Morreu mais uma criança na favela da Maré. Era o dia 20 de junho, durante a Copa do Mundo, ocorria uma operação policial e Marcos Vinicius, de 14 anos, uniformizado e a caminho da escola, foi baleado. Na mesma data, na Vila Vintém, outro jovem da mesma idade foi igualmente assassinado: Guilherme Henrique Pereira ia à barbearia quando foi atingido por tiros em um investida de bandidos na comunidade.
As (os) psicólogas (os) do Rio de Janeiro devem se interrogar o quanto e como isso lhes diz respeito na sua vida profissional, social e pessoal. A “normalização” [naturalização?] deste tipo de ocorrência, sua absurda frequência, não podem anular a indignação de tamanha brutalidade.
As favelas do Rio de Janeiro, também denominadas “comunidades”, são áreas de grande carência nos serviços e nas políticas públicas prestadas pelo Estado; locais onde direitos e normas básicas de proteção às pessoas são desconsideradas. A perpetuação de violações e a escalada da violência produz nestas localidades – e também em todo o estado – um número inadmissível de vítimas, inclusive de agentes policiais. Recentemente, com a intervenção militar no Rio de Janeiro, o conceito de “gueto”, de área conflagrada onde normas de direito não devem ou não precisam ser respeitadas, parece ter sido instituído.
As (os) psicólogas (os) do Rio de Janeiro devem se interrogar o quanto essas tragédias, essa cultura de criminalização da pobreza e a segregação de uma parcela significativa da população se reflete na subjetividade de cada um e sobretudo nos habitantes destas áreas, nas crianças e jovens que ali crescem e se desenvolvem, expostos e desprotegidos.
Os moradores das favelas são em sua maioria negros, imigrantes pobres, pessoas que ali conseguiram viabilizar uma moradia, na maior parte das vezes precária. São detentores dos mesmos direitos à educação, à saúde, à segurança e aos demais serviços públicos como qualquer outro cidadão residente em qualquer outro espaço social. O fato de que nestes espaços se desenvolvam atividades criminosas não altera ou não deve alterar esses direitos.
As (os) psicólogas (os) do Rio de Janeiro devem se interrogar – em seus consultórios, ambulatórios, hospitais, na RAPS, nos consultórios na rua, equipamentos de atendimento do SUAS, na Justiça, nas escolas ou empresas – onde quer que estejam, enfim, nas suas vidas familiares e sociais, o que temos todas (os) nós a ver com isso. Não é possível acreditar que mais famílias chorem uma perda tão cruel, sem propósito ou razão, e que o restante da sociedade siga pensando que nada tenha a ver com isso.
O Brasil é a nona maior economia do mundo, porém, apesar disso, também é o décimo país em desigualdades sociais. É sabido que carregamos 400 anos de escravidão em nossa realidade social e cultural. A pobreza e a negritude caminham de mãos dadas em nossa sociedade e são as maiores vítimas da desigualdade e da violência. Nesse momento do país, quando direitos são subtraídos e verbas destinadas às políticas públicas são sonegadas ou desviadas para setores privados, como na saúde e na educação, nenhuma melhoria vislumbra.
Mais duas crianças morreram baleadas. Marcos Vinicius caminhava para a escola, onde não chegou. Guilherme caminhava para a barbearia, onde também nunca chegou. Um morreu durante uma operação policial; o outro, durante um ataque de bandidos. Ambos tinham família, irmãos, amigos.
A Psicologia não há de se calar!