Temos assistido, no Brasil, ao crescimento de manifestações de intolerância que produzem situações de ódio e violência, com consequências trágicas por vezes.
Na semana passada, o juiz federal Eugenio Rosa de Araújo, da 17ª Vara Federal do Rio de Janeiro, negou um pedido do Ministério Público Federal (MPF) para que obrigasse o Google a retirar vídeos ofensivos, que promoveriam a discriminação e a intolerância contra as religiões de matriz africana e seus seguidores, postados no sítio do Youtube.
Do que foi publicado pelo jornal O Estado de São Paulo sobre o conteúdo dos vídeos, lemos estarrecidos que “segundo essas gravações, as religiões de origem africana estão ligadas ao ‘mal’ e ao ‘demônio’. Um dos vídeos afirma que ‘não se pode falar em bruxaria e magia negra sem falar em africano’ e outro associa o uso de drogas, a prática de crimes e a existência de doenças como a Aids a essas religiões.”
Apesar do conteúdo dos vídeos, o magistrado negou o pedido do MPF sentenciando (ou opinando?) que “as manifestações religiosas afro-brasileiras não se constituem em religiões” porque “não contêm os traços necessários de uma religião” por não terem um texto-base (como a Bíblia ou o Corão), uma estrutura hierárquica nem “um Deus a ser venerado”. De acordo com o MPF, a decisão do juiz fere a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Constituição Federal e o Estatuto de Igualdade Racial.
A decisão do juiz *, acreditamos, aproxima-se mais de um pré-julgamento baseado em suas próprias opiniões sobre o que seja religião do que uma sentença apoiada nas leis brasileiras atuais. Neste ponto, estamos em consonância com o procurador do MPF Jaime Mitropoulos que afirmou:“… ele se sentiu no direito de dizer o que é ou não religião”. A imediata manifestação de indignação de vários representantes religiosos de diferentes religiões, divulgada em diversas mídias, demonstra que muitos não concordam com a sentença, dentre eles muitos evangélicos.
O Estado é laico, mas as pessoas têm o direito de professar alguma religião ou mesmo não possuir qualquer crença religiosa. O CRP-RJ e sua Comissão Regional de Direitos Humanos (CRDH) certamente não poderiam deixar de convocar os psicólogos à reflexão, baseando-a em seu Código de Ética Profissional, totalmente apoiado na Declaração Universal dos Direitos Humanos, no respeito à diversidade humana, na Constituição Federal e nas demais leis brasileiras.
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* Na manhã do dia 21/05/2014, recebemos a notícia de que, na véspera, 20/05/2014, o juiz Eugênio Rosa de Araújo reviu os fundamentos da ação em que afirmava que o candomblé e a umbanda não são religiões. Segundo o magistrado, “o forte apoio dado pela sociedade civil, demonstra, por si só, e de forma inquestionável, a crença no culto de tais religiões”. Contudo, infelizmente, os vídeos ofensivos e contendo cenas de intolerância às mesmas religiões continuam no Youtube.