 90% das mortes no trânsito ocorrem em países de baixa e média renda, embora estes detenham pouco mais da metade da frota veicular motorizada registrada, e os usuários das modalidades de transporte mais vulneráveis – pedestres, ciclistas e motociclistas – são os mais atingidos.

Na Declaração de Brasília, destacamos a PP6. “Reconhecendo que o sofrimento humano, combinado com custos globais estimados em US$ 1,850 trilhão ao ano, torna a redução das mortes e das lesões no trânsito prioridade urgente para o desenvolvimento, e que o investimento em segurança no trânsito tem impactos positivos na saúde pública e na economia”.

E, por fim, destacamos a ausência de políticas públicas que abarquem as necessidades produzidas por esses eventos (acidentes), deixando as vítimas e sua família entregues à própria sorte.

O CRP-RJ alerta a sociedade para a gravidade dos impactos desastrosos que a referida proposta produzirá na mobilidade humana, convida todas (os) à reflexão e solicita ao governo federal que repense sua proposta e caminhe em direção à redução da morbimortalidade e a segurança viária, atuando sempre na promoção da saúde no trânsito brasileiro.



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