O último dia do X Seminário Regional de Psicologia e Direitos Humanos e IV Seminário Regional de Psicologia e Políticas Públicas começou agitado com a mesa “Novas Roupagens do Encarceramento”.
Mediado pela colaboradora da Comissão Regional de Direitos Humanos do CRP-RJ Julia Horta Nasser (CRP 05/33796), o debate contou com falas de: Tânia Kolker, graduada em Medicina, com especialização em Psicanálise e Análise Institucional pelo IBRAPSI, coordenadora técnica da Clínica do Testemunho do Rio de Janeiro e membro da Comissão sobre Medidas de Segurança da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão do Ministério Público Federal; Rodrigo Silva Lima, assistente social, professor da Escola de Serviço Social da UFF e presidente do Conselho Regional de Serviço Social do RJ; e Sandra Djambolakdijan Torossian, professora do Instituto de Psicologia da UFRGS e coordenadora do CRR Rede Multicêntrica.
Tânia Kolker problematizou sobre os novos usos dos espaços de encarceramento na atualidade e quanto isso está intimamente ligado ao perfil das pessoas que hoje são encarceradas.
“Tenho observado uma mudança no perfil das pessoas internadas no hospital de custódia. Há um tempo atrás, o perfil básico era de pessoas com transtornos psicóticos ou portadoras de doenças mental. Do ponto de vista dos delitos cometidos, eram comuns agressões e pequenos delitos. De forma geral, tratava-se de pessoas com relações imediatas com o crime. Com o tempo, começamos a perceber que têm aumentado muitíssimo as internações de pessoas por uso de drogas e com quadro de dependência química. Com isso, percebemos novos corpos sendo encarcerados e, portanto, novos usos desse encarceramento”, argumentou.
Ainda segundo ela, “temos observado novas formas de administrar a pobreza, como os abrigos usados como destino para internações compulsórias e as comunidades terapêuticas. É quase como se estivéssemos voltando à era do grande internamento, no século XIX, onde se internavam criminosos, moradores de rua e loucos”.
“É importante marcar que, para esse cenário estar acontecendo atualmente em nosso país, houve não apenas a criação de novas normativas, mas também o uso distorcido e perverso das normativas anteriores para justificar, por exemplo, as medidas de internação e recolhimento compulsório”, finalizou.
Rodrigo Lima, por sua vez, problematizou o papel do Estado, defendendo o aspecto meramente formal do caráter universal do Estado, que, efetivamente, não é para todos os cidadãos. Em seguida, falou sobre o cenário atual do Sistema Único de Saúde. “O SUS se apresenta como a maior política pública do país, mas, ao mesmo tempo que temos esse fato do ponto de vista legislativo, observamos que as ações políticas abrangem, em sua maioria, uma lógica de precarização do SUS e de todas essas conquistas sociais. E a mesma realidade pode ser aplicada às políticas de Assistência e Educação!”.
“Nunca antes neste país tivemos tantas políticas voltadas para os Direitos Humanos, mas também nunca tivemos tantas políticas enrijecidas e conservadoras, de lógica meramente penal”, criticou o assistente social. “Hoje em dia nossa sociedade opera de forma muito maniqueísta, como se houvesse somente dois caminhos possíveis para nossa juventude: a escola ou a prisão. Nesse sentido, a escola é o espaço onde todos os problemas podem ser resolvidos e a internação é a única alternativa às questões sociais que a escola não consegue dar conta. Mas a escola sozinha não vai dar conta de atender a todas as demandas sociais”, defendeu.
Por fim, Sandra Torossian propôs uma reflexão sobre como nossa sociedade lida com a questão do uso de drogas e como olha para as pessoas usuárias dessas substâncias. Nesse sentido, fez uma análise sobre o surgimento das comunidades terapêuticas e o papel delas na atenção a esses usuários.
“As comunidades terapêuticas têm, atualmente, uma proposta muita definida. Contudo, elas não surgiram para tratar usuários de drogas; elas surgiram na década de 1950, no EUA, para tratar as pessoas que voltaram da 2ª Guerra Mundial com distúrbios psíquicos e dificuldades no convívio social de modo que, ali, essas pessoas pudessem viver uma vida comunitária com acompanhamento de profissionais. Foi na década de 1960 que perceberam que os usuários de drogas também apresentavam problemas de convívio social. Assim, as comunidades terapêuticas começaram a acolher também esses usuários”, explicou.
“Na década de 1970, o presidente norte-americano Richard Nixon declarou a guerra às drogas, tornando-as, e também a seus usuários, os inimigos número uma da sociedade. É claro que essa discussão sobre a legalidade e a ilegalidade das drogas não tem nada a ver com saúde. Isso está ligado muito mais a variáveis políticas e econômicas do que a questões de saúde pública”, acrescentou.
Dezembro de 2015