No dia 1º de abril, sexta-feira, foi realizado no município de Carmo, na Região Serrana do estado do Rio de Janeiro, o último pré-Congresso Regional de Psicologia (pré-Corep) fora da capital. Profissionais e estudantes de Psicologia da região se reuniram no Centro Cultural Professor Jair Nunes Macuco, onde, antes do processo do Pré-Corep, houve um importante debate sobre Saúde Mental.
As palestras das psicólogas Carla Silva Barbosa (CRP 05/29635), supervisora de Saúde Mental do Município do Rio de Janeiro e professora da UNIABEU (Associação Brasileira de Ensino Universitário), e Erica Victório (CRP 05/24569), coordenadora de Saúde Mental no Município de Carmo, foram acompanhadas também por usuários de Saúde Mental.
Victório falou sobre a história da Saúde Mental em Carmo, município que é referência na área, mostrando fotos de unidades de atendimento, de pacientes e do Centro de Convivência. “O Serviço de Atenção à Infância e à Juventude (SAIJ), criado em 2011, é um serviço de referência no atendimento, orientação e apoio às instituições que cuidam da criança e adolescente do município, com atenção multidisciplinar, visando a integralidade das ações”, contou a psicóloga, segundo a qual o projeto está em processo de credenciamento para CAPSI (Centros de Atenção Psicossocial Infantil).
A coordenadora de Saúde Mental de Carmo também falou sobre as atividades, acolhimento, atendimento individual ou em grupos, visitas domiciliares, reunião de equipes, de redes, oficinas e cursos, leitos de saúde mental do Hospital Geral, mais um dispositivo do CAPS. “É um serviço de urgência e emergência em saúde mental que oferece suporte 24 horas por dia, em casos de crise aguda. Tem conseguido substituir a internação em clínicas psiquiátricas. Acho que esse é o grande ponto: em Carmo não existe mais hospital psiquiátrico, isso não faz parte mais da nossa”, disse.
A cidade possui quatro leitos divididas em duas enfermarias cadastradas no SUS (Sistema único de Saúde). A equipe técnica tem um coordenador enfermeiro, dois médicos psiquiatras em regime de sobreaviso, uma enfermeira responsável pelo RH e dez auxiliares de enfermagem, segundo a psicóloga. “Muito oportuno a gente discutir a Saúde Mental tendo como cenário Carmo, que é uma referência em desinstitucionalização num momento em que a gente tem o Valencius Wurch na coordenação de Saúde Mental, o que representa um grande retrocesso na construção da política e da liberdade”, disse ela.
Em sua apresentação, Barbosa afirmou que “o hospício enquanto lógica faz parte de um projeto político de cidade”. “Eu entendo o trabalho de saúde mental como um projeto de cidade, de uma cidade que abarca diferentes modos de existência, diferentes possibilidades de se existir. Não gosto da palavra ‘tolerância’, porque a gente diz que ‘tolera’ quando há algo que não é tolerável. Eu entendo o trabalho de saúde mental como a possibilidade da existência da diferença na cidade. É bem diferente de tolerância”, afirmou a psicóloga.
Segundo a psicóloga, estamos vivendo “um retrocesso em termos estruturais e institucionais da saúde mental” e criticou a “política que toma o outro por objeto”, referindo-se ao recém-nomeado coordenador de Saúde Mental Álcool e Outras Drogas do Ministério da Saúde, Valencius Wurch Duarte Filho – psiquiatra que dirigiu a Casa de Saúde Doutor Eiras, então o maior manicômio particular do país, em Paracambi, na Baixada Fluminense, nos anos 1990.
“Nunca foi fácil trabalhar na contramão de um projeto de cidade. O projeto hegemônico, que a gente consegue ver, pautar, nunca foi um projeto de cidade que contemple a diferença Mas a gente insistiu e insiste. E, dentro das estruturas formais das políticas públicas, sempre tivemos parceiros nessa insistência, e isso faz toda a diferença”, afirmou a supervisora de Saúde Mental do Município do Rio de Janeiro.
“Que projeto de cidade queremos?”, questionou Barbosa, nos minutos finais de sua palestra, que foi sucedida por um debate do qual participaram também os profissionais da plateia. “O momento é mais do que propício para pensarmos as práticas em Saúde Mental, uma vez que estamos vivendo um endurecimento dentro das estruturas institucionais do Estado, com a nomeação do Valencius. Esses encontros, onde podemos refletir sobre esse trabalho coletivamente, são fundamentais para pensarmos novas formas de resistência que serão necessárias diante dessa afirmação de um outro modelo”, destacou a psicóloga, que trabalhou no fechamento da Casa de Saúde Doutor Eiras.
Eleição de delegados e votação de propostas
Após o debate, teve início o processo do Pré-Corep, no qual foram eleitas, no evento, uma delegada e um suplente entre psicólogos, e uma delegada e uma suplente entre os estudantes.
Também foram elaboradas e aprovadas cinco propostas, entre as quais quatro foram de âmbito nacional, como as de que o CFP (Conselho Regional de Psicologia) “continue lutando pela instituição da carga horária máxima de 30 horas semanais para os profissionais de Psicologia”; “articule a obrigatoriedade do psicólogo como parte da equipe mínima obrigatória nos CAPS (Centro de Atenção Psicossocial)”; “articule com a FENAPSI (Federação Nacional dos Psicólogos) a garantia do pagamento de insalubridade para os profissionais psicólogos que atuam na saúde e no sistema penitenciário brasileiro, tendo em vista que outras categorias profissionais, expostas às mesmas condições, têm esse direito garantido” e “produza uma nota de desagravo pela não realização das Conferências de Saúde Mental no ano de 2015, afirmando a importância destas para o fortalecimento da RAPS e efetivação das políticas de Saúde Mental”.
No âmbito regional, foi aprovada no evento a proposta de que “o CRP-RJ incentive uma maior representatividade dos profissionais de Psicologia nos Conselhos de Controle Social, como parte da Política de Regionalização e Interiorização”.
Abril de 2016